Artigo de Ilda Figueiredo no «Semanário»

«A guerra dois anos depois»

Completaram-se dois anos da injusta e ilegal guerra contra o Iraque, à margem do direito internacional, com a invasão e ocupação pelas tropas americanas e britânicas, sob o pretexto mentiroso de luta contra armas de destruição massiva.

Hoje, é uma evidência que, afinal, não havia armas de destruição em massa no Iraque. A razão de todas as justificações para a guerra de saque do petróleo iraquiano não passava de uma mentira. Uma mentira milhares de vezes repetida, mas que, nem por isso, conseguiu tornar-se verdade.

Dois anos depois do início da invasão do país, realizou-se a sessão inaugural da Assembleia Nacional Iraquiana, após eleições, a 30 de Janeiro, em clima de guerra, com o Iraque ocupado, com a resistência a lutar contra os ocupantes. Quase dois meses depois das ditas eleições, o Iraque continua sem governo, o país está destruído, o petróleo continua caro, o terrorismo alastra, milhões de iraquianos vivem na miséria. Calcula-se que tenham morrido mais de 100 mil iraquianos, desde o início da guerra, directa ou indirectamente vítimas desta guerra e da ocupação do Iraque, e há dezenas de milhar de feridos.

Entretanto, em diversos países, as opiniões públicas continuam a pressionar os governos dos seus países para que as tropas saiam do Iraque, como aconteceu em Itália, após os disparos de soldados norte-americanos contra a jornalista liberta do rapto de que tinha sido vítima e o assassinato de Nicola, que a protegia no regresso, depois das negociações com os raptores. Mas Berlusconi recuou no anúncio da retirada das tropas italianas a partir de Setembro.

Recorde-se que foi a 20 de Março de 2003 que os EUA e os seus aliados britânicos iniciaram a invasão do Iraque. Mas, a partir do momento em que, no início dos anos noventa, a Administração norte-americana decidiu desfazer-se do seu antigo aliado, Saddam Hussein, o povo iraquiano, para além de ter de suportar uma ditadura sanguinária e as consequências da primeira Guerra do Golfo, foi submetido a sanções internacionais duríssimas, responsáveis pela morte de muitos milhares de iraquianos, reflectindo-se sobretudo nas crianças, como pude constatar quando visitámos o Iraque poucas semanas antes da guerra.

Quando o Presidente Bush decidiu a inevitabilidade da guerra, assistimos à maior operação de intoxicação política e mediática de que há memória, em torno das armas de destruição em massa e da ligação de Saddam à AL-Qaeda.

No entanto, a verdade é que, entre Dezembro de 2002 e Março de 2003, os inspectores da ONU realizaram mais de 900 acções inspectivas e visitaram mais de 500 locais sem nada encontrar, como também pudemos ouvir de Blix e de Koffi Annan na sede da ONU, em Nova York, poucos dias antes da guerra começar.

O que se passou em seguida é bem conhecido. Foi desencadeada a guerra, em violação do Direito Internacional e num total desrespeito para com as Nações Unidas. À devastação terrível da guerra seguiu-se o terror permanente, a instabilidade sem fim à vista, as mortes diárias de ambos os lados, o desespero dos iraquianos, a desorientação das tropas e autoridades ocupantes, as torturas, como na prisão de Abu Ghraib, os ataques aéreos a populações indefesas, como em Fahluja, a zonas residenciais, mercados e hospitais, até a jornalistas. Dois anos depois do início da guerra, continuamos a assistir à presença de mais de 173 mil militares estrangeiros no Iraque, dos quais cerca de 150 mil são norte-americanos, cada vez mais desmoralizados, com mais de 1500 mortos nas dezenas de ataques diários da resistência e milhares de deserções. Alguns aliados já saíram, outros anunciaram a data da retirada. Mas os ataques diários, às dezenas, continuam.

Apesar de Bush ter ganho as eleições, hoje o Iraque tornou-se um pesadelo, mesmo para os americanos que vêem ali morrer os seus filhos, sem fim à vista. E, tal como dissemos antes da guerra começar, nada se resolveu. O mundo está menos seguro. Há mais pobreza e fome. A guerra, essa, continua. Por isso, os povos lutam pela paz e indignam-se com a guerra. Mais uma vez o fizeram, neste segundo aniversário. A paz é o desejo dos povos. No Iraque, na Palestina, nos Balcãs, em todo o mundo. É preciso exigir que se respeite o direito à paz.

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