Intervenção de Jerónimo de Sousa, Candidato à Presidência da República
Na Iniciativa de apoio dos resistentes anti-fascistas
No Anfiteatro da Faculdade de Psicologia das Ciências da Educação
Lisboa
17 de Dezembro de 2005

 

 

Amigos e Camaradas:

Permitam-me que antes de tudo expresse a todos os Resistentes Anti-fascistas presentes a minha gratidão pelo vosso apoio à minha candidatura. Gratidão que se estende a todos os Resistentes que quiseram associar-se com a sua adesão ao manifesto de apoio por vós promovido.

É para mim pessoalmente uma honra poder contar com o vosso apoio e a vossa confiança, pelo que representam de generosidade, combatividade, dedicação desinteressada e de luta às causas do nosso povo, da liberdade e da democracia.

A todos as minhas mais cordiais e amigas saudações.

Honra também a minha candidatura a feliz coincidência de aqui hoje se ter apresentado o Programa do PCP de comemoração do centenário do nascimento do maestro Fernando Lopes-Graça, um dos maiores compositores da nossa história musical.

Ele também um Resistente Anti-fascista, um exemplo de coragem e de luta pela construção de sociedade nova e que melhor que ninguém foi capaz de transmitir na sua obra e particularmente nas suas canções “As Heróicas” a força das convicções dos homens e das mulheres que resistiam e lutavam contra a opressão e a determinação de um povo em luta pelo reconhecimento da sua dignidade, por uma pátria livre e por um mundo mais justo e mais fraterno.

No vosso manifesto de apoio afirmavam que as próximas eleições presidenciais assumem extraordinária importância para os destinos dos portugueses e próprio regime democrático.

Sem dúvida que assim é. Desde logo porque são reais os perigos da ofensiva que se vem processando contra aspectos essenciais do regime democrático, assumirem uma nova e mais grave dimensão se, porventura, o candidato apoiado pelos partidos da direita fosse o vencedor das próximas eleições.

São evidentes os sinais que nos chegam dos sectores que apoiam e suportam a candidatura da direita.

Seria um grave erro subestimá-los.

Não se trata apenas da clara aposta dos sectores mais influentes da candidatura de Cavaco Silva, na presidencialização do regime e de destruição dos actuais equilíbrios de poder constitucionalmente consagrados, mas de uma mais vasta operação que, aliás, não escondem, de responsabilização da Constituição de Abril, erigida em “força de bloqueio” ao desenvolvimento do país.

Uma candidatura que trás no bojo a perspectiva de um aprofundamento e acentuação da subordinação do poder político ao poder económico, o estreitamento dessa relação de subordinação do interesse geral aos interesses particulares com a crescente promiscuidade entre os interesses públicos e privados.

É indisfarçável hoje essa relação na sociedade portuguesa no rotativismo e permuta de cargos em círculo fechado entre as funções públicas ao nível da governação e as funções privadas ao serviço dos grandes interesses económicos e financeiros.

É visível na natureza das políticas de violento ataque aos direitos dos trabalhadores e às suas organizações.

É notório nas políticas de mercatilização das funções sociais do Estado e de privatização dos serviços públicos.

Tal como é muito evidente a estreita relação entre a candidatura da direita e os mais revanchistas e retrógrados sectores ligados a iniciativas que propõem e reivindicam soluções que promovem a subversão do regime democrático, o ataque às suas conquistas mais emblemáticas e aos direitos sociais do povo português.

Pode o candidato Cavaco Silva fazer solenes juras de obediência à Constituição da República que nada apaga os evidentes propósitos dos círculos mais influentes e determinantes da sua candidatura, nomeadamente os que estão ligados aos grandes grupos económicos e financeiros de romper com a concepção de democracia constitucionalmente consagrada e o seu regime de liberdades, direitos e garantias, particularmente no que se refere aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e aos direitos sociais.

O que têm como objectivo é o esvaziamento da democracia, das suas dimensões económica, social e cultural.

A direita e os sectores ligados aos grandes interesses económicos e financeiros sempre confinaram a democracia apenas à sua dimensão política e esta, a uma visão restritiva e empobrecida, destinada a garantir uma alternância no poder, sem que essa alternância signifique efectivamente uma alternativa política e políticas alternativas.

Foi esta a lógica que imperou nos trabalhos de desfigurando do regime democrático em sucessivas revisões constitucionais, nomeadamente com diminuição do número de deputados eleitos é esta lógica que persiste e que enformam as propostas de “reforma do sistema político”que têm sido concretizadas, mas também as que se perspectivam para o futuro com a iniciativa e conivência do PS.

Reformas como a da Lei dos Partidos e do Financiamento dos Partidos que põem em causa de forma inaceitável a liberdade de associação política, o direito dos cidadãos a associarem-se em partidos políticos e direito à sua soberana decisão de escolha das suas formas de organização e funcionamento.

Reformas previstas do sistema eleitoral que visam estreitar as opções de representação do eleitorado e a liberdade de escolha com soluções de engenharia eleitoral.

Reformas que se avançam e fundamentam numa pretensa crise de representação política e em nome do descrédito da política, mas que efectivamente visam consolidar e garantir a bipolarização política da sociedade portuguesa.

Não são os sistemas eleitorais que são incapazes de reflectir a autenticidade da representação política e que afasta os eleitos dos eleitores.

A causa da crise está nas orientações e natureza das políticas praticadas que contrariam os compromissos assumidos.

O descrédito da vida política resulta acima de tudo das práticas de certos políticos e de certos governantes que esquecem tudo o que prometeram antes de estarem no poder.

A crise e os graves problemas que o país enfrenta não são o resultado da inadequação da Constituição da República, nem do regime democrático, mas sim da política de direita que a ofensiva neoliberal ampliou, as injustiças e as desigualdades sociais que fragilizou a estrutura produtiva do país e aprofundou os crónicos défices estruturais que bloqueiam o desenvolvimento do país.

A degradação do regime democrático devido a opções e medidas concretas daqueles que hegemonizaram nestes últimos anos o poder têm atingido importantes sectores que fragilizaram a resposta do Estado Democrático de Abril aos anseios, necessidades e aspirações do povo português ao mesmo tempo que puseram em causa a qualidade da nossa democracia.

Foi assim com Democracia no plano social que hoje se exige fique à porta da empresa fazendo do exercício da liberdade sindical um direito mitigado.

Foi assim com o Código de Trabalho, com todas as suas implicações nos direitos dos trabalhadores: Insegurança no emprego, desregulação, desprotecção social, sabotagem da contratação colectiva.

Foi assim com as políticas de concentração dos meios de comunicação social no poder económico, limitando a liberdade de imprensa e os direitos dos jornalistas.

Foi assim com a partidarização do acesso aos cargos públicos.

Foi assim com as crescentes dificuldades no acesso ao direito, quer pela via da morosidade, quer pela via dos seus elevados custos.

Foi assim com a falta de acesso a cuidados de saúde e aumento das taxas moderadoras.

Foi assim em muitos outros domínios.

É por isso que nos apresentamos aos portugueses assumindo a imperiosa necessidade de uma ruptura democrática e de esquerda com as políticas que a direita que vêm sendo concretizadas por sucessivos governos e que têm conduzido o país ao atraso.

Uma candidatura que apenas tem um compromisso: com o povo e o único pacto que aceita e defende é o da Constituição da República e do caminho que ela preconiza – a construção em Portugal de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural.

Uma candidatura que assume o solene compromisso de defesa e aprofundamento do regime democrático.

No qual se inscreve a defesa e a luta pela concretização do objectivo constitucional de autonomização do poder político, com a afirmação do seu primado sobre o poder económico, questão central, para assegurar uma política de desenvolvimento ao serviço de todos os portugueses, garantir os seus direitos e a democratização da sociedade portuguesa.

Compromisso assente no rigoroso respeito da Constituição, combatendo desfiguramentos e deliberados empobrecimentos promovidos contra o pluralismo de expressão e organização política democráticas.

Fundado no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na autenticidade da representação, garantida na defesa de leis eleitorais que favoreçam e valorizem sempre a pluralidade das opções políticas existentes na sociedade portuguesa, com a manutenção do sentido e alcance do principio da representação proporcional.

Compromisso que impõe uma clara e firme demarcação das propostas de “reforma do sistema político” assentes em engenharias eleitorais e em restrições à liberdade de organização e de associação política e que visam perpetuar no poder as mesmas forças que nestes quase três décadas hegemonizam a representação política nos órgãos de poder.

Uma candidatura que se demarca de qualquer visão e prática governamentalizadora dos poderes e instituições da República, de exigência de uma efectiva separação e interdependência dos órgãos de soberania, no estrito respeito da Constituição.

Compromisso com o desenvolvimento das diversas dimensões da democracia, em particular da dimensão participativa em todos os planos da vida colectiva, numa clara e firme afirmação que não há espaço na intervenção política que sejam monopólio e privilégio de um grupo restrito.

Compromisso solenemente assumido na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.

Compromisso com a promoção dos seus direitos económicos, sociais e culturais e de ruptura com a acção governativa que à revelia da Constituição nega o direito ao trabalho e o trabalho com direitos e fomenta a crescente precarização do emprego e a desregulamentação das relações de trabalho e a restrição de direitos sindicais e laborais.

Compromisso com uma nova política que promova a valorização do trabalho nacional e os valores do direito ao trabalho como um eixo democrático essencial, e os direitos sociais como um suporte essencial de um Estado democrático que se reclama de moderno e avançado.

Uma candidatura que recusa um modelo de desenvolvimento na diminuição dos direitos e liberdades dos trabalhadores e numa crescente injustiça na repartição da riqueza criada.

Compromisso solenemente assumido pela defesa dos direitos sociais que a Constituição consagra para todos – à saúde e à protecção social, à educação e ao ensino.

Compromisso que rejeita o negocismo dos direitos sociais, um dos aspectos mais sombrios das políticas de privatização dos governos de todos estes anos inviabilizando a possibilidade da concretização de políticas baseadas no respeito da dignidade da pessoa humana.

Compromisso com uma política de efectivo acesso de todos os portugueses à fruição da cultura e de apoio à liberdade e criação cultural.

Somos uma candidatura que emana de uma força política que deu ao longo de 84 anos uma contribuição essencial e determinante para a derrota da ditadura e para a conquista da liberdade e uma força decisiva para a fundação e construção do regime democrático.

Uma força com história e de homens com história que são uma referência para a minha candidatura.

Uma candidatura que não desiste de Portugal e que afirma com determinação e confiança que a esperança é possível!

Camaradas e amigos!

Olhando para esta lista de mais de 1300 apoiantes resistentes antifascistas, olhar e ver que aí estão mais mil anos somados de prisão, tortura e perseguição de tantos que num tempo tendente à desistência mas que lutaram pela liberdade, pela democracia, pelos direitos dos trabalhadores, pelo fim da guerra e pela paz, não baixaram os braços, acreditaram até Abril vencer, só me anima e me dá confiança para levar por diante e até ao fim esta candidatura!

Conto convosco!