Intervenção
de Jerónimo de Sousa, Candidato à Presidência da República |
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Enquanto cidadão e também na qualidade de candidato à Presidência da República, não posso deixar de manifestar as mais profundas preocupações face ao rumo que o sistema educativo está a tomar no nosso País. Estamos perante uma crise que é o resultado de uma prolongada ofensiva política de matriz neoliberal, sustentada numa grave limitação das funções sociais do Estado, restringindo severamente o seu papel como instrumento para a promoção da igualdade entre os portugueses. Ofensiva que é mais um ajuste de contas com as conquistas alcançadas com o 25 de Abril de 74. Estamos perante uma crise que é estrutural e não apenas conjuntural, que tem tido como principal consequência as mais elevadas taxas, no quadro da União Europeia, de insucesso escolar e abandono precoce. Os dados recentemente divulgados pela OCDE são inequívocos quanto às consequências dos nossos atrasos em matéria de educação e ensino. Portugal tem dos maiores índices de analfabetismo, das mais baixas qualificações académicas e profissionais, dos mais baixos níveis de literacia. Esta é uma realidade que tem uma grave expressão na falta de qualidade das aprendizagens realizadas, logo na falta de qualidade do sucesso obtido, com repercussões a curto e médio prazo nefastas para o desenvolvimento do nosso país. A Constituição da República, consagra o direito de todos à educação e à cultura e define como competência do Estado, «promover a democratização da educação garantindo a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades o acesso aos graus mais elevados de ensino, da investigação científica e da criação artística», num quadro em que se estabelece progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino. No entanto, fruto das políticas de direita que têm sido seguidas pelos sucessivos governos, com particulares responsabilidades do PSD que ocupou a pasta da educação durante mais de 20 anos, o caminho seguido tem sido o da crescente desresponsabilização do Estado. Ainda ontem ouvimos o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreiro, reconhecer, num debate na TSF sobre os manuais escolares, não estar a ser cumprida a Constituição da República no que se refere a esta matéria. Mas não só relativamente aos manuais escolares. Números divulgados pelo INE, confirmam que o peso com os gastos em educação nos orçamentos familiares têm vindo a crescer, colocando em causa outro direito constitucional dos cidadãos, que é a igualdade de acesso a todos os graus de ensino, independentemente das condições económicas e sociais de cada um. Só entre 2000 e 2004, neste sector, a variação do índice de preços ao consumidor foi de 28,5% e só no ano de 2004 essa variação foi de 10% para todos os graus de ensino, tendo o ensino superior atingido 16%. Creio que esta é uma matéria relativamente à qual seria interessante ouvir as opiniões dos vários candidatos. Seria interessante por exemplo, ouvir Cavaco Silva, que durante dez anos foi o principal responsável pela governação do país. Dez anos caracterizados por uma excessiva e sufocante governamentalização de todo o sistema educativo, com a invasão pelo poder político de áreas que deviam pertencer à jurisdição de outros poderes, pela burocratização das escolas e do sistema e pela descaracterização do conteúdo funcional da docência. Na altura, dizia Cavaco Silva que a educação era a prioridade das prioridades, mas nem com Roberto Carneiro, nem com os seu sucessores (Diamantino Durão, Couto dos Santos e Manuela Ferreira Leite) se percebeu o que tal propósito significaria – ou melhor percebeu-se que tal intenção nunca passou do discurso. Que o digam os estudantes do Ensino Superior que viram em pleno período cavaquista aprovada a Lei 20/92, que estabeleceu normas relativas ao sistema de propinas, valor das propinas que tem vindo a ser agravado pelos sucessivos governos como aconteceu em 2004 com uma subida de 11,5%. Dez anos que ficaram igualmente marcados pela poderosa luta estudantil contra a tristemente célebre PGA (prova geral de acesso), luta que fez recuar o governo apesar da manutenção de uma prova geral de acesso disfarçada. Nesta altura o índice de oferta de acesso ao ensino superior era apenas de cerca de 35%, enquanto nos países desenvolvidos da Europa esse índice era já nessa altura, cerca de 50%. Também por aqui se percebe porque Cavaco Silva não quer falar do passado. Mas também seria interessante ouvir o que têm a dizer sobre estas questões, os dois candidatos oriundos do Partido Socialista, Mário Soares e Manuel Alegre, sabendo-se que não são conhecidas posições públicas, de distanciamento ou crítica, face às medidas que foram sendo tomadas pelos sucessivos governos do seu partido, quer do engenheiro António Guterres, cuja “paixão pela educação” feneceu rapidamente, quer do actual Primeiro Ministro José Sócrates, cuja prioridade tem sido uma brutal ofensiva contra os direitos dos docentes, o autoritarismo e a prepotência da equipa ministerial, para além de um conjunto de medidas que têm vindo a ser tomadas sem que obedeçam a um projecto credível de resolução dos muitos e graves problemas de que padece o nosso sistema educativo. Aproveito para daqui saudar, por vosso intermédio, os professores na sua luta pela dignificação da sua profissão, no quadro de uma luta mais geral que têm vindo a travar na defesa dos seus direitos contratuais. Por mais que afirmem o contrário, as verdadeiras razões das opções que PSD, PS e CDS-PP têm tomado no governo, estão no objectivo de desvalorizar a escola pública com medidas que não contribuem para aumentar a qualidade das suas respostas e no ataque à gestão democrática, pondo em causa a autonomia das escolas. A ofensiva de direita nesta área pode caracterizar-se, no fundamental, pela não aplicação ou desrespeito de um conjunto significativo de postulados da Lei de Bases do Sistema Educativo. Por um lado afirma-se que o Estado não pode ser omnipresente, que não tem meios financeiros para resolver todos os problemas e depois impõe-se legislação e um conjunto de medidas avulsas, cuja matriz neoliberal não engana nos seus objectivos essenciais. Objectivos que visam financiar o ensino privado à custa dos dinheiros públicos e criar mão-de-obra barata, para desta forma ajudar a aumentar os lucros privados, não se inibindo de trocar a nossa soberania por compromissos internacionais, como está a acontecer ao nível do ensino superior, com a adesão ao chamado “Processo de Bolonha”. As dificuldades que estão a encontrar na sua aplicação, não são apenas de ordem técnica ou pedagógica, mas razões que se prendem com o facto de hoje estar mais claro que tínhamos razão, quando falava-mos na agenda escondida de “Bolonha”, cujos objectivos são profundamente contraditórios com as reformas necessárias de que o nosso ensino superior necessita. A tentativa de substituir o ensino público pelo ensino em escolas privadas, financiadas pelo Estado tem constituído a principal linha privatizadora da educação e não pode deixar de ser vivamente combatida. A iniciativa privada mantém o direito de se constituir como alternativa para os cidadãos que por ela de livre vontade queiram optar, não podendo no entanto, ser potenciada pelo constrangimento da rede pública. De acordo com a Constituição da República, compete ao Estado estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, assegurando deste modo o acesso do povo à cultura e ao conhecimento, condição fundamental para a existência de uma democracia consciente e consequente. Ao Presidente da República cabe a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir a Constituição, não podendo aceitar que as políticas de financiamento para a educação venham sistematicamente a afastar-se da garantia constitucional de um ensino tendencialmente gratuito, transferindo para os estudantes e suas famílias, parte significativa dos custos do funcionamento do sistema educativo. A lógica do utilizador-pagador, que ignora as profundas injustiças na distribuição da riqueza e no sistema fiscal vigente, agrava a elitização do ensino e compromete a recuperação de anos de atraso do nosso país na qualificação da sua população. A igualdade de oportunidades de acesso à educação, a igualdade de oportunidades de sucesso na educação e a participação no sistema, são três dimensões fundamentais, para que o processo de democratização da educação tenha êxito. Mas enquanto existirem nas escolas portuguesas crianças que não conseguem seguir atentamente as aulas porque estão com fome; Enquanto houver alunos que não têm acesso em simultâneo com outros aos manuais escolares porque os pais não os podem comprar todos de uma vez e ainda por cima levam falta de material; Enquanto aqui e acolá se procura dividir as crianças pelos níveis de capacidade, nomeadamente coincidente com o estatuto social dos pais, numa manifestação inequívoca de exclusão; Enquanto milhares de crianças e jovens portugueses têm de abandonar os estudos, porque as famílias não têm rendimento suficiente para os manterem a estudar; Enquanto assim for a Constituição da República não está a ser cumprida. Alguns dos candidatos que têm fortes responsabilidades na situação que está criada, mostram-se nesta campanha muito preocupados com os atrasos estruturais do país, nos baixos níveis de produtividade, na falta de competitividade da nossa economia, mas não dizem uma palavra sobre o facto de que é precisamente nas políticas educativas que têm sido seguidas pelas forças políticas que os apoiam, políticas que sempre tiveram o seu acordo, que se encontram algumas das principais causas dos atrasos que se verificam a este nível, na sociedade portuguesa. A educação faculta o acesso à cultura e à integração na actividade social produtiva. Neste segundo aspecto, a educação promove a produtividade do trabalho, pelo que a educação é uma prioridade do investimento público. No seminário “Ensino, Formação e Qualificação, organizado pela CGTP, o meu camarada Eugénio Rosa referiu que «o nível de escolaridade como de qualificação são factores fundamentais para uma utilização eficiente de meios de trabalho cada vez mais complexos e caros e, o volume de riqueza criada e também recebida por cada trabalhador depende também do seu nível de escolaridade e de qualificação». No entanto o quadro geral é o de permanente e generalizado estrangulamento financeiro. Por exemplo no primeiro mandato de Cavaco Silva, considerando as quatro maiores universidades (Porto, Coimbra, Lisboa e Técnica de Lisboa), houve um decréscimo em termos reais nas despesas de funcionamento, atingindo 422 contos por aluno em 1990. Nestas universidades, 87% das despesas de funcionamento estavam comprometidas com a remuneração do pessoal. Hoje passados 15 anos a situação não se alterou de forma significativa, pelo que ao contrário do que foi afirmado na altura, o dinheiro das propinas em grande medida serve para fazer face às despesas de funcionamento das universidades e politécnicos e não para melhorar o funcionamento das escolas do ensino superior. Portugal é claramente o País da EU, que menos investe no ensino superior, porque o Primeiro-ministro e o próprio Presidente da República, gostam muito de falar no exemplo finlandês em matéria de ensino, lembro aqui que o valor investido nas instituições por aluno nos dois países é de 6.673 Dólares, convertidos à unidade de compra, em Portugal, enquanto na Finlândia era de 10 257. Mas a diferença não está apenas na dimensão do investimento. Ela encontra-se sobretudo no facto de lá ser efectivamente um investimento no país, enquanto por cá os sucessivos governos falam em despesa com a educação. É certo que o Presidente da República não governa, mas também é certo que, tendo consciência embora de algumas limitações, pode condicionar políticas governamentais, se tiver vontade e coragem política para tal. Enquanto candidato à Presidência da República transporto comigo um projecto político, que considero também nesta matéria integrar-se na letra e no espírito da Constituição da República. Um projecto que defende o desenvolvimento de uma política educativa que assuma a Educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar e ao insucesso escolar e educativo e à exclusão social. Um projecto com uma nova política que não negligência, antes assume a promoção da educação, da ciência e da cultura, como condição para assegurar um mais elevado patamar de qualificação e formação dos portugueses e o aproveitamento pleno e dinâmico das suas potencialidades ao serviço de um projecto de desenvolvimento nacional. Uma política que assuma o investimento numa Escola Pública de Qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica. Defendo uma política que assume a valorização do corpo docente, das suas aptidões e competências, como um factor determinante para o progresso da educação. Defendo, luto e solidarizo-me pela reposição do direito à dignidade dos professores e de todo o corpo docente, que tão atacados e hostilizados têm sido,
Somos uma candidatura que afirma a necessidade de um novo rumo para o país e um projecto que queremos alicerçado nas mais profundas aspirações e legítimos interesses do nosso povo, respeitador de Abril e dos seus valores de democracia, desenvolvimento e justiça social. Somos uma candidatura que não desiste de Portugal e que com toda a determinação e confiança, quer ir em frente na construção de um país mais solidário, mais justo e mais fraterno. É minha firme convicção que esse outro Portugal é possível e que está nas nossas mãos alcançá-lo. Conto com todo o vosso apoio!
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