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Foi lançado em Lisboa esta semana, com a presença do autor, o livro A Questão de Henri Alleg. Editado pela primeira vez em França em 1958, escrito no ano anterior nas prisões do exército francês em Argel, pura e austera descrição das sevícias a que fora submetido, transformou-se no que é o mais conhecido requisitório escrito contra a tortura. Infelizmente, a razão de ser das ondas de choque provocadas em França há quase meio século mantêm-se, como Abru Graib e Guantanamo monstra. A Questão mantém-se. Há contudo no escrito do militante comunista Henri Alleg uma outra dimensão para além do libelo e da denúncia. É talvez difícil hoje tentar explicar que, quando existem torcionários que torturam, o grande receio das suas vítimas vai muito além do medo da dor, do sofrimento, ou mesmo da morte: o militante, o revolucionário, mais do que a tortura, teme não lhe resistir. Viola o corpo, mas o objectivo é o espírito. O livro não é apenas a descrição da tortura: é também - e talvez sobretudo - a narrativa de quem resistiu. Não falou, não cedeu, não traiu. À semelhança de um grande texto de Álvaro Cunhal, Se fores preso, camarada, clássico incontornável da luta antifascista em Portugal, A Questão é um documento humano de denúncia e revolucionário, que diz que é possível resistir. E que essa resistência, mais do que pela resistência à dor ou ao sofrimento, passa essencialmente pela firmeza de convicções e pela confiança nos homens. É a grande derrota da tortura: torná-la uma infâmia inútil. |