Partido Comunista Português
Projecto de Lei nº377/VII-sobre Lei de Bases de Telecomunicações - Intervenção de Ruben de Carvalho
Projecto de Lei nº377/VII-sobre Lei de Bases de Telecomunicações - Intervenção de Ruben de Carvalho
Quinta, 05 Junho 1997

 Projecto de Lei nº 377/VII, do PCP, sobre a "Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infraestruturas e Serviços de Telecomunicações"
Intervenção de Ruben de Carvalho

 

Sr. Presidente Sras. e Srs. Deputados

O debate conjunto de que hoje nos ocupamos comporta desde logo alguns aspectos algo bizarros.
Teoricamente dever-se-á ao facto de se pretender conciliar legislação portuguesa com o quadro legal comunitário o reunir uma Lei de Bases de Telecomunicações com modificações completamente parcelares na legislação sobre televisão, mas desde logo, não parece que a decisão tenha sido sensata.
Se o membro do Governo encarregue da tutela da televisão declara na semana passada que entende ser indispensável a completa revisão do quadro legal do seu exercício e que o Governo se prepara para a fazer até ao final deste ano sujeitando ao Parlamento a necessária legislação, que dramática urgência motiva que se venha agora introduzir tão só algumas modificações no actual quadro?
Será que não haveria toda a vantagem em com paginar questões como a hoje proposta da abertura da faculdade de produção própria aos operadores da TV por cabo com a anunciada e necessária reconsideração de todo o sector?
E, no tocante às questões de titularidade de capital dos operadores televisivos por parte de cidadãos comunitários, não seria igualmente de aguardar a redefinição do quadro dos operadores nacionais para a encarar em todas as suas vertentes?
A nosso ver, nada na verdade justifica esta pressa e, ela é também responsável por insuficiências e aleijões de que enferma a proposta.
No tocante à Lei-quadro das telecomunicações, digamos benevolentemente que à mesma pressa se deverão igualmente insuficiências que, contudo, entendemos derivarem mais de incorrectas opções políticas. Mas, Sr. Presidente e Srs. deputados, para além das discordâncias de fundo que existam, pensamos que se concordará que só uma inexplicada e inexplicável pressa justifica que se intitule de Lei-quadro um diploma com insuficiências e imprecisões que nem sequer correspondem à qualificação técnica e profissional atingida no sector, antes revelando que, mais do que fazer uma lei-quadro de telecomunicações se pretende facilitar o quadro das privatizações!
E aqui chegamos ao verdadeiro vértice do que hoje aqui se encontra em debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os diplomas hoje em apreço, tratando embora de questões com determinante componente técnica, levantam problemas essencialmente políticos. Problemas políticos, aliás, de relevância nacional, problemas políticos que se situam nas sensíveis áreas da própria soberania e da definição do nosso futuro enquanto país.
Nos preâmbulos dos dois diplomas apresentados pelo Governo invocam-se como imposições para as medidas propostas duas condicionantes que fugiriam ao nosso controlo: por um lado, os imperativos comunitários, por outro os imperativos do progresso tecnológico.
Queremos desde já afirmar com toda a clareza que consideramos estas afirmações inteiramente falaciosas: a razão das medidas propostas reside tão só e exclusivamente em opções políticas do Governo, opções essas que não têm a inevitabilidade da ausência de alternativas, antes envolvem a responsabilidade de quem as toma – e ao que parece com alguma má consciência que leva a buscar justificações onde elas não existem.
Na verdade, afirma-se na introdução à Proposta de Lei nº 89/VII que o sistema regulador estabelecido pela lei nº 88/89 «se encontra hoje largamente ultrapassado pelas profundas transformações tecnológica se institucionais que vêm impulsionando o desenvolvimento global das telecomunicações» referindo-se de seguida as directrizes comunitárias no sentido da liberalização do mercado das telecomunicações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, entendamo-nos de uma vez por todas quanto a uma pura questão de língua pátria: liberalização de mercados não é sinónimo de privatizações de empresas públicas.
Mais: liberalização de mercados nem sequer é sinónimo de ausência, de impossibilidade de existência de empresas públicas, da presença do Estado nos sectores económicos em causa.
A questão de fundo que continua a colocar-se é a de saber se, independentemente das dinâmicas de desenvolvimento técnico que possa gerar, o puro funcionamento do mercado garante a salvaguarda de interesses nacionais, garante a defesa de estratégias de desenvolvimento que coloquem em primeiro lugar as necessidades de Portugal e dos portugueses.
Ora, pelo contrário e a nosso ver, o quadro legal que é proposto dará origem a:
- entrega do controlo do sistema português de telecomunicações ao capital privado; - total impossibilidade por parte de Portugal de impedir que a realidade mundial do mercado determine o controlo dos operadores de telecomunicações em Portugal por empresas e interesses transnacionais; - decorrente dependência das telecomunicações portuguesas (em termos de funcionamento, de desenvolvimento, de investigação, etc.) dos interesses transnacionais.
Mas há mais.
Como é óbvio, Portugal não se encontra no «grau zero» das telecomunicações. Não se trata de criar condições para mobilizar capitais estrangeiros que permitam a criação ou sequer o desenvolvimento de um sector economicamente importante: Portugal dispõe de um sector de telecomunicações dinâmico e, inclusivamente, objecto de vultosos investimentos realizados nos últimos anos com capitais, e sublinhe-se firmemente, obtidos através de recursos nacionais e das cobranças efectuadas junto dos clientes portugueses.
Ora, ao associar-se «privatização» e «liberalização», o que se prepara é não só a entrega ao capital privado e internacional de um sector estratégico da economia portuguesa mas também dos próprios bens materiais e humanos criados, gerados desenvolvidos pelo País.



Sr.Presidente, Srs. Deputados
O empenho do executivo do Partido Socialista com o capital privado ao qual pretende entregar as telecomunicações portuguesas em geral e os milhões da Portugal Telecom em particular é aliás verdadeiramente desvelado.
Numerosos aspectos da Proposta de Lei nº 89/VII mereceriam uma atenção para que o tempo escasseia, mas não queremos deixar de sublinhar dois.
Um primeiro aspecto, revela desde logo que a presente Lei de Bases se preocupou mais com a abertura ao capital privado do que na efectiva fixação de bases para o sector.
Não é aceitável na verdade remeter para legislação posterior uma questão tão sensível como a concessão da gestão, exploração e desenvolvimento do que o diploma chama as infra-estruturas da rede básica - e essencialmente a sua articulação com o serviço universal, deixando assim no campo da indefinição:
1º Se o assegurar do serviço universal é uma decorrência daquela concessão, indefinição que gera mesmos equívocos quanto à própria definição da rede básica.
2º Se o serviço universal inclui ou não transmissão de dados e como se enlaça este aspecto com as concessões.
A gestão da rede básica e respectivas infraestruturas é obviamente uma base da política de telecomunicações e não se compreende que não se clarifique desde logo a questão.
E ainda um revelador pormenor.
Prevê o Governo que a existência e funcionamento de um sistema universal e básico de telecomunicações (funcionando sobre as infraestruturas construídas e propriedade do Estado) possa ser atribuído por concessão a um operador privado. Àquele concessionário caberá a exploração dos lucrativos sectores das telecomunicações urbanas e de áreas desenvolvidas, bem como a obrigatoriedade de assegurar serviços básicos em zonas menos desenvolvida se interiores. Poderia pensar-se que, do ponto de vista do Estado, se tratava de uma defensável imposição de obrigar o capital privado que lucra com as redes rentáveis a encurtar um pouco os seus benefícios assegurando as comunicações socialmente indispensáveis, embora economicamente menos rentáveis. Mas não. A Proposta de Lei prevê desde já que esse operador possa ser «compensado» pelos serviços não lucrativos que preste, de forma a que todos nós lhe paguemos uns poucos prejuízos e os seus accionistas fiquem com os seus muitos lucros!


Sr. Presidente, Srs. Deputados
Invocar as directrizes comunitárias para todo este processo levanta, repetimos, várias questões dificilmente aceitáveis.
Em primeiro lugar, sabe o Governo e sabe este Parlamento, que uma directriz comunitária não é um diktat, que - como não pode deixar de ser - aos Estados membros da Comunidade cabe uma margem apreciáve de intervenção. A questão essencial põe-se na vontade política, na vontade de colocar antesos interesses portugueses vistos pela óptica do nosso povo, da nossa economia, da nossa realidade, ou pelo contrário, na opção pela subserviência cega a Maastricht,a cavalgada para a moeda única custe o que custar e doa a quem doer - sendo que dói sempre aos mesmos, aos que trabalham ou, pior, aos que nem trabalho têm.
Se olharmos a realidade da Europa hoje verificaremos, muito pelo contrário, que os povos se interrogam sobre soluções que, em nome dessa integração, lhes foram impostas e que, decorrido tempo, estão longe de serem portadoras das apregoadas benesses.
No campo concreto das telecomunicações, a opinião pública e todos os analistas económicos ingleses são hoje severamente críticos quanto à privatização da British Telecom e aos seus resultados de degradação de serviços (seguramente inevitável quando a frenética busca de lucro sacrificou ali mais de130 mil postos de trabalho, um terço dos efectivos) e agravamento das tarifas.
O executivo do Partido Socialista não ignorará certamente que no centro da recente campanha eleitoral em França esteve exactamente a questão das privatizações em geral e até, em particular, o do sector de telecomunicações e que as posições que levaram a esquerda à vitória taxativamente prevêem uma revisão do plano frenético de privatizações do anterior executivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados
Por tudo isto, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um Projecto de Lei de Bases das Telecomunicações alternativo ao do Governo.
Apreciaríamos se na sua consideração e debate fossem evitadas as cassetes acerca de «estatismos» e «hostilidades ao mercado» que o texto não autoriza. O diploma do PCP não ignora as realidades criadas pela expansão das telecomunicações, pelos progressos tecnológicos e pelas mutações por ele introduzidas: mas o que o projecto do PCP também não ignora é que existem responsabilidades colectivas, nacionais, nos sectores estratégicos da economia.
Continuamos firmemente convictos de que os cidadãos exigem mais do Estado e dos governantes que para ele elegem além da elaboração de regulamentos de concursos públicos para concessões ou da venda na Bolsa das acções das empresas públicas.
Disse.