Compromisso com o Povo
por um Portugal com futuro


Jerónimo de Sousa candidato à Presidência da República
14 de Novembro de 2005

 


A candidatura às eleições presidenciais que assumo, a primeira a ser apresentada, com os princípios e orientações constantes na Declaração de Candidatura constituiu um factor decisivo para pôr fim à indefinição instalada em torno desta importante disputa eleitoral, indefinição que constituía um evidente trunfo para a candidatura da direita que ia fazendo tranquilamente o seu perigoso caminho.

O compromisso com o povo português que agora apresento é uma convicta reafirmação de princípios e objectivos. É um compromisso formulado na clara convicção de que tudo nesta luta está ainda em aberto, na confiança que tenho no valor de um projecto com fundas raízes nos legítimos e irrecusáveis interesses e aspirações dos trabalhadores e do povo, e no sonho e na luta de todos os que não se conformam nem desistem de um Portugal com futuro.

Há caminho e há saída para a actual situação do país: o caminho da necessária ruptura democrática e de esquerda com as políticas, gastas e desastrosas, que a direita e o PS há décadas vêm pondo em prática. É também para abrir espaço a um voto que tenha esse significado concreto que esta candidatura se apresenta.

Todas as candidaturas reconhecem a existência de uma crise (económica, social, política, ética). Várias propõem “contratos”, “consensos” ou “pactos” para a ultrapassar. Pelo meu lado quero aqui reafirmar que o pacto, o contrato, o compromisso que é essencial para a saída da crise se chama Constituição da República e o projecto que ela comporta. E que, se hoje a crise tem a profundidade e a gravidade que aparentemente todos reconhecem, isso resulta em grande parte de políticas e orientações que violaram gravemente preceitos e princípios constitucionais, sobretudo no que eles condensam e mantém do grande projecto libertador de Abril.

O Presidente da República Portuguesa, no momento da sua investidura, jura defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República.

Cabe ao povo português avaliar, face às candidaturas em presença para a eleição de 2006, e em particular face à candidatura apoiada pela direita, que candidatos dão garantia de corresponder a esse juramento solene. E convém que esse juízo seja formado não apenas sobre as palavras com que agora se apresentem, mas também sobre o seu percurso e passado políticos, sobre as políticas que empreenderam e apoiaram.

Pela minha parte essa garantia é inequívoca: a Constituição da República Portuguesa, apesar do empobrecimento introduzido por sucessivas revisões empreendidas pelo entendimento entre a direita e o PS, constitui ainda uma construção histórica do Portugal de Abril, e o seu respeito e cumprimento constituem, hoje e amanhã, a plataforma comum de todos os que desejem um Portugal de liberdade, de justiça social, de progresso e de desenvolvimento, no quadro de um regime de profundo potencial transformador e enraizamento democrático.

O Presidente da República não tem poderes executivos. Mas a sua posição no quadro do regime democrático constitucional, a responsabilidade acrescida que resulta da sua eleição directa apontam para um papel política e institucionalmente activo, naturalmente num plano diferente dos que são próprios dos outros órgãos de soberania, e nos termos do equilíbrio e interdependência de poderes que a Constituição define. O Presidente da República pode, e em minha opinião deve, ter um papel determinante na percepção pública de aspectos essenciais da evolução da situação nacional.

O “compromisso com o povo” que hoje apresento, no entendimento desse importante papel do Presidente da República, assenta em cinco ideias fundamentais.

Primeira: Defesa e aprofundamento do regime democrático

A República Portuguesa é definida no artº 2º da Constituição como “um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”. Seguramente que ninguém encontrará muitas semelhanças entre esta definição e o panorama actual da sociedade portuguesa.

Existem em muitos aspectos da realidade presente desfiguramentos e retrocessos, e uma clara degradação do regime e da ética democráticas a que é necessário dar resposta. Mas a resposta a dar não é certamente a que configuram as propostas de “reforma do sistema político” que partidos e personalidades -das que há três décadas hegemonizam a representação política e o espaço público - vêm apresentando. Porque os passos e medidas já avançados a pretexto dessa “reforma” são profundamente negativos, nomeadamente as inaceitáveis leis dos partidos e do financiamento dos partidos aprovadas pela direita e pelo PS, que constituem uma clara violação da liberdade de associação dos cidadãos em partidos políticos, e um contributo mais desses partidos para o espartilhamento, a desfiguração e a degradação do regime democrático.

A genuinidade da representação garante-se através da pluralidade das opções e não pela sua restrição, nomeadamente com a alteração das leis eleitorais, dos modelos de candidatura e dos métodos de conversão de votos em mandatos que agridem o princípio da proporcionalidade.

A acção política legitima-se na defesa dos interesses populares, dos trabalhadores e nacionais, não na defesa dos interesses e projectos de meia dúzia de detentores do poder económico.

A confiança nas instituições garante-se através do seu funcionamento plural, regular e legítimo, do respeito pelos compromissos assumidos, da fundamentação verdadeira das opções tomadas, não através da mentira, da corrupção e da demagogia.

A democracia defende-se, não com a governamentalização dos poderes e instituições da República, mas por uma efectiva separação e interdependência dos órgãos de soberania, no estrito respeito da Constituição, designadamente por via do exercício dos poderes fiscalizadores da Assembleia da República e do respeito pela independência do poder judicial.

A democracia defende-se através do reforço de todas as suas dimensões, e em particular da dimensão participativa, nos termos consagrados no capítulo II da Constituição da República. Quando alguns candidatos pretendem contrapor-se ao que chamam “políticos profissionais” ou contrapor os “cidadãos” a “os partidos” é preciso afirmar que nem os políticos, nem os partidos, nem as políticas são todas iguais.

A intervenção política não é nem pode ser, como alguns julgam e praticam, o direito e o privilégio de um grupo restrito. E quem defenda, como a minha candidatura defende, o aprofundamento da democracia como um factor imprescindível de desenvolvimento e transformação, vê na participação democrática dos cidadãos em todos os planos da vida colectiva, e na defesa dos direitos, liberdades e garantias de participação política constitucionalmente consagrados uma pedra angular do reforço, do enraizamento e do aprofundamento do regime democrático.

Segunda: Defesa dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores

A degradação do regime democrático é inseparável de uma intensa e prolongada ofensiva contra os direitos económicos, sociais e culturais dos trabalhadores, e de uma persistente desvalorização do trabalho.

Sucessivos governos, desde há vinte e nove anos, vêm fazendo aprovar legislação e adoptando políticas cujas linhas de orientação comuns, negando na prática o direito ao trabalho e o trabalho com direitos, têm sido a precarização do emprego e a desregulamentação das relações de trabalho, a restrição de direitos sindicais e laborais, a restrição da intervenção organizada dos trabalhadores nas empresas, a restrição do direito à greve. A democracia fica cada vez mais à porta da empresa. A liberdade sindical tem sido violada por múltiplos meios, e vêm-se generalizando processos de perseguição selectiva de membros de comissões de trabalhadores e de dirigentes e activistas sindicais. Prossegue, suportada numa intensa campanha ideológica, a ofensiva contra os trabalhadores da administração pública.

Esta realidade é profundamente contrária ao quadro constitucional. Se a Constituição da República reconhece um amplo leque de direitos, liberdades e garantias aos trabalhadores, no plano individual e no plano colectivo, fá-lo no quadro do reconhecimento de que esses direitos constituem não apenas um elemento estruturante do regime democrático, mas também que o seu exercício é parte integrante do seu desenvolvimento, e do desenvolvimento económico e social do país.

Para o grande patronato e as forças políticas ao seu serviço os direitos e liberdades dos trabalhadores constituem um obstáculo. Não um obstáculo ao desenvolvimento ou à competitividade, como dizem, mas um obstáculo à exploração, à crescente injustiça na repartição da riqueza, a um modelo de desenvolvimento periférico e dependente, assente no trabalho sem direitos. Modelo que o chamado Tratado de Constituição Europeia -cuja aprovação é defendida pela direita e pelo PS, e cuja lógica federalista o BE aplaude – degradaria ainda mais, fazendo sobrepor aos direitos constitucionais um conjunto de normas fortemente restritivas.

Três décadas de políticas de direita agravaram profundamente a correlação de forças entre o capital e o trabalho. Só os trabalhadores e o povo, com a sua intervenção e a sua luta, poderão inverter essa situação. Não é indiferente aos trabalhadores quem assuma a chefia do Estado. Essa profunda desigualdade é a expressão concreta de uma brutal desigualdade entre os indivíduos, a expressão concreta de um Portugal retrógrado e atrasado, contra o qual se levantou o país de Abril, cuja intrínseca e incumprida modernidade reclama o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, e o seu indispensável contributo para um projecto nacional de emancipação e progresso.

Terceira: Defesa dos direitos sociais

Um dos aspectos mais negros da política que sucessivos governos vêm seguindo diz respeito ao processo de privatização e de mercantilização de direitos sociais. Os direitos -que a Constituição consagra para todos – à saúde e à protecção social, à educação e ao ensino, o acesso ao direito e aos tribunais, nomeadamente, são crescentemente negados aos que mais necessitam por processos de privatização e de filtragem económica. O Estado tem hoje um papel muito limitado na promoção do acesso à habitação. A família, que a direita tanto utiliza como bandeira, é afectada por múltiplas formas, do desemprego e da precariedade à carência de apoios sociais, à altíssima taxa de dependência dos jovens e às dificuldades que defrontam para conseguir uma vida independente. Sobre as mulheres, as primeiras a ser atingidas pelos despedimentos, recaem as consequências da ausência de apoios, nomeadamente à maternidade e à primeira infância. Está ausente uma política de apoio aos cidadãos portadores de deficiência. Mantém-se por realizar uma política de integração social, económica e cultural dos imigrantes. A pretexto de que aquilo a que chama “o Estado Social” se encontra em crise, a política de direita entrega aos grandes grupos e interesses económicos, sob diversas formas, equipamentos de saúde, degrada a escola pública, descapitaliza a Segurança Social, altera de forma injusta e desumana a idade da reforma, penaliza ainda mais os desempregados e os jovens à procura de primeiro emprego, mantém em condições de pobreza extrema a grande massa dos reformados, pensionistas e idosos. Por outro lado, privilegia e favorece as seguradoras e os fundos de pensões privados, parte integrante, aliás, do brutal processo de financeirização e de empolamento do sector especulativo da economia. Os portugueses, mesmo os que não dominam a ciência da economia, não entendem nem aceitam que haja mais riqueza criada e a pobreza alastre insuportavelmente.

Estas políticas violam tão frontalmente direitos sociais elementares, atingem tão duramente uma tão grande massa de portugueses e portuguesas, entre os mais desprotegidos e pobres, constituem uma tão implacável violência social, que nenhum responsável político, e muito menos um Presidente da República, lhes poderá ser indiferente. São questões que implicam um complexo e articulado conjunto de medidas legislativas e executivas da competência do Governo e da Assembleia da República. Mas o que não poderá ser aceite é que se pretenda apresentar as políticas de direita como inevitáveis, porque não o são. Que a saúde deixe de ser um direito e passe a ser um chorudo negócio não é uma inevitabilidade, é uma inconstitucionalidade. Que o Governo procure prosseguir a política de alienação das funções sociais do Estado representa a inviabilização prática da República “baseada na dignidade da pessoa humana (…) e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, afirmada pela Constituição no seu artigo 1º.

Os trabalhadores e o povo português têm combatido estas políticas com coragem e tenacidade. Estas eleições não são separáveis dessa luta. Com o seu voto nestas eleições, o povo português pode, nesta matéria, fazer uma afirmação fundamental: a de que não cede, não troca, nem vende nenhum dos seus direitos sociais constitucionalmente consagrados.

Quarta: Crescimento económico e desenvolvimento sustentável

A eleição presidencial de 2006 realiza-se num quadro de crise económica que se aproxima da recessão. Não se trata de uma situação conjuntural, mas do resultado inevitável de décadas de política de recuperação capitalista, agravada com o acelerar de um processo de integração europeia em termos de crescente dependência, e com a radicalização da ofensiva neo-liberal.

Ao arrepio das incumbências constitucionais (nomeadamente as contidas nos artigos 80º e 81º), sucessivos governos promoveram um ruinoso processo de privatizações, subordinaram as suas políticas às estratégias e orientações do grande capital transnacional, desmantelaram grande parte da indústria, das pescas e da produção agro-alimentar, abdicaram da defesa dos sectores produtivos nacionais, incluindo aqueles em que Portugal dispunha de reais vantagens competitivas.

As privatizações e os compromissos assumidos no quadro da integração europeia retiraram ao Estado alavancas essenciais de intervenção e regulação, e de concretização de políticas capazes de promover um desenvolvimento equilibrado.

Às desigualdades sociais somaram-se profundas desigualdades regionais. Os portugueses já não são apenas cada vez mais desiguais face à sua origem social, são-no também face à sua origem regional.

Este não é o Portugal que a Constituição configura. Um outro Portugal é possível. Com uma economia que defenda os recursos e a produção nacional e o emprego, que desenvolva e modernize as capacidades produtivas nacionais. Com uma perspectiva de desenvolvimento que não abandone o interior, nem promova uma desequilibrada concentração de populações, equipamentos, actividades e serviços em áreas metropolitanas litorais desordenadas e entregues à especulação imobiliária. Com um modelo de desenvolvimento que não hipoteque nem degrade, nem mercantilize os valores ambientais e naturais (como o governo PS quer fazer com a própria água), mas os salvaguarde e garanta a sua sustentabilidade. Com uma política corajosa e responsável, que recuse o lugar subalterno a que a divisão internacional do trabalho no quadro da globalização capitalista quer amarrar o país.

O Presidente da República não pode deixar, no quadro das suas competências e responsabilidades próprias, de defender a mobilização dos trabalhadores e do povo na busca de um outro rumo de desenvolvimento. Não se trata, como por vezes tem sucedido, de apelos abstractos a uma participação “de todos”, ou à “auto-estima”. Nem os trabalhadores nem o povo podem ter estima por todos os que vêm conduzindo a economia e o país a um beco sem saída. Trata-se da mobilização concreta dos portugueses – trabalhadores em todos os sectores de actividade, intelectuais e quadros técnicos, micro, pequenos e médios empresários – no projecto nacional e patriótico que liberte Portugal do atraso e da dependência. Não é um compromisso de agora. É um compromisso que tem orientado toda a minha vida.

Quinta: Portugal soberano e aberto ao mundo

O Presidente da República tem particulares responsabilidades na representação exterior do Estado, e nas funções de soberania, designadamente na sua qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas.

Também nesse âmbito é necessária uma mudança de rumo. Em diversas áreas, as políticas conduzidas por sucessivos governos tiveram o significado concreto de abdicações de soberania (nomeadamente no processo de integração europeia), ou representaram violações da letra da Constituição (nomeadamente do seu art. 7º), como é o caso da participação das Forças Armadas e de Segurança em operações de agressão e ocupação ilegal de países soberanos e, em geral, em todo o novo conceito estratégico da NATO. O sistemático e servil alinhamento dos sucessivos governos com as políticas agressivas do imperialismo norte-americano e com o processo de militarização da União Europeia constitui um factor de desprestígio nacional e de subalternização no plano internacional.

Esta subalternização tem expressão nos planos económico, político, militar, diplomático e cultural. A política que é incapaz de defender os recursos e a produção nacionais, e afunila as relações económicas num espaço internacional cada vez mais estreito, é a mesma que é incapaz de defender uma posição que corresponda ao interesse nacional nos planos diplomático e militar, e a mesma política que desvaloriza e delapida a afirmação dos recursos intelectuais do país. Esta política bloqueia a investigação e a criação artística e científica, vem conduzindo à crescente emigração de quadros técnicos e científicos e de criadores artísticos, e asfixia a criação artística numa integração subalterna nos circuitos do mercado cultural hegemonizados pelos Estados Unidos da América.

Pela sua geografia Portugal é um país europeu, mas pelo melhor da sua história foi e é um país aberto a todo o mundo. Nenhum critério de integração no “espaço europeu” pode ser contraditório com esse facto. Um novo rumo para a União Europeia, que exige a ruptura com os actuais vectores do neoliberalismo, militarismo e federalismo, deve assumir plenamente o estatuto de igualdade de direitos e de soberania entre todos os Estados membros. As relações internacionais de Portugal não devem resultar da sua integração num bloco, mas de relações multilaterais entre estados soberanos e iguais em direitos de todos os continentes.

O que deve guiar as relações internacionais de Portugal é a procura de uma nova ordem mundial assente na paz, na cooperação, no progresso, na preservação do planeta em que vivemos, com a infinita riqueza e diversidade das suas faces natural e humana.

O compromisso que assumo é a expressão de um grande projecto nacional e patriótico.

A Constituição da República não é um documento neutro. Ela é ainda a expressão dos ideais e das necessidades concretas de transformação e progresso do nosso país que Abril tornou mais possíveis.

É minha firme convicção que esse outro Portugal não é apenas possível, mas que está nas nossas mãos alcançá-lo.

A Constituição precisa de ter na Presidência da República o que até hoje não tem tido – um Presidente que a cumpra e faça cumprir. É esse o compromisso que assumo cumprir.

Alguns dos que têm lutado pela transformação do mundo utilizam a palavra utopia. Literalmente, essa palavra significa algo que não tem lugar nem tempo. Não é essa a nossa concepção. Temos um lugar e um tempo. Somos profundamente deste país, e somos do planeta que partilhamos com toda a humanidade. Somos do tempo presente, e somos, com os homens, mulheres e jovens do povo a que pertencemos, parte integrante do futuro.

É em nome deste lugar e da esperança e da luta por esse futuro que fazemos o nosso caminho comum.

Conto muito convosco nesta batalha porque afinal também nela estamos a tratar do nosso devir colectivo!

Para que viva a democracia!

Para que viva Portugal!