Projecto de lei n.º 145/X
Estabelece a garantia dos direitos dos utentes durante a realização de obras em auto-estradas
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Exposição de Motivos

 

A rede nacional de auto-estradas tem vindo a assumir cada vez mais uma importância estratégica para o nosso país, nos mais diversos domínios da actividade económica e da mobilidade dos cidadãos. A situação actual é, em larga medida, uma evidente consequência da política de transportes seguida por sucessivos governos, com uma maior utilização do transporte individual, para além da ausência de uma opção que promova, designadamente, o transporte ferroviário de passageiros e mercadorias.

Neste contexto de elevada dependência do sistema de transportes e acessibilidades face ao modo rodoviário e às auto-estradas, verifica-se o enorme impacto para os seus utentes que sempre resulta da execução de obras de manutenção e conservação ou do aumento do número de vias nessas infra-estruturas.

Particularmente em auto-estradas como a A1 (auto-estrada do Norte), a A5 (auto-estrada da Costa do Estoril) ou mais recentemente a A2 (auto-estrada do Sul), são visíveis as consequências para a circulação e para os utentes que decorrem dos trabalhos que aí têm vindo a ser efectuados, desde logo pela redução da velocidade máxima para níveis abaixo dos 80 km/h (pouco consentânea com os níveis de fluidez de tráfego exigíveis de uma auto-estrada), mas também ao nível da segurança rodoviária, em função das alterações às condições de circulação, com a redução de perfis transversais, desvios da faixa de rodagem, supressão de bermas, etc.

Face às consequências destas intervenções para a qualidade, segurança e conforto da circulação rodoviária, a primeira conclusão que se regista é a de que, nessas circunstâncias, o serviço prestado pela empresa concessionária da(s) auto-estrada(s) em causa não corresponde de facto ao que a legislação determina – e ao próprio pressuposto do pagamento da respectiva portagem.

Situações deste tipo são enquadradas e reguladas, no âmbito do regime de concessão de auto-estradas, não de uma forma geral e unívoca, mas sim em função de cada contrato de concessão e respectivo enquadramento jurídico. Assim, não existe uma efectiva uniformização de critérios e de orientações, inclusivamente ao nível de procedimentos técnicos em operações de conservação e manutenção, etc.

A necessidade de suprir tal lacuna em termos legislativos e regulamentares foi aliás sublinhada no Relatório aprovado pelo Tribunal de Contas a 10 de Abril de 2003, no âmbito da auditoria então realizada ao contrato de concessão da Brisa. Esse Relatório de auditoria assume nesta vertente uma indesmentível importância, na medida em que essa empresa é concessionária da maior parte da rede nacional de auto-estradas, sendo actualmente no âmbito deste contrato de concessão que se têm realizado as obras de aumento do número de vias com maior relevância e impacto – e, registe-se, com os maiores atrasos.

Refira-se, a título de exemplo, que a obra de alargamento da A1 entre os nós de Santa Maria da Feira e o IC 24, recentemente iniciada, estava programada para o segundo semestre de 1999. Por outro lado, a intervenção na A2, entre os nós de Coina e Fogueteiro, também iniciada recentemente, dependia apenas, nos termos do contrato de concessão, da conclusão da A12 (Setúbal/Montijo), cuja inauguração ocorreu… há sete anos.

Sobre esta matéria da execução de obras em auto-estradas, e das suas consequências para os utentes, já se pronunciou a Assembleia da República, em Resolução aprovada por unanimidade a 15 de Janeiro de 2004. Essa iniciativa (apresentada pelos Grupos Parlamentares que então apoiavam o Governo) constatando a situação que já então se fazia sentir de forma particularmente gravosa – nomeadamente na A1 – afirmava claramente na sua exposição de motivos que «nestas circunstâncias não é justo cobrar portagem. Em bom rigor, nestes casos a auto-estrada torna-se virtual, não uma verdadeira auto-estrada. O pagamento de portagens na auto-estrada só se compreende quando são oferecidas as condições de velocidade e de segurança inerentes à circulação rodoviária normal em auto-estrada ou, no limite, em condições muito aproximadas dessas. (…) A suspensão ou redução do valor de pagamento das portagens, nessas situações, representa mesmo uma atitude de boa fé e de respeito por parte do Estado em relação aos utentes da auto-estrada, por se terem alterado os pressupostos que justificam a cobrança de portagens.»

Nesse sentido, a Assembleia da República aprovou unanimemente a Resolução N.º 14/2004, no sentido de «recomendar ao Governo que promova junto das entidades concessionárias de auto-estradas a alteração das bases das respectivas concessões, tendo em vista prestar o melhor serviço aos utentes em caso de realização de obras ou trabalhos nessas vias de comunicação rodoviária».

Apesar de insuficiente na extensão das medidas recomendadas – tal como o PCP alertou no debate em Plenário do Projecto de Resolução – a verdade é que estas recomendações não surtiram efeito, nomeadamente na sua vertente mais importante: a da renegociação dos contratos de concessão, com vista à suspensão da cobrança de portagens.

Por outro lado, torna-se necessário garantir a existência de um ordenamento jurídico que determine normas comuns para a salvaguarda dos direitos dos utentes das auto-estradas e principais travessias rodoviárias face às situações em apreço. Direitos que incluem a questão da supressão de portagens nos sublanços em obra, mas que também dizem respeito a matérias como a informação e assistência ao utente, a monitorização e promoção da segurança rodoviária, a informação às autarquias ou a consagração de procedimentos técnicos e operacionais comuns, a seguir pelas concessionárias.

Com este Projecto de Lei, propomos designadamente as seguintes medidas:

- A isenção do pagamento de portagens durante a realização de obras nas auto-estradas e travessias rodoviárias, na extensão correspondente ao sublanço em obra;

- A publicitação obrigatória de informações relativas aos trabalhos em execução, incluindo as suas datas de início e conclusão, condicionantes e limitações e percursos alternativos;

- A monitorização e disponibilização regular e actualizada de elementos relativos à sinistralidade rodoviária registada nos troços em obra, com vista à adopção das necessárias medidas preventivas;

- A garantia de prestação, a título gratuito, da assistência e auxílio sanitário e mecânico aos utentes;

- A informação prévia às autarquias sobre as intervenções programadas, bem como a consideração dos pareceres por estas emitidos em sede de estudo prévio e respectivo estudo de impacto ambiental;

- A aprovação de um Regulamento Nacional de Procedimentos de Operação e Manutenção, estabelecendo critérios e padrões comuns, a observar em toda a rede nacional de auto-estradas.

Sendo certo que, nos casos em que as auto-estradas sejam geridas pelo Estado, sem que haja lugar a contrato de concessão (como é o caso da Via Longitudinal do Algarve), o Governo pode garantir a execução das medidas aqui propostas, não é menos verdade que a grande maioria da rede nacional de auto-estradas é actualmente explorada por empresas concessionárias – pelo que a renegociação dos respectivos contratos de concessão é condição necessária para a concretização destas normas.

No entanto, é necessário sublinhar que, mais do que necessária para os efeitos do disposto neste Projecto de Lei, a renegociação dos contratos de concessão (designadamente o estabelecido com a Brisa – Auto-estradas de Portugal, SA) é um imperativo de justiça e defesa do interesse do Estado. Tal se conclui aliás da leitura do Relatório de Auditoria acima referenciado, no qual o Tribunal de Contas apresentava como primeira e mais importante recomendação ao Estado Concedente que «em momento oportuno, seja desencadeado o processo de renegociação deste contrato de concessão», na sequência da constatação das circunstâncias claramente desfavoráveis para o Estado que resultam do contrato negociado com aquela empresa concessionária.

Nestes termos, e face ao exposto, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projecto de Lei:

 

Artigo 1.º

Objecto

A presente Lei estabelece as normas relativas aos direitos dos utentes durante a realização de obras em lanços e sublanços de auto-estradas e travessias rodoviárias, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer.

 

Artigo 2.º

Âmbito

1 – Para os efeitos da presente Lei, são considerados os trabalhos destinados ao aumento do número de vias e à manutenção e conservação das auto-estradas e travessias rodoviárias que integram o PRN 2000, sejam elas concessionadas ou geridas pelo Estado, que impliquem durante a sua realização uma das seguintes situações:

a) Redução do limite máximo de velocidade de circulação;

b) Redução do número de vias em serviço;

c) Desvios da faixa de rodagem;

d) Supressão de bermas.

2 – São excluídas do disposto no número anterior as intervenções pontuais e de emergência, bem como as que, não tendo sido previstas, se realizem por motivo de força maior, não podendo ainda assim, para esse efeito, ultrapassar um prazo de execução de 48 horas.

 

Artigo 3.º

Conceitos

No âmbito de aplicação da presente Lei são considerados os seguintes conceitos:

a) Auto-estradas – as auto-estradas e conjuntos viários a elas associados, incluindo obras de arte, praças de portagem e áreas de serviço nelas incorporadas, bem como os nós de ligação e troços das estradas que os completarem;

b) Travessias rodoviárias – as travessias que integram Itinerários Principais e Complementares do PRN 2000, com as respectivas pontes, viadutos e conjuntos viários a elas associados, incluindo praças de portagem e áreas de serviço nelas incorporadas, bem como os nós de ligação e troços das estradas que as completarem;

c) Concedente – o Estado Português, representado pelo Ministério das Finanças para os aspectos económicos e financeiros, e pelo Ministério com a tutela das obras públicas e do sector rodoviário para os demais;

d) Contrato de Concessão – o contrato, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros, referente à concepção, ao projecto, à construção, ao financiamento, à exploração e/ou à conservação de uma ou mais auto-estradas ou travessias rodoviárias em regime de concessão;

e) Lanços – as secções viárias em que se dividem as auto-estradas;

f) PRN 2000 – o Plano Rodoviário Nacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 182/2003, de 16 de Agosto.

g) Serviço nacional de informação rodoviária – o serviço nacional de recolha, prestação, tratamento e encaminhamento de informação pormenorizada e actualizada sobre as condições de circulação e segurança nas vias de circulação rodoviária, determinado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2005, de 24 de Maio.

h) Sublanço – troço viário de auto-estrada entre dois nós de ligação consecutivos;

 

Artigo 4.º

Isenção de portagem

Durante a realização dos trabalhos referidos no Artigo 2.º, as auto-estradas e travessias rodoviárias sujeitas a regime de portagem ficam isentas do seu pagamento, na extensão correspondente aos sublanços onde tenha lugar a execução da obra.

 

Artigo 5.º

Informação prévia aos utentes

1 – Os utentes têm o direito de ser informados previamente sobre a realização das obras referidas no Artigo 2.º, sendo obrigatoriamente incluídos nessa informação os seguintes elementos relativos aos trabalhos em execução:

a) A entidade responsável pela obra;

b) Os montantes globais de investimento e fontes de financiamento;

c) A data do início e da conclusão da obra;

d) As condicionantes e limitações decorrentes da sua realização;

e) Os percursos alternativos aos lanços ou sublanços da auto-estrada ou à travessia rodoviária onde decorra a intervenção.

2 – A informação a que se refere o número anterior é disponibilizada, trinta dias antes do início dos trabalhos e até à sua conclusão, através dos seguintes meios:

a) Afixação de painéis de sinalização nos acessos viários anteriores aos nós de ligação aos sublanços onde se realize a obra;

b) Disponibilização da informação no portal Internet e linha telefónica do serviço nacional de informação rodoviária;

3 – Sete dias antes do início dos trabalhos, a informação a que se refere o número 1 será objecto de anúncio, a publicar em dois jornais de circulação nacional e no serviço público de rádio e televisão.

4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, durante a realização dos trabalhos é também disponibilizada aos utentes informação sobre a obra em causa através de painéis electrónicos de sinalização, localizados nos lanços e sublanços contíguos ao troço onde decorra a intervenção.

 

Artigo 6.º

Informação sobre sinistralidade

Durante a realização das obras referidas no Artigo 2.º, a concessionária fornece semanalmente ao serviço nacional de informação rodoviária dados actualizados relativamente à sinistralidade registada nos troços em obra, com vista à identificação e publicitação dos locais de maior perigosidade e à adopção das medidas adequadas ao nível da prevenção e segurança rodoviária.

 

Artigo 7.º

Assistência aos utentes

A assistência aos utentes das auto-estradas, prevista nos termos dos contratos de concessão, é em qualquer caso assegurada pela concessionária a título gratuito, incluindo a prestação do serviço de assistência e auxílio sanitário e mecânico, nos troços em que se realizem as obras referidas no Artigo 2.º.

 

Artigo 8.º

Informação prévia às Autarquias

1 – Para a realização do estudo prévio e respectivo estudo de impacto ambiental referentes às intervenções previstas no Artigo 2.º, serão tidos em conta os pareceres emitidos pelas Câmaras Municipais dos concelhos envolvidos, bem como as respectivas Autarquias Metropolitanas e Autoridades Metropolitanas de Transportes, caso se encontrem em funções, incluindo no que se refere aos limites da área de intervenção, infra-estruturas e serviços afectados, alterações e condicionantes na rede viária e mobilidade.

2 – Imediatamente após a definição do programa de trabalhos e cronograma da execução da obra, o Ministério responsável pela tutela das obras públicas e do sector rodoviário deverá informar as entidades referidas no número anterior sobre a intervenção programada, com vista à boa colaboração na adopção das medidas adequadas ao ordenamento do tráfego na rede viária municipal e nos respectivos acessos à auto-estrada ou travessia rodoviária.

 

Artigo 9.º

Definição e avaliação de procedimentos

No prazo de noventa dias após a publicação da presente Lei, o Governo aprova o Regulamento Nacional de Procedimentos de Operação e Manutenção, estabelecendo critérios e padrões comuns, a observar em todas as auto-estradas do PRN 2000, para efeitos de cumprimento e avaliação qualitativa, incluindo os que se referem à execução dos trabalhos de manutenção, conservação e aumento do número de vias, bem como intervenções pontuais e/ou de emergência.

 

Artigo 10.º

Alteração das concessões

Em consequência do disposto nos artigos anteriores, o Governo adoptará, no prazo de trinta dias após a publicação da presente Lei, as medidas necessárias para a renegociação e alteração dos respectivos contratos de concessão e respectivas Bases actualmente em vigor e tomará as providências orçamentais necessárias à sua execução.

 

Artigo 11.º

Auto-estradas geridas pelo Estado

Nos casos em que a auto-estrada seja gerida pelo Estado, não sendo objecto de contrato de concessão, o Ministério responsável pela tutela das obras públicas e sector rodoviário garante a execução das medidas necessárias ao cumprimento do disposto na presente Lei.

 

Artigo 12.º

Entrada em vigor

1 – A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

2 – Constituem excepção ao número anterior as normas com incidência orçamental, as quais entram em vigor com a Lei do Orçamento do Estado seguinte à publicação da presente Lei.

 

Assembleia da República, em 25 de Julho de 2005.