Intervenção da deputada
Ilda Figueiredo no PE
Relatório Figueiredo - programa comunitário de acção
de incentivo à cooperação
entre os Estados-Membros em matéria de luta contra a exclusão social
15 de Novembro de 2000
Como é conhecido, na última década agravaram-se as desigualdades
na União Europeia e o número de pessoas a viver com baixos rendimentos
é da ordem dos 65 milhões, ou seja, cerca de 18% da população,
o que se tornou um verdadeiro escândalo, sobretudo se tivermos em conta
as taxas de crescimento económico dos últimos anos. Trata-se
de um verdadeiro atentado aos direitos humanos fundamentais dado impedir que
milhões de pessoas tenham acesso aos direitos sociais básicos,
designadamente de alojamento, saúde, educação, formação
e cultura, emprego de qualidade e salários justos.
Embora existam grandes diferenças entre os diversos Estados-membros,
o certo é que a situação mais grave é a de Portugal
com cerca de 24% da população em situação de pobreza,
devido, sobretudo, aos baixos salários, ao emprego precário
e mal pago e a pensões e reformas de tal modo baixas que não
permitem um mínimo de vida digno nem a trabalhadores e suas famílias,
nem a pessoas de idade.
Esta situação inadmissível de pobreza e exclusão
social, que o Conselho Europeu de Lisboa, de 23 e 24 de Março, reconheceu
exigir medidas urgentes, implica que haja uma profunda alteração
das políticas macro-económicas a nível comunitário
e nacional pondo cobro ao primado das políticas monetaristas do Pacto
de Estabilidade, a fim de não apenas lutar contra a actual situação
de pobreza, mas também de prevenir novos agravamentos no futuro, incluindo
na área das novas tecnologias, com especial destaque para as mulheres,
as crianças e a juventude, garantindo a todas as pessoas o acesso a
níveis de rendimento e a condições dignas de vida e de
trabalho.
No entanto, apesar de todos os compromissos que o Conselho assumiu ainda recentemente
na Cimeira de Lisboa, do sublinhado que fez da correlação existente
entre progresso económico e progresso social, as propostas apresentadas
pouco mais são do que o salvar da face relativamente às inúmeras
promessas de lutar pela erradicação da pobreza.
De facto, a proposta de programa comunitário que a Comissão
apresentou para incentivar à cooperação entre os Estados-membros
em matéria de luta contra a exclusão social, pouco mais é
do que um programa de estudos.
Assim, é fundamental que se reforcem vários aspectos do programa,
designadamente quanto às inovações que se propõem
na aplicação do método aberto de coordenação,
seja a criação do Grupo de Reflexão a nível europeu,
constituído por parceiros comunitários, representantes das ONG
com experiência neste domínio, bem como representantes do Parlamento
Europeu, do Conselho e dos Comités Económico Social e das Regiões,
seja a colocação em rede dos diferentes observatórios
ou organismos similares reconhecidos existentes nos Estados-membros, seja
ainda uma especial atenção aos problemas da pobreza e exclusão
social a nível local, regional e nacional, com envolvimento no programa
dos grupos populacionais mais atingidos ou ameaçados de o poder vir
a estar.
Igualmente importantes são as propostas de aumento do financiamento
de 70 para 100 milhões de euros, as que insistem na necessidade da
Comissão assegurar a coerência das suas políticas, nomeadamente
nos domínios económico, monetário, fiscal, de concorrência,
de protecção dos consumidores, das pescas e agrícola,
com o objectivo de eliminação da pobreza e da exclusão
social que é concretizado a nível nacional, devendo, para tal,
proceder a uma avaliação das suas políticas quanto aos
seus possíveis efeitos na pobreza e exclusão social.
Espero, igualmente, que sejam aprovadas as propostas que visam reconhecer
que a qualificação e a integração na vida profissional
assumem uma relevância particular, pelo que importa ter em conta o fenómeno
cada vez mais importante dos "working poor", ou seja, da exclusão
social e da pobreza apesar do exercício de uma actividade profissional
remunerada. É fundamental garantir um emprego de qualidade, com direitos
e salários dignos e criar condições de acesso a serviços
públicos também de qualidade.
É essencial que o Conselho cumpra as promessas que fez, não
apenas relativamente ao programa, mas também quanto à fixação
de objectivos e de metas adequadas a acordar até ao final deste ano,
de forma a não defraudar as expectativas que criou com as conclusões
da Cimeira de Lisboa relativamente ao seu empenhamento no combate à
pobreza, ao desemprego e à exclusão social.
Por último, quero agradecer a excelente colaboração dos
colegas membros da Comissão do Emprego e Assuntos Sociais, dos Relatores
de outras Comissões, dos Comités Económico Social e das
Regiões, das ONG sociais e dos técnicos que a nível da
Comissão, da Presidência Francesa e do Parlamento trabalharam
comigo. Desse trabalho, e tendo em conta que estamos numa matéria de
co-decisão, foi possível estabelecer um consenso que visa simplificar
o relatório final e facilitar a sua aprovação rápida
pelo Conselho, pelo que as propostas que apresentamos para votação
amanhã são o resultado do consenso obtido no seio da Comissão,
incluindo as novas propostas de substituição e as de supressão
de várias emendas com algo de repetitivo.
Agradeço, pois, a vossa compreensão para este processo, de forma
a contribuirmos para que a União Europeia volte a ter um programa nesta
área, apesar das suas limitações e insuficiências.
Mas será mais um instrumento para nos mantermos mais alerta na defesa
de uma maior justiça social.