Intervenção do deputado
Joaquim Miranda no PE
Debate sobre a Coerência entre a Política
de
Desenvolvimento e as outras Políticas da União
16 de Fevereiro de 2000
Sr. Presidente,
Considero de particular oportunidade o presente debate, não só pela importância do tema do desenvolvimento, em geral, mas também pela sua actualidade, já que se realiza num momento em que o assunto está - e não pode deixar de estar - na ordem do dia, quer ao nível comunitário, quer ao nível internacional.
Seattle fracassou e as relações norte-sul estiveram aí
em plano de evidência, por más razões: a reunião
realizada naquela cidade norte-americana pôs em evidência que
a mundialização acarreta resultados profundamente desiguais
e desfavoráveis para os países mais pobres.
Neste exacto momento e sob influência evidente desse fracasso, decorre
ainda em Banguecoque a 10ª Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED).
Entretanto foram concluídas as negociações que definiram
o futuro da Convenção de Lomé.
Tanto basta para evidenciar a importância e a actualidade do assunto.
E poderemos ainda acrescentar a cimeira UE-OUA, finalmente acordada para o
próximo mês de Abril, no Cairo.
Mas acresce ainda que uma qualquer análise, ainda que ligeira, nos leva inevitavelmente à conclusão que algo - ou mesmo muito - vai mal no plano das relações norte-sul, incluindo entre a UE e os países de menor desenvolvimento.
Bastará atentar no facto de a categoria dos « países
menos avançados » ter passado, nos últimos trinta anos,
de 25 para 48 países, que representam já hoje 13 por cento da
humanidade, mas aos quais não corresponde mais que 0,4 por cento das
exportações e 0,6 por cento das importações mundiais
(em 1997).
Ou também na infeliz circunstância de a ajuda pública
ao desenvolvimento promovida pelos países ricos ter decrescido, desde
1990, em cerca de 23 por cento.
Aliás, os recentes cortes orçamentais comunitários efectuados
neste domínio, para o presente exercício, inserem-se nesta tendência,
para além de constituirem um mau e errado sinal político.
O insuspeito Sr. Michel Camdessus, ainda director do Fundo Monetário
Internacional, afirmou no discurso que proferiu no passado domingo no início
dos trabalhos da CNUCED, que « a comunidade internacional dá
com uma mão e tira com a outra » .
Referia-se, naturalmente aos apoios concedidos pelos países desenvolvidos
aos de menor desenvolvimento. Parece uma ironia, vindo uma tal afirmação
de quem vem ; mas a verdade é que a proferiu - eu próprio tive
oportunidade de a escutar - e não me parece nada desajustada da realidade
actual.
E leva-me a afirmar a indispensabilidade de repensar e relançar em
novos moldes as relações norte/sul. Nomeadamente a necessidade
de repensar o papel da UE nesse quadro. Sendo certo que a promoção
de uma nova ordem mundial, mais justa e equitativa, não pode ou não
deveria deixar de constituir um objectivo estratégico da União.
Sendo para tanto indispensável reflectir sobre a globalização
em marcha - tendo em conta as orientações essenciais e os interesses
dominantes que lhe estão subjacentes - e, neste contexto e em especial,
sobre os enormes efeitos perniciosos que dela decorrem para os países
de menor desenvolvimento.
É um facto que foi concluído um novo acordo de 20 anos com
os países ACP.
É, em si mesmo, um facto positivo, nomeadamente se tivermos em conta
as pressões que vêm no sentido de lhe pôr cobro e que foram
mesmo diversos os Estados-membros desfavoráveis à sua continuação.
Teremos oportunidade, em devido tempo, de analisar mais aprofundadamente os
exactos termos em que foi estabelecido esse acordo.
É seguro, no entanto, que os negociadores europeus foram mais tímidos
e ficaram aquém das propostas que oportunamente formulámos,
mesmo se o novo acordo contem elementos novos e inovadores, que registamos.
E para estes terão contribuído algumas características
de importância política do novo acordo de parceria.
Este foi sem dúvida o resultado de uma negociação complexa
em que ambas as partes fizeram concessões substanciais. O que é
verdade para a União Europeia nomeadamente em matéria de «
boa governação » e comércio. Mas foi sobretudo
o resultado dum reforço do grupo ACP, que manifestamente encontrou
uma nova alma na sequência de Seattle.
Mas, especialmente, quero sublinhar que uma nova forma de apreender estas questões parece em vias de surgir, nomeadamente em matéria de comércio; e bem necessária é uma nova abordagem neste domínio.
Pareceu-me, com efeito, poder depreender que mesmo no interior da Comissão surgem já pertinentes interrogações sobre a necessidade e a oportunidade de assinar acordos no domínio comercial com todos os países em desenvolvimento - e não já apenas com os países africanos - e numa perspectiva de alteração das regras incomportáveis que marcaram as décadas de 80 e 90. A confirmar-se uma tal visão, só nos poderíamos congratular com ela.
É necessário, ir mais longe nas políticas de apoio ao
desenvolvimento dos PVD: nos planos financeiro e orçamental, ao nível
da dívida, no apoio a domínios sensíveis como os da segurança
alimentar e humanitária ou da educação e da saúde;
e também nos campos do ambiente, do investimento ou do acesso à
informação e às novas tecnologias. Como também
no domínio comercial.
Assegurando, simultaneamente, uma cabal coerência entre as políticas
de desenvolvimento e as outras políticas comunitárias e também
entre umas e outras e as correspondentes que são desenvolvidas pelos
Estados-membros.
Não nos podemos contentar em dar continuidade, no essencial, a algo
que se mostrou insuficiente e errado no passado.
É certo que a reflexão sobre a política de desenvolvimento
não é de agora, mas todos sentimos que estamos num novo período
e que é chegado o momento de procurar novos caminhos. É necessário
ser mais coerente, de melhor pôr em concordância os objectivos
afirmados com as medidas adoptadas.
E isto vale pelas incoerências que verificamos ao nível da Comissão,
no que respeita às diferentes políticas sectoriais, comércio,
agricultura, pescas, saúde, etc., como também ao nível
dos próprios Estados-membros e destes com a União.
Incoerências que reflectem, geralmente, escolhas políticas contraditórias,
e que se traduzem em consequências negativas sensíveis para os
países de menor desenvolvimento.
Sr. Presidente,
Vai realizar-se, a cimeira UE-UEO. Tivémos a oportunidade de sublinhar, por ocasião da apresentação do respectivo programa, todo o nosso interesse na sua concretização ainda este semestre; pode e deve constituir um evento de importância indiscutível. Mas não basta realizá-la, nem basta levarmos para ela um acordo sobre o futuro de Lomé: é indispensável, acima de tudo, assegurar o seu êxito. E isso passa por levar até ela novas ideias e novas propostas com vista, como temos vindo a referir, a começar a alterar o panorama actual.