Modelo económico e social europeu
Intervenção de Sérgio Ribeiro
4 de Maio de 2004
Estamos em tempo de testemunhos e de testamentos. Aproveitarei os três minutos da última intervenção neste mandato para, sobre este tema, tentar fazê-lo.
O tempo é escasso, mas o exercício vale a pena. Sobretudo, vale a pena impedir que o dito modelo económico e social europeu seja uma frase sem conteúdo, uma carapaça tornada demagogia, uma casca de que se foi retirando a matéria viva. Os princípios e valores são essa matéria viva e têm de ter tradução prática, são conquistas e não dádivas, são conquistas que se defendem e não dádivas que se agradecem e de que se pede prorrogação resistindo-se à sua destruição lenta e total.
E, para o exercício se conter no tempo, recorro a Portugal.
Durante décadas estivemos fora do quadro a que se chama modelo europeu. Há 30 anos, com o 25 de Abril, conquistámos segurança social – reformas, seguro de desemprego, salário mínimo –, ganhámos e constitucionalizou-se o direito à saúde e à educação, valorizou-se o trabalho na terra, nos mares, nas fábricas, no terciário, criaram-se serviços públicos, procurou-se a articulação de sectores – público, cooperativo, privado – com predomínio do interesse colectivo e a política – em democracia – a controlar a economia e não o inverso e, menos ainda, como até aí fora, a política, com protecções várias, a criar condições para se constituírem fortes grupos económicos privados.
Depois, sobretudo após 1986, privilegiou-se a convergência nominal, acompanhada por divergência e assimetrização real, nos planos social e regional. E isto porque o objectivo da coesão económica e social não foi o que terá de ser, sem critérios orçamentais estúpidos, sem contabilizações de sacrifícios de dadores e benefícios de auxiliados, mas em que se promova a cooperação, a transferência de meios no respeito mútuo e para benefício de todos.
Assinala-se o momento de um alargamento de profundo significado. Com que nos congratulamos enquanto aproximação de povos e culturas europeias.
Mas assim não será se se maltratar a influência das experiências vividas – com tudo o positivo e tudo o negativo – nos Estados agora membros para que os valores e princípios que configuram o dito modelo existam e persistam. Sim!, porque não foi apenas o plano Beveridge, foi também uma competição que levou à consagração de princípios e valores que humanizaram a utilização da força de trabalho. Não deixou, aliás, de ser significativa a referência ontem aqui feita a Reagan e a Tatcher, figuras emblemáticas de um neo-liberalismo sem regras a não ser as do mercado que tudo fazem para destruir esses princípios e valores.
Deste lado do hemiciclo, saúdo a Europa alargada e o conceito de vizinhança, em nome de um modelo europeu com vida e não figura de retórica decorativa, que será o caminho desde que potencie a riqueza de situações diversificadas institucionalmente, economicamente, socialmente, culturalmente, e não no espartilho ideológico de um paradigma único, de uma única constituição, neo-liberal, federal, militarizada a pretexto de um espectro de ameaças à segurança.
Termino como comecei, porque os três minutos se esgotam depressa: os princípios e os valores de um novo caminho são, a partir daqui, os da verdadeira solidariedade, da paz, do respeito mútuo, de uma democracia que não se atenha ao acto de votar mas que se complete na participação real dos cidadãos, dos trabalhadores, dos povos.