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Ano Internacional das Pessoas com Deficiência
Intervenção de Bernardino Soares
Quinta, 16 Outubro 2003

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Se há uma conclusão evidente para quem seriamente se debruçar sobre a política da deficiência em Portugal, ela é a de que o nosso país trata mal as suas pessoas com deficiência.

Em Portugal as Pessoas com Deficiência continuam a não ver reconhecidos direitos fundamentais para qualquer cidadão; continuam a ver adiada a resolução de problemas básicos; continuam a ser excluídas da participação na elaboração das políticas, ou a sofrer com o preconceito e a serem considerados como meros objectos de caridade e assistencialismo.

São muitos anos de políticas desajustadas, de problemas não resolvidos, de discriminações ignoradas e de escassa visibilidade dos seus problemas e sobretudo dos seus direitos.

Com este governo a situação dos deficientes portugueses agravou-se. Desde logo porque em situação de crise económica e social, as pessoas com deficiência são duplamente atingidas. Com uma política que acrescenta crise à crise, que atrasa e dificulta a recuperação da economia, que mantém pensões degradadas e diminui os apoios sociais, as pessoas com deficiência estão na primeira linha dos sofrimentos e das dificuldades.

Na educação o panorama é dramático. A política deste Governo traduziu-se numa drástica restrição no acesso à educação e ao ensino das pessoas com deficiência.

O Governo prepara-se para restringir a educação especial ao mínimo possível. É a filosofia clara da proposta de lei de bases da educação que aqui apresentou. Quer considerar apenas as necessidades educativas especiais muito graves e prolongadas desresponsabilizando-se de tudo o resto. Não prevê qualquer apoio para a situação das crianças dos zero aos três anos, ou para os alunos do ensino profissional ou do ensino superior.

Entretanto, as consequências desta orientação política e da lógica de restrição orçamental estão à vista, com a dispensa de milhares de professores com formação e experiência na área do ensino especial, as restrições à sua colocação e vinculação, ou com as dificuldades criadas à manutenção de intérpretes de língua gestual portuguesa nas escolas, deixando milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, que não só com deficiência, em turmas cada vez maiores e apenas acompanhadas pelo docente do ensino regular. E em muitos casos privadas do seu direito de estudar.

Continua a ser escassa a formação de professores para o trabalho com deficientes; continua a não haver condições adequadas nas infra estruturas escolares para a sua frequência por todos; faltam os equipamentos e instrumentos pedagógicos adequados como os manuais em Braille, que ou não existem ou chegam já o ano lectivo vai avançado.

A retrógrada e medieval filosofia do Governo nesta matéria é a de destruir a escola inclusiva, consagrando a exclusão como regra, e fazer letra morta da Declaração de Salamanca, a que o nosso país está vinculado.

O discurso da excelência traduz-se na prática da exclusão.

No emprego, factor decisivo para a integração social plena, continua a não haver uma política orientada para a criação de emprego para deficientes, e a ser insuficiente a aplicação da quota de emprego público.

O acesso das pessoas com deficiência à formação profissional é também difícil.

Mantém-se a situação de pensões de invalidez degradadas, bem como a insuficiência de outros apoios sociais, bem em contraste com as promessas eleitorais e o discurso falsamente humanista do Ministro Bagão Félix e da direita nesta matéria.

Continuamos a ter um difícil acesso a ajudas técnicas, com comparticipações insuficientes face ao custo que muitas comportam (o PCP tem vindo a propor ano após ano no OE o seu aumento) e escassez de verbas para a sua atribuição pelas instituições públicas.

Continuam as dificuldades em aceder à habitação, designadamente na compra a crédito, onde a política discriminatória das seguradoras torna impossível ou altamente oneroso o acesso ao seguro em consequência ao crédito. Nesta matéria não havia de facto grandes expectativas de alguma intervenção do Governo, porque sabemos bem que entre os deficientes e as seguradoras, para onde pende o coração do Ministro Bagão Félix.

Continua a ser da maior gravidade a situação das barreiras arquitectónicas, designadamente em serviços públicos, contrariando a legislação em vigor e os compromissos assumidos aqui mesmo pelo Governo.

No desporto para deficientes, importante factor de identificação e integração social e apesar dos magníficos resultados dos nossos desportistas, as condições e apoios adequados para o seu desenvolvimento e sobretudo uma política orientada para uma generalização da prática do desporto para deficientes, para além da alta competição, são uma miragem distante.

Continuam a escassear os apoios às associações e organizações de deficientes, cuja acção é decisiva para a representação dos seus interesses e tantas vezes para a resolução de problemas concretos da maior importância.

Ao mesmo tempo restringe-se a participação das pessoas com deficiência e das suas organizações na definição das políticas e das soluções, num menosprezo pouco democrático pela sua intervenção. Mesmo quando se sabe que o envolvimento dos destinatários das políticas para a deficiência na sua elaboração e aplicação é internacionalmente considerado como indispensável nesta área.

Esperava-se que o Ano Europeu produzisse alguma alteração nesta matéria. Os mais optimistas esperariam até que se produzisse alguma alteração de maior na inépcia e desajuste das políticas. Mas pelo menos esperar-se-ia da passagem do Ano Europeu resultasse pelo menos alguma mudança, mesmo que ténue, da atitude de quem governa e algum efeito na importante batalha da mudança das mentalidades.

Pura ilusão. Para além das diversas iniciativas das associações e organizações ligadas à deficiência, algumas de âmbito internacional, da parte do Governo o que tivemos foi uma escandalosa ausência de iniciativas e sobretudo de medidas concretas, apesar de muitas promessas.

De facto a acção do Governo no Ano Europeu da Pessoa com Deficiência resumiu-se à inauguração de uma bomba de gasolina com condições de acessibilidade e ao lançamento de um selo comemorativo.

O Governo menospreza até, certamente ignorando a sua importância, o processo para a adopção pelas Nações Unidas de uma Convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência, de tal forma que resolveu não apoiar o importante seminário internacional organizado pela Associação Portuguesa de Deficientes sobre esta matéria.

É o desprezo completo e declarado por esta área.

E esta Assembleia da República está também em falta. Há longos meses que vários projectos de lei com vista à aprovação de uma lei contra a discriminação, estão bloqueados pela maioria parlamentar na especialidade, à espera de uma proposta do Governo que nunca vem. É inaceitável.

Pela nossa parte atribuímos a maior importância a este questão. Por isso realizámos no passado dia 30 uma audição parlamentar amplamente participada. Aí surgiram inúmeras queixas, denúncias, se apontaram grandes e pequenos problemas muitos dos quais há muitos anos por resolver. E se comprovou que junto do Governo não há espaço para esta participação.

Não deixaremos de integrar na nossa intervenção iniciativas que possam responder a alguns destes problemas, como aliás temos feito, seja em iniciativas como a de uma lei contra a discriminação, pela regulamentação da profissão de intérprete de língua gestual, ou em propostas orçamentais várias.

Porque o carácter de uma sociedade e a justiça que nela existe se avalia também pela forma como as pessoas com deficiência são tratadas. E pela garantia de condições para uma vida de qualidade para todos, da igualdade de oportunidades e de integração social.

Trata-se afinal de garantir o direito à dignidade.

 

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