Audição sobre Ciência e Tecnologia
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Candidato à Presidencia da República
21 de Novembro de 2005, Lisboa, Hotel Zurique

 


Estimados convidados,
Senhores Jornalistas,

A Audição que aqui decorre sobre “ A contribuição da Ciência e da Tecnologia para o Desenvolvimento Económico e Social”, com a auscultação e os contributos de especialistas e personalidades com grande experiência e conhecimento nestas matérias, vem ao encontro de uma das preocupações primeiras da minha candidatura à Presidência da República.

As intervenções, que já tivemos oportunidade de escutar, avançam com caracterizações e propostas que são um importante contributo para responder às enormes carências que nestas áreas o país enfrenta.

Carências e dificuldades que são o resultado de uma política que deixou para trás o desenvolvimento cientifico e tecnológico e persistiu na valorização de um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e nas baixas qualificações, quando a produtividade do aparelho produtivo e a competitividade da economia portuguesa exigem precisamente o contrário.

Uma política que levou Portugal ao afastamento da média europeia no desenvolvimento e à degradação do nível e qualidade de vida de milhares e milhares de famílias.

O problema mais preocupante que Portugal enfrenta, não é o défice das contas públicas, mas a existência de uma economia cada vez mais subcontratada, dependente e apendicular.

Uma economia que vem alienando os seus principais centros de decisão e, crescentemente, a substituição da produção nacional pela estrangeira.

Este é que é o grande problema da nossa economia e que exige a concretização de uma política de educação, cultura e ciência como objectivos centrais da sociedade portuguesa.

A posse do conhecimento científico e a capacidade de o aplicar de acordo com as necessidades humanas devem ser justamente considerados como determinantes do progresso económico e social.

Quer no que toca directamente à criação de riqueza, na produção de bens materiais e culturais, ao tratamento da doença e à manutenção da saúde, à defesa do meio ambiente, à previsão ou prevenção de riscos e catástrofes, naturais ou devidas à acção do homem, ao combate e atenuação dos seus efeitos, e nos mais diversos campos.

Embora nem sempre se tenha disso plena consciência, o nosso dia-a-dia é condicionado de múltiplas formas pela evolução técnica: novos produtos, novos serviços, modificação de processos e de formas de organização do trabalho.

Os novos processos técnicos e a introdução de novas tecnologias não correspondem sempre nem necessariamente a um progresso social: a sua aplicação e as consequências que arrastam, tal como a própria orientação da actividade dos técnicos e dos cientistas, são determinadas em larga medida pelos interesses dominantes na sociedade.

São esses interesses, presentemente o poder económico, mediático e político do grande capital globalizado, que determinam a atribuição de enorme recursos humanos e materiais à indústria dos armamentos, até mesmo ao aperfeiçoamento de armas de destruição maciça para fins assumidamente ofensivos, enquanto se regateiam verbas para vencer a malária e outras doenças que afligem centenas de milhões de seres humanos.

São eles que fomentam o negócio do patenteamento de genes humanos ou o dos organismos geneticamente modificados, cuja introdução em países economicamente débeis leva milhares de camponeses à ruína, forçando-os ao abandono das suas explorações tradicionais para que, submetidos aos monopólios mundiais do agro-negócio, produzam monoculturas para o mercado global.

A C&T, deve antes ser vista como instrumento privilegiado, necessário mas de modo algum suficiente, do progresso económico e social, quando a sua utilidade é posta ao serviço dos trabalhadores e da soberania dos povos.

Dissemos há pouco e temo-lo dito noutros espaços que no presente e na perspectiva do progresso económico e social do País, a questão porventura mais preocupante é o importante défice que se verifica nas trocas de bens e serviços com o estrangeiro.

Esta situação decorre de politicas anti-nacionais que ao longo de mais de vinte anos levaram à alienação ou mesmo à destruição de importantes sectores produtivos do nosso país, agravando desmesuradamente a dependência externa em bens de primeira necessidade, e sem que novos e comparáveis sectores produtivos fossem implantados no seu lugar.

As mesmas políticas tiveram paralelo impacto negativo sobre a força de trabalho em termos de valorização, emprego e remuneração.

O défice comercial é de natureza estrutural e só poderá ser vencido com modificações estruturais, designadamente, das características da força de trabalho, através de um esforço consequente de qualificação e requalificação de trabalhadores, e da correspondente mobilização dos empresários, no investimento nas potencialidades e oportunidades produtivas do nosso país.

A outra modificação necessária diz respeito ao perfil de especialização produtiva do País, levando à modernização de métodos e equipamentos, em certos sectores, e ao desenvolvimento e mesmo implantação pioneira de novas empresas, visando produtos ou processos novos ou inovados, visando atingir mais altos valores acrescentados, mais criação de riqueza por trabalhador e o aumento do produto interno, quer dizer da riqueza criada no País.

Estes objectivos económicos não poderão ser alcançados sem um importante crescimento paralelo e convergente dos recursos humanos e materiais afectos às actividades de I&D e inovação tecnológica, incluindo a manutenção e também a criação de novos instituições especializadas.

Por outro lado, há todo um conjunto de outras actividades técnico-científicas, normalmente situadas no sector público, que são indispensáveis ao funcionamento da sociedade no seu conjunto, à satisfação de diferentes necessidades sociais, incluindo o funcionamento do sector produtivo e das empresas.

São exemplo, as actividades de normalização, controlo de qualidade, análises e ensaios de rotina, previsão meteorológica, levantamentos cartográficos, prospecção de recursos, serviços de patentes e licenças, monitorização e segurança ambiental, estudo e preservação de património documental, edificado e natural, e outros.

Em regra, nos países desenvolvidos, o investimento neste tipo de serviços e correspondentes infraestruturas de interesse público é várias vezes superior ao investimento nas actividades de I&D e inovação.

Em Portugal, não é assim, apesar de entre nós a despesa com I&D ser muito inferior à desses países.


Quer dizer que há um grande esforço de investimento a fazer no conjunto das actividades de investigação científica e desenvolvimento, mas também, e ainda maior, num vasto conjunto de actividades científicas e técnicas em que se apoia e com que o Estado garante a segurança e o bem-estar dos cidadãos.

A qualificação da força de trabalho, por sua vez, depende da criação de oportunidades de formação adequadas, o que implicará transformações importantes no sistema educativo e de formação profissional, que vêm sendo adiadas ou até contrariadas, desde logo ao nível das condições de trabalho dos professores e nos equipamentos escolares, mas também em termos de acessibilidade real dos nossos jovens e de outros trabalhadores semi-qualificados a níveis de qualificação mais pertinentes e elevados.

Ainda agora o OE para 2006 pretende reduzir drasticamente o investimento para a acção social escolar no ensino superior.

Quanto à Ciência e Tecnologia alterações significativas no seu financiamento não há. Como não há para a anunciada reforma dos laboratórios do Estado, nem para a resolução do problema dos bolseiros.

Mas a qualificação da força de trabalho exige também melhorias salariais significativas e o reconhecimento do direito ao trabalho e ao trabalho com direitos.


Porém, na prática, nomeadamente no que toca às actividades de ciência e tecnologia, assistimos, pelo contrário, ao levantamento sistemático de obstáculos ao recrutamento de investigadores e de técnicos especializados para a generalidade dos organismos técnicos do Estado, mantendo-se indefinidamente, em particular, as precárias condições de trabalho conducentes à fuga de jovens doutorados para o estrangeiro, por falta de emprego científico no País.

Aos “funcionários da acumulação do capital” que esgrimem o défice como arma de arremesso e invocam o pacto de estabilidade e crescimento, convém lembrar que o nosso Pais é hoje porventura na União Europeia aquele em que é mais baixa a percentagem do PIB que corresponde aos ordenados e salários: cerca de 40% contra 51% na média da União.

A diferença vai para o capital assimetria que tem vindo a agravar-se regularmente desde 1975, quando então coube aos trabalhadores 59% da riqueza produzida.

Nos últimos anos têm-se anunciado grandes planos e definidos grandes objectivos que depois se verifica serem apenas simples operações de marketing ditadas pelas necessidades do ciclo eleitoral.

O “choque tecnológico” que há cerca de nove meses aguarda a sua transformação em Plano esperemos não seja mais uma dessas grandes encenações a que temos assistido.

Planos que de tanta ambição serem portadores se esquecem de responder aos problemas mais prementes do desenvolvimento e à realidade do próprio país.

O seu sucessivo adiamento e a demissão do seu responsável do grupo coordenador a semana passado só revelam desorientação e porventura um grande irrealismo em relação aos objectivos e às metas anunciadas.

As contribuições aqui apresentadas mostram os principais constrangimentos e défices estruturais do sistema nacional de I&D, no momento presente.

São eles: o défice de recursos humanos, designadamente, no sector público, que é primeiramente um défice de pessoal técnico de investigação e, em segundo lugar, um défice de pessoal investigador.

Uma estimativa recente que compara a composição actual do sistema nacional de I&D com a composição do sistema que corresponderia à média da UE-25, tendo em conta a dimensão da população activa portuguesa, indica que, no conjunto do sistema nacional, faltariam cerca de 10.000 investigadores e 17.500 técnicos de investigação.

No que respeita aos recursos humanos da I&D, além da escassez já referida, importa sublinhar o facto de que parte importante dos activos são bolseiros de investigação, que desempenham também tarefas técnicas, e se encontram em situação de emprego precário por tempo indeterminado.

Em segundo lugar, o défice de financiamento adequado das unidades de investigação, o qual se torna evidente, nomeadamente, na razão entre a despesa total de I&D e o número de investigadores recenseados no sistema.

Com efeito, o valor médio da despesa com as actividades de I&D na Europa a 15 é três vezes superior ao mesmo valor no nosso País.

Finalmente, o défice da actividade de I&D empresarial, seguramente o mais importante e de mais difícil resolução: em Portugal apenas cerca de ¼ dos investigadores recenseados trabalhariam no conjunto do sector das empresas, públicas ou privadas, enquanto na média europeia essa fracção se aproxima de 50%.

É urgente que os empresários portugueses apliquem os seus capitais em investimentos produtivos no nosso país, e que esses investimentos compreendam inovação científica e técnica apoiada em conhecimentos e em recursos de trabalho mais qualificados e melhor remunerados.

A modificação desta situação está com certeza dependente de factores já atrás referidos, nomeadamente, uma mudança da especialização produtiva do tecido industrial português.

Mas poderá certamente ser catalisada por uma intervenção adequada do Estado assente em instrumentos, designadamente, financeiros, em especial, o co-financiamento de projectos com impacto sectorial, em sectores específicos.

Entretanto, a intervenção técnica do sector público no apoio a projectos de interesse empresarial, exigirá antes do mais um considerável reforço da organização e dos recursos afectos ao sector de I&D dependente do Estado, em primeiro lugar aos laboratórios do Estado, que se encontram em situação de tal modo precária que não lhes permite uma intervenção imediata e eficaz no apoio a necessidades do sector empresarial, como também põe em causa o cumprimento das suas missões de serviços de interesse público geral.

O desenvolvimento das actividades de C&T em Portugal, reconhecidamente indispensável para o fortalecimento da economia e das actividades sociais em geral, é também uma questão de soberania: Portugal, com a sua dimensão humana, as mulheres e homens do nosso Povo, têm capacidade e inteiro direito a participar no desenvolvimento geral da humanidade, a decidir livremente o seu próprio destino, numa base de igualdade de direitos e de convivência pacífica com todos os outros povos.

Não o conseguirão se, por falta de instrumentos adequados, não puderem ascender, nos planos da cultura, da ciência e da tecnologia aos níveis correspondentes à sua dimensão humana.

Como não é possível sustentar e realizar a mudança de transformação democrática da sociedade portuguesa e concretizar um projecto de desenvolvimento, sem o indispensável contributo da comunidade científica, sem a mobilização e contributo dos nossos investigadores, dos nossos cientistas, dos nossos intelectuais, cujo trabalho não pode continuar a ser subestimado seja na elaboração de propostas, seja na concretização de um projecto alternativo para o desenvolvimento do país.

Portugal não está condenado ao atraso.

Há soluções e propostas para uma outra política que cumpra a Constituição da República e o caminho que ela preconiza – a construção em Portugal de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural, capaz de assegurar o futuro do país e uma vida melhor para os portugueses.

Uma nova política que não negligência, antes assume a promoção da educação, da ciência e da cultura, como condição para assegurar um mais elevado patamar de qualificação e formação dos portugueses e o aproveitamento pleno e dinâmico das suas potencialidades ao serviço de um projecto de desenvolvimento nacional.
Esta é uma componente essencial de um grande projecto nacional e patriótico que inteiramente assumo.
Somos uma candidatura que não desiste de Portugal e que com toda a determinação e confiança quer ir em frente na construção de um País de Progresso e Desenvolvimento!