Partido Comunista Portugu�s
  • Narrow screen resolution
  • Wide screen resolution
  • Auto width resolution
  • Increase font size
  • Decrease font size
  • Default font size
  • default color
  • red color
  • green color
�
�

Sistemas de vigilância electrónica rodoviária - Intervenção de Jorge Machado na AR
Sexta, 28 Abril 2006
Instalação e utilização de sistemas de vigilância electrónica rodoviária e a criação e utilização de sistemas de informação de acidentes e incidentes pela EP - Estradas de Portugal, EPE, e pelas concessionárias rodoviárias

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
 Com a proposta de lei n.º 59/X o Governo pretende obter a legitimação legal devida para a instalação de sistemas de vigilância electrónica, rodoviária e tratamento da respectiva informação por parte da empresa Estradas de Portugal e de empresasconcessionárias de auto-estradas. Importa dizer, em primeiro lugar, que este problema da videovigilância, e  designadamente da sua utilização rodoviária, seja para efeitos de prevenção de acidentes seja para outros efeitos, como o da aplicação de sanções aos utentes que não pagam as portagens devidas, tem vindo a dar lugar a um já longo folhetimcom vários capítulos e com fio condutor que começa a ser difícil de descortinar. Como bem refere o relatório elaborado pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães para a 1.ª Comissão, já vamos a caminho do sexto diploma a regular esta matéria da vigilância electrónica nas auto-estradas concessionadas.  Em nome da coerência, da clareza e da segurança da ordem jurídica, melhor faria o Governo se elaborasse uma proposta de regulamentação desta matéria num único diploma uniformizador ou que, pelo menos, manifestasse a sua disponibilidade, o que equivale dizer a disponibilidade da maioria que o apoia, para que fosse a Assembleia da República a fazê-lo, aproveitando este processo legislativo. Pela nossa parte, damos por assente que esta matéria carece ser regulada, desde logo porque está em causa um valor muito importante, que é o da segurança rodoviária, a prevenção de acidentes e o procedimento contra infractores que ponham em causa a segurança da circulação rodoviária, embora se deva ter em conta que esses sistemas visam também interesses exclusivos, embora legítimos, das concessionárias relativamente à cobrança de portagens e aplicação de sanções a quem cometa infracção neste domínio. Essa regulação, no entanto, deve ser muito cautelosa, porque no outro prato da balança estão direitos fundamentais dos cidadãos relativos à sua imagem e privacidade que não podem pura e simplesmente ser sacrificados, permitindo-se a uma empresa concessionária da auto-estrada obter dados pessoais dos automobilistas, ficar com eles na sua posse, proceder ao seu tratamento e dar-lhes a utilização que bem entender. Acontece, porém, que, como refere o relatório da 1.ª Comissão, valendo-se, aliás, da valiosa reflexão que a Comissão Nacional de Protecção de Dados tem vindo a reproduzir sobre esta matéria, a proposta de lei não regula de uma forma equilibrada os direitos e os valores em presença. Nesta proposta de lei há uma desproporção flagrante entre o que é permitido às concessionárias em matéria de recolha, tratamento e utilização dos dados pessoais e a falta de garantias dadas aos titulares desses dados contra eventual utilização abusiva. E o pior é que não estamos a falar de um perigo potencialmente criado pela legislação que o Governo propõe que se aprove mas, sim, de um perigo actual, dado que os sistemas de vigilância rodoviária de que estamos a falar já existem, funcionam e são utilizados pelas empresas concessionárias mesmo que não exista a regulação legal indispensável para isso. Ou seja, esta proposta de lei tem o sentido de proceder a uma espécie de «regularização extraordinária» da situação ilegal em que se encontram as concessionárias quanto à recolha e tratamento de dados pessoais dos cidadãos. Esta situação de impunidade perante as ilegalidades cometidas poderia ser parcialmente colmatada se agora se aprovasse uma legislação equilibrada, só que não é este o caso. A proposta do Governo está muito longe de ser equilibrada.Como se sabe, desde há muito, os sistemas de vigilância electrónica rodoviária já instalados pelas empresas concessionárias de auto-estradas estão em situação ilegal por falta de autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, legalmente obrigatória. Esta ilegalidade é particularmente grave porque viola e deixa sem protecção direitos fundamentais dos cidadãos. O que o Governo agora propõe é que estas empresas mantenham estes sistemas ou que os instalem, caso ainda não os tenham, sem dependência de qualquer autorização, mas apenas tendo de notificar a Comissão Nacional de Protecção de Dados. E, assim, tudo fica como antes: o funcionamento dos sistemasà margem da lei, sem qualquer autorização, vão passar a funcionar nos termos da lei sem ter necessidade de a obter. Mas há outros aspectos que merecem sérios reparos. A proposta de lei é muito precisa quanto ao que as concessionárias podem fazer com os dados pessoais dos utentes, mas é muito imprecisa quanto àquilo que não podem fazer. As empresas podem tratar uma variedade enorme de dados pessoais, tais como imagens, dados de localização, velocidade, datas e horas de registos, tipos e descrições de ocorrências, dados de identificação e contacto das pessoas, dados de identificação dos veículos, locais, datas e horas de acidentes ou incidentese ainda outros elementos não especificados desde que relevem para as finalidades previstas na lei. E, na posse destes dados, as empresas podem tratá-los como bem entenderem, podem subcontratar o seu tratamento a terceiros, proceder à sua interconexão, conservá-los por cinco anos e até cedê-los a operadores de televisão e de telecomunicações. Quais são as limitações impostas em nome dos direitos dos visados? A transmissão e divulgação dos dados não podem afectar, de forma directa e imediata, o direito à imagem e à intimidade da vida privada das pessoas, o que, lido a contrario, significa que estes dados podem ser transmitidos e divulgados ainda que afectem, de forma indirecta ou mediata, o direito à imagem e à intimidade da vida privada das pessoas. A latitude e precisão dos direitos das concessionárias para potencialmente violar direitos dos cidadãos contrasta assim, de forma flagrante, com o carácter vago e indeterminado da tutela destes direitos. Mais: a empresa dispõe de dados sobre os seus utentes e faz deles o que bem entender, mas se for o próprio utentea precisar desses dados, nomeadamente para responsabilizar as concessionárias por incidentes que possam ser da sua responsabilidade, aí já é tudo mais complicado, limitado e com restrições, como se pode ver pelo artigo 19.º da proposta de lei. Mais ainda: a empresa concessionária pode manter os dados na sua posse por cinco anos quando, em geral, a lei só permite a conservação de dados por 30 dias, estando em causa a protecção de pessoas e bens. Não se entende, assim, esta opção, uma vez que estamos a falar de dados sensíveis relativamente à vida dos cidadãos. Pela nossa parte, acompanhamos no essencial as preocupações manifestadas no relatório da 1.ª Comissão e no parecer emitido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, e respectivas declarações de voto, quanto ao carácter desproporcionado e desnecessário da autorização que a proposta de lei se propõe conferir para a captação e gravação de imagens com identificação dos utentes das estradas e autoestradas. Acompanhamos a estranheza pelo facto de a proposta de lei permitir a conservação de dados pessoais por um período que pode ir para além de cinco anos quando, mesmo nos casos em que está em causa a protecção de pessoas e bens, a lei permite apenas a conservação por um período até 30 dias. Acompanhamos a estranheza quanto à latitude com que se permite a recolha de dados pessoais para fins de monitorização e controlo de tráfego, mesmo que não esteja em causa a ocorrência de qualquer acidente ou incidente. E, finalmente, acompanhamos a perplexidade quanto à autorização para serem facultados aosoperadores de televisão e telecomunicações as imagens de monitorização do tráfego sem que haja o mínimo cuidado na preservação do direito à imagem e à intimidade da vida privada dos visados. Em síntese, também nesta matéria o Governo pretende seguir a inquietante moda, muito em voga, segundo a qual a proclamação de direitos dos cidadãos é muito importante em teoria, mas, na prática, eles cedem perante valores mais altos que se levantam. E o grande problema é que entre os valores mais altos que se levantam há, de certo, alguns que merecem uma forte protecção — a prevenção da segurança é, com certeza, um deles. Só que, no pretexto destes valores, acabam por ser protegidos muitos outros menos legítimos, sacrificando direitos fundamentais que, passo a passo, começam a ser pouco mais que «letra morta».