Projecto de lei n.º 62/X
Classifica a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo
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1. Da criação da Reserva Ornitológica do Mindelo

A Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), situada no litoral sul de Vila do Conde, foi criada por portaria da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas publicada no Diário do Governo nº 204, II Série, de 2 de Setembro de 1957.

O “pai” da que foi a primeira reserva natural portuguesa, Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior, foi professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. A proposta para a criação da ROM foi apresentada pelo Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre, do qual Santos Júnior era director, tendo a reserva ficado funcionalmente “tutelada” por esse Instituto.

Inicialmente com uma área de 411 ha , a Reserva Ornitológica do Mindelo foi depois alargada com a inclusão de mais 183 ha , sendo delimitada “ao norte, pelo Rio Ave, ao sul, pela estrada que, desde Gafa, se dirige a Mindelo, a oeste, pelo limite do domínio público marítimo e secadouro público de sargaço de Gafa, e, finalmente, a leste, pela linha de caminho de ferro do Porto à Póvoa de Varzim e pela estrada que liga a povoação da Areia ao rio Ave”. Estes terrenos, diz ainda a portaria da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, publicada no Diário do Governo, II Série, nº 115, de 11 de Maio de 1959, passam a ter a superfície total de 594 ha , competindo aos proprietários determinadas obrigações, (como executar planos de arborização ou proceder à regeneração natural do arvoredo), enquanto o Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre ficava obrigado à colocação de delimitações de áreas e a assumir os encargos de fiscalização.

Não obstante ter sido criada no âmbito do regime florestal, a verdade é que a Reserva Ornitológica do Mindelo teve desde a sua génese um verdadeiro plano de gestão, designado “Plano de Arborização, Tratamento e Exploração da Reserva Ornitológica do Mindelo”.

O Prof. Santos Júnior imprimiu um carácter científico à gestão da ROM, tendo servido de base a numerosos estudos cuja importância ultrapassou fronteiras. Como pioneiro da anilhagem científica de aves em Portugal, o Prof. Santos Júnior soube, por exemplo, incorporar a participação activa dos “roleiros” de Mindelo, (praticantes da captura de rolas com artes tradicionais únicas), que contribuíram decisivamente para a anilhagem de dezenas de milhar de variadíssimas espécies de aves na Reserva Ornitológica do Mindelo.

A partir da década de setenta, e não obstante a criação de departamentos governamentais vocacionados para a conservação da natureza e para a criação de uma rede nacional de áreas protegidas, a Reserva Ornitológica do Mindelo começou, contraditoriamente, a ser esquecida, facto depois agravado pela morte do Prof. Santos Júnior, ocorrida em 1990.

O papel deste cientista, intimamente ligado à criação e desenvolvimento da Reserva Ornitológica do Mindelo, à sua preservação e sustentação, justificam, só por si, a adopção de medidas que constituam uma homenagem à sua memória. Por isso se advoga a criação de um espaço museológico sobre a ornitologia em Portugal, exactamente no interior da ROM, reunindo património documental sobre a evolução desta disciplina, incluindo os testemunhos da antiga técnica tradicional dos “roleiros” de Mindelo.

2. A degradação da Reserva

O desenvolvimento urbanístico de muitos dos terrenos onde a Reserva está instalada, a construção de novas acessibilidades, o abate ilegal de aves, a expansão de espécies arbóreas não autóctones, a deterioração da protecção dunar, (designadamente com a extracção ilegal de areias), a deposição de lixos e a criação de entulheiras, a poluição da ribeira de Silvares e da sua laguna terminal, constituíram factores para a crescente degradação da ROM. O alheamento das entidades e instituições com responsabilidades políticas e funcionais pela conservação da natureza contribuiu para o agravamento desta situação.

Aquilo que constituiu uma vasta zona onde conviviam a paisagem humanizada, áreas húmidas, matas, campos agrícolas, dunas, zonas florestais albergando mais de centena e meia de espécies de aves, cerca de dezena e meia de anfíbios e várias espécies de répteis, foi assim sofrendo um processo de degradação que é fundamental estancar e fazer reverter.

A indefinição e desadequação do seu estatuto e enquadramento legais têm potenciado este processo de degradação do qual nem sequer incêndios, de origem provavelmente criminosa, têm estado excluídos.

A pressão urbanística acentuou-se e foi já com grande dificuldade que nos anos oitenta se conseguiu estancar um grande projecto para a construção de 2000 habitações turísticas com campos de ténis, hotéis e um vasto complexo de piscinas, que ameaçou de morte a Reserva. Nessa altura, foi o congregar de opiniões suscitado pela discussão pública daquele mega operação urbanística que permitiu a instituições como a Quercus, o então Serviço Nacional de Parques, o Departamento de Zoologia da Universidade do Porto, e outros, reafirmarem a viabilidade da Reserva Ornitológica do Mindelo e contribuírem para a inviabilização dessa pretensão, decidida pela Secretaria de Estado do Ambiente.

Na sequência da rejeição desta pretensão urbanística chegou a ser preparada a criação de uma Área de Paisagem Protegida para o Mindelo, tendo o projecto para o respectivo Decreto-Lei chegado a estar pronto para aprovação em Conselho de Ministros (na sequência da elaboração da “Proposta de Plano Preliminar da Área de Paisagem Protegida do Mindelo – Vila do Conde”, concluído em 1987 no então Serviço Nacional de Parques).

A redefinição de um estatuto legal que clarifique a situação da área integrante da ROM e oriente o respectivo ordenamento e recuperação ficou mais uma vez adiada.

Apesar das portarias da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, de 1957 e 1959, se manterem em vigor, a verdade é que elas são “letra morta”, de pouco valendo também o facto da ROM estar classificada com Biótopo Corine (nº C11400138). Os condicionantes mais relevantes que enquadram a Reserva Ornitológica do Mindelo acabam por ser os que decorrem das suas áreas de Reserva Agrícola e de Reserva Ecológica inscritas no Plano Director Municipal de Vila do Conde actualmente em revisão.

3. A Reserva Ornitológica na actualidade

Não obstante a evolução negativa, a ROM continuou a “resistir” e mantém muitas das suas potencialidades naturais, conservando, segundo o próprio Plano de Ordenamento da Orla Costeira, área Caminha - Espinho, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, de 7 de Abril de 1999, uma “importância regional inegável”, “sendo uma das mais bem conservadas da área do plano, muito utilizada pelas aves migratórias, em especial passariformes”. Segundo o mesmo POOC, a ROM, sendo “quase a única área com importância de conservação regional entre o litoral de Esposende e a Barrinha de Esmoriz, faz desta pequena área um importante refúgio a conservar a todo o custo”.

A convergência de opiniões em torno da preservação da Reserva Ornitológica do Mindelo, envolvendo muitas organizações não governamentais na área do ambiente, de natureza local e nacional, as autarquias locais, quer ao nível de freguesias, quer ao nível da Câmara Municipal de Vila do Conde, e ainda de diversos departamentos do Ministério que tutela o sector do ambiente, justifica que se dêem passos concretos com vista a definir um estatuto legal e regulamentar bem claro para a Reserva Ornitológica do Mindelo.

4. As iniciativas para atribuir estatuto legal à ROM

Em Outubro de 2003 o Grupo Parlamentar do PCP fez agendar o seu Projecto de Lei nº 232/IX/1ª que visava conferir à Reserva Ornitológica do Mindelo o estatuto legal de área de paisagem protegida.

No debate então ocorrido a maioria rejeitou aquele projecto (e um outro agendado por “arrastamento” pelo Bloco de Esquerda), tendo optado pela aprovação de um projecto de resolução (nº183/IX), sobre o mesmo tema, onde se “recomendava ao Governo” que efectuasse estudos prévios, auscultasse diversas instituições e associações e, só depois, conferisse o estatuto de área protegida à ROM…

Foi entretanto entregue, na véspera do dia do debate do Projecto de Lei do PCP, uma petição assinada por cerca de 7.000 cidadãos reclamando da Assembleia da República a “recuperação e protecção urgente” da ROM, tendo como “objectivos a preservação do valor natural, paisagístico e cultural, o desenvolvimento rural e a prática de actividades científicas, educativas e recreativas”.

No fundo, os subscritores desta petição reclamavam um estatuto legal para preservar a ROM, permitir o seu ordenamento e aproveitar as suas potencialidades.

Uma leitura do relatório que foi elaborado na sequência desta petição permitiu constatar que:

A elaboração do relatório desta petição permitiu assim auscultar instituições e associações que emitiram pareceres (cujo conteúdo fundamental fica atrás reproduzido) e que justificaram, no final de Setembro de 2004, e na sequência do debate parlamentar desta petição e deste relatório, a insistência do PCP numa nova iniciativa legislativa, consubstanciada na apresentação de um novo Projecto de Lei, o nº495/IX/3ª, que não chegou a ser discutido face à interrupção da legislatura e à realização de eleições legislativas antecipadas.


5. A
urgência de uma decisão que preserve a Reserva Ornitológica do Mindelo

Passou entretanto mais de ano e meio sobre a data do debate parlamentar do Projecto de Lei nº 232/IX/1ª do PCP. O tempo decorrido mostra bem a ineficiência da via aprovada pela maioria parlamentar que então governava o País. Como o PCP então previu, e o debate já na altura indiciava, esta resolução serviu apenas para adiar decisões que, à medida que os anos passam, correm o risco de se tornarem inúteis.

Estão entretanto cumpridas todas as auscultações previstas na Resolução aprovada em Outubro de 2003. Outro tanto se poderá dizer quanto à elaboração de estudos, na medida em que eles existem, com suporte e credibilidade técnica, e há bastante tempo. A título meramente exemplificativo podem citar-se o estudo apresentado pela Associação Movimento ProMindelo, o estudo elaborado pela então Comissão Coordenadora da Região Norte, para não esquecer toda a reflexão que precedeu a “classificação” constante no Plano de Ordenamento da Orla Costeira entre Caminha e Espinho.

Recentemente foi apresentado na Conferência Internacional Litoral 2004 (um dos maiores eventos científicos a nível europeu sobre a temática da gestão sustentável das zonas costeiras), que se realizou na Escócia no último trimestre de 2004, um estudo sobre a Reserva Ornitológica do Mindelo, realizado por investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Há pois estudos oficiais e estudos promovidos por ONGs, perfeitamente concordantes, com plena actualidade e cuja credibilidade científica é absolutamente inquestionável.

Em Janeiro deste ano, foi entretanto criado um grupo de trabalho, coordenado pela Câmara Municipal de Vila do Conde e constituído por representantes da Comissão de Coordenação da Região Norte, do Instituto de Conservação da Natureza, das Juntas de Freguesia de Árvore e do Mindelo, do Movimento ProMindelo e da Universidade do Porto, cujos trabalhos se desenvolvem com o objectivo de elaborar um plano de ordenamento e de gestão da Reserva Ornitológica do Mindelo. Este grupo de trabalho reveste uma importância inquestionável na instrução do processo que pode permitir acelerar a classificação legal para a Reserva Ornitológica do Mindelo.

O tempo entretanto decorrido, (não só sobre a data da aprovação da Resolução nº183/IX como igualmente sobre as datas em que todos os pareceres citados foram emitidos), mostra à evidência que é preciso tomar uma nova iniciativa para clarificar a situação e concretizar do ponto de vista legislativo a ideia de conferir um estatuto legal que permita a defesa e recuperação da ROM e que enquadre o esforço que, nomeadamente o grupo de trabalho atrás referido, está e vai desenvolver.

Importa assim classificar a Área de Paisagem Protegida, conferir-lhe âmbito regional, (pois o interesse no âmbito da Área Metropolitana do Porto parece evidente), e aprovar em lei da Assembleia da República os preceitos gerais aos quais o Governo dará seguimento administrativo e regulamentar, nos termos do Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro.

Não partilhamos a tese da antiga maioria parlamentar, recorrentemente invocada no debate parlamentar do Projecto de Lei nº 232/IX/1ª do PCP, que visa impedir a Assembleia da República de classificar áreas de paisagem protegida, pretextando com formalismos legais, e até constitucionais, quanto à legitimidade de legislar sobre o assunto. Nunca esta tese foi demonstrada ou teve vencimento. Serviu apenas como argumentação formal (em boa medida pretexto) para justificar a rejeição dos projectos-lei que foram apresentados a debate. A verdade é que nem o Projecto-Lei do PCP, nem outros do mesmo tipo e com idênticos objectivos, foram alvo de qualquer processo de não admissão por ferirem o texto constitucional, nem tão pouco o respectivo conteúdo limitava ou condicionava os podres regulamentadores do Executivo. No entanto, e com o objectivo de impedir a repetição deste tipo de argumentos, o PCP decidiu tomar igualmente outras iniciativas legislativas, (visando alterar a Lei nº11/87, de 7 de Abril, Lei de Bases do Ambiente e o Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro, que estabelece normas relativas à Rede Nacional de Áreas Protegidas), de forma a clarificar a situação e tornar absolutamente inquestionável o que para nós nunca se deveria ter questionado: a legitimidade plena da Assembleia da República aprovar a classificação de áreas de paisagem protegida.

É precisamente este o objectivo deste Projecto de Lei do PCP: classificar como área de paisagem protegida a Reserva Ornitológica do Mindelo.

Com a sua classificação e posterior regulamentação será possível proceder ao ordenamento da ROM, (definindo áreas de reserva natural, áreas de agricultura e florestação, áreas de turismo, lazer e recreio, áreas afectas ao desenvolvimento urbano), num processo de delimitação onde participem as autarquias, as associações ambientalistas e as associações de proprietários.

Com a criação de uma área de paisagem protegida, abrir-se-á o caminho da recuperação da ROM e da conservação dos recursos naturais existentes e/ou recuperáveis, potenciando-se actividades produtivas compatíveis.

Para além da conservação da natureza e da prossecução de objectivos de educação ambiental, a criação da Área de Paisagem Protegida da ROM permitirá, entre outros objectivos, encetar de forma consistente acções de limpeza e de remoção de lixeiras e montureiras, acções de recuperação de dunas e da vegetação natural, acções de despoluição e de limpeza de ribeiras, lagunas e zonas húmidas do sapal da Azurara, a criação de centros de recuperação e tratamento de aves, a par da instalação de um núcleo museológico dedicado à ornitologia e à prática da arte dos “roleiros” de Mindelo.

 

Assim, no âmbito do disposto pela Lei de Bases do Ambiente e tendo em atenção o disposto no Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, abaixo assinados, apresentam o seguinte Projecto de Lei para a criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo.

 

Artigo 1º

Classificação

É classificada a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo, situada no Concelho de Vila do Conde, com os limites propostos no artigo 3º.

 

Artigo 2º

Âmbito

Sem prejuízo do disposto no artigo 27º do Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro, ouvidas as autarquias locais abrangidas e as associações de defesa do ambiente e conservação da natureza com actividade local, a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica do Mindelo será de âmbito regional  

 

Artigo 3º

Limites

1. Os limites da área de paisagem protegida correspondem aos definidos para a Reserva Ornitológica do Mindelo:

2. A determinação exacta dos limites é definitivamente fixada nos termos do artigo 27º do Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro.

  

Artigo 4º

Objectivos

Sem prejuízo do disposto no artigo 3º do Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro, constituem objectivos específicos da criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica do Mindelo:


Artigo 5º

Regulamentação

Cabe ao Governo, através do Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, proceder à regulamentação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27º do Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro.

 

Artigo 6º

Plano de Ordenamento

 

Artigo 7º

Avaliação de impacte ambiental

Artigo 8º

Museu

  1. A Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica do Mindelo será dotada de um espaço museológico destinado a preservar testemunhos ornitológicos, designadamente, as técnicas tradicionais locais.
  2. O núcleo museológico a criar será designado por Museu de Ornitologia Professor Santos Júnior, fundador da Reserva Ornitológica do Mindelo.

 

Artigo 9º

Actos e actividades condicionadas

Até à aprovação da regulamentação prevista no artigo 5º ficam interditas as seguintes acções:

 

 

Assembleia da República, em 9 de Maio 2005