Partido Comunista Português
Intervenção de Bruno Dias na AR
Redes de comunicações electrónicas
Quarta, 20 Maio 2009
telemovel.jpgImporta começar por recordar singelamente um ponto de partida que não podemos perder de vista, que é o de que as tecnologias não são boas nem más em si mesmas.  

Regime de acesso aberto às infra-estruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações electrónicas e estabelecimento do regime de impugnação dos actos do ICP-ANACOM aplicáveis no âmbito do regime de construção, acesso e instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Importa começar por recordar singelamente um ponto de partida que não podemos perder de vista, que é o de que as tecnologias não são boas nem más em si mesmas.

A questão é saber qual a utilização que lhes damos e, desde logo, qual o modelo de desenvolvimento que está em causa na sua aplicação.

Com esta proposta do Governo (proposta de lei n.º 264/X), a estratégia que daí surge é a de uma dependência estrutural, cada vez mais acentuada, do nosso país, da nossa economia e do seu desenvolvimento relativamente às agendas e aos interesses dos grandes grupos económicos. Prosseguindo as ordens do poder económico à escala da União Europeia, o Governo decide e anuncia uma rede de comunicações electrónicas, designada de «nova geração», que é privatizada à nascença e entregue às mãos das corporações do sector.

Mas há uma coisa que o Governo não consegue esconder sob o brilho ofuscante da fibra óptica: é porque este projecto, que já foi classificado pelo Presidente da PT como um «serviço Premium», como um «Ferrari», já tem da parte do Estado a garantia de 85% da verba para o ano de arranque, isto é, 50 milhões de euros em benefícios fiscais e 800 milhões de euros com a promoção de uma linha de crédito - «incumbência do Estado», nas palavras do Governo. Ou seja: essa parte (a do financiamento) está resolvida para os «investidores privados»; faltava agora a parte, também muito complexa e exigente, da infra-estrutura física das redes, apontada pela Comissão Europeia como a mais problemática e dispendiosa vertente destes projectos. Ora bem, aí está o Governo ao resgate e resolve-se o problema com esta proposta.

Com ela, todas as redes e infra-estruturas (todas!) que possam ser consideradas «aptas para o alojamento de redes de comunicações electrónicas» são postas ao serviço deste projecto e destes investidores.

À partida, nada temos contra, mas o que significa isto exactamente? Não se sabe. É porque o decreto-lei que o Governo pretende aprovar sobre esta matéria aplica e remete para outro decreto-lei... que não existe! Cujo teor não conhecemos, mas que, pelos vistos, estabelece «um conjunto de obrigações aplicáveis ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais». Afinal, é disto que estamos a falar quando lemos o artigo 2.º da proposta de lei sobre «as entidades que detenham infra-estruturas aptas ao alojamento de redes»?

Mas a Associação Nacional de Municípios Portugueses não foi ouvida pelo Parlamento, nem as regiões autónomas! Que misterioso regime é esse que lhes vai ser aplicado?! Coloca-se o domínio público, as redes e infra-estruturas públicas, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias ao serviço de um empreendimento «Ferrari», privatizado à nascença, com financiamento garantido pelo Estado, em que o Estado se garante e oferece como cliente (com os serviços públicos assumidos como fazendo parte da rede no prazo de um, dois anos a contar do seu arranque).

Onde há condutas e infra-estruturas com fartura, onde há concentração populacional, as redes aparecem num instante e são êxito garantido.

No interior, nas zonas deprimidas, onde as infra-estruturas mais fazem falta, o investimento não aparece porque não dá lucro!

Este é um exemplo flagrante de como o poder político e estes governos na sociedade actual assumem, sem pestanejar, o papel de conselhos de administração dos interesses dos grupos económicos. E é de lamentar que o Parlamento cumpra este papel de despachar rapidamente e por alto um processo desta gravidade, com uma autorização legislativa que não se sabe o que autoriza, com um debate em Plenário em grelha mínima, dispondo cada grupo parlamentar de apenas 3 minutos, sem que sequer fossem ouvidas as autarquias e as regiões autónomas.

As redes podem ser de nova geração, mas nas opções políticas não há nada de novo!...