O Conselho Europeu de Estocolmo
Conferência de Imprensa do PCP
com Ilda Figueiredo
22 de Março de 2001
O Conselho Europeu de Estocolmo
Vai iniciar-se amanhã a Cimeira da Primavera, em Estocolmo, sob a presidência
sueca da União Europeia, onde irá ser feito o balanço da
chamada "estratégia de Lisboa", um ano após a Cimeira
aqui realizada durante a presidência portuguesa.
1. Ora, como é conhecido, na Cimeira
de Lisboa, além de ser definido o novo objectivo estratégico de
tornar a União Europeia "o espaço económico mais dinâmico
e competitivo do mundo", foram tomadas decisões em três áreas
essenciais:
2. É, pois, tendo por base aquelas conclusões
que a Comissão Europeia apresentou um documento que será analisado
em Estocolmo a partir de amanhã. Ora, as orientações constantes
do documento da Comissão, destinado a preparar o Conselho Europeu de
Estocolmo, insistem na prioridade à conclusão do mercado interno
através da aceleração do processo de liberalização,
ao reforço dos mercados financeiros mediante a instituição
dos fundos de pensões, ao aumento da competitividade das empresas assente
na redução dos custos salariais, na flexibilidade e na mobilidade
do trabalho. Eis os aspectos mais significativos de cada uma destas áreas:
Para a Comissão Europeia não basta que já tenham avançado
as liberalizações no comércio electrónico, que haja
uma concorrência acrescida nos serviços locais de telecomunicações,
se tenha concretizado a primeira etapa de liberalização dos caminhos
de ferro. Critica os avanços lentos na liberalização dos
serviços postais, dos sectores do gás e da electricidade, do transporte
de passageiros e do frete ferroviário interior e deseja que antes de
2004 haja a criação de um céu único europeu. De
facto, pretende que se transformem os chamados "monopólios estatais"
em monopólios privados.
Mas, entretanto, já estão no PE novas propostas de liberalização,
designadamente, dos transportes terrestres de passageiros e dos serviços
portuários de natureza comercial. Em todos os casos, estas propostas
são acompanhadas de maior precariedade no emprego, ataques aos direitos
dos trabalhadores, incluindo ao emprego, e, em geral, de serviços de
pior qualidade ou mais caros pondo em causa a satisfação das necessidades
básicas das categorias mais vulneráveis da população.
Esta pressão liberalizadora está presente noutros sectores públicos
essenciais como a água, o tratamento de resíduos e a saúde.
Simultaneamente, avança a pressão para a dinamização
dos fundos de pensões profissionais, a criação de um mercado
único para as reformas complementares e uma tentativa de alguma privatização
dos sistemas de pensões nacionais com o objectivo de criar novas formas
de financiamento dos mercados financeiros e da especulação bolsista,
enquanto se prepara a sua integração, através da fixação
de um calendário, de forma a garantir a execução do plano
de acção dos serviços financeiros até 2005.
. na área social não avançaram as principais iniciativas
legislativas previstas na Agenda Social, designadamente as que previam o reforço
dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e a melhoria das suas
condições de trabalho, como, aliás, referiu o próprio
presidente da comissão parlamentar do emprego e assuntos sociais e a
ministra francesa dos assuntos sociais. Por exemplo, enquanto avançaram
com o estatuto da sociedade europeia deixaram para trás a possibilidade
de intervenção dos conselhos de trabalhadores nessas sociedades,
separando assim a revisão da directiva de consulta dos trabalhadores
do processo de regulamentação do estatuto da empresa europeia.
Por outro lado, as políticas sociais e de emprego continuam estritamente subordinadas à observância do Pacto de Estabilidade, o que põe em causa os objectivos de emprego de qualidade e com direitos. Apesar da conjuntura económica favorável, a criação de emprego foi diminuta e, no fundamental, precária, subordinada a linhas directrizes cujos princípios orientadores são a empregabilidade e adaptabilidade das pessoas numa filosofia de responsabilização individual (e não social) pelos problemas do emprego e do desemprego.
E o apoio financeiro para a antiga " iniciativa para o emprego" foi
transformada em "programa plurianual para a empresa e o espírito
empresarial (2001-2005)".
Entretanto o desemprego de longa duração e a exclusão
social mantêm-se muito elevados, afectando em especial mulheres e jovens,
e a exclusão social atinge cerca de 65 milhões de pessoas, o que
resulta não só do atraso na implementação de medidas
de combate à exclusão social e pobreza e das políticas
dominadas pela ideologia neoliberal que consideram que o problema do desemprego
resulta da insuficiente flexibilização do mercado de trabalho
e dos custos do trabalho, insinuando que há custos excessivos com a protecção
social. Por exemplo, o programa de que sou relatora pelo PE ainda não
está aprovado porque o Conselho recusou propostas importantes do PE e
os objectivos já fixados para a luta contra a exclusão são
muito gerais, embora se deva dar toda a atenção à elaboração
e execução dos planos nacionais que cada país deve elaborar
até junho.
Está, pois, claro que a chamada "modernização do
modelo social europeu" nos documentos da Comissão Europeia visa,
por um lado, tentar privatizar partes rentáveis da segurança social
e, por outro lado, através do que chamam "equilíbrio entre
flexibilidade e segurança" prosseguir com a desregulamentação
laboral, flexibilização dos despedimentos, moderação
salarial e alterações no processo de formação dos
salários, o que só será travado com a luta dos trabalhadores
e seus aliados.
Como as recentes fusões e concentrações de empresas e grupos económicos internacionais nas áreas financeira, industrial e de serviços têm demonstrado, há cada vez maiores pressões sobre os trabalhadores, incentivando à saída precoce do mercado de trabalho, com novas ameaças de despedimentos e mais desemprego, mesmo que sob o pretexto da necessidade do aumento da produtividade e da competitividade, de que são exemplo as multinacionais J.C. Clark, Simens, ABB, as preocupações crescentes com a Auto-Europa e a Lear, os sucessivos despedimentos de empresas nacionais como a Lisnave, Setenave e Siderurgia, a liquidação da EPAC e da Silopor, e tantas outras tentativas, bem elucidativos da estratégia que o capitalismo está a seguir nos diversos países da União Europeia. Para obter cada vez maiores lucros, concentram-se, fundem-se, despedem trabalhadores, deslocalizam fábricas para países onde podem continuar a pagar salários mais baixos, exercem pressões e fogem ao cumprimento da legislação laboral.
Breves conclusões
. Afinal a fraseologia da "inovação, do conhecimento e do
pleno emprego" tão propagandeada pelo Governo do eng. Guterres,
não passou de uma cortina de fumo para escamotear as reais intenções
da Cimeira de Lisboa de há um ano: acelerar privatizações
de sectores e serviços básicos, insistir em novas tentativas de
redução da protecção social com o argumento de que
é necessário impedir aumentos de custos, enquanto surgem novas
benesses para o capital, sob o pretexto da necessidade do aumento da competitividade,
ou seja, acelerar o processo de integração económica capitalista
da União Europeia, favorecendo o dumping social, fiscal e ecológico,
enquanto os lucros não cessam de crescer.
Para conseguir avançar na coesão económica e social, com
o objectivo de fazer do progresso social e do emprego os motores de um novo
tipo de desenvolvimento no quadro de uma Europa social, solidária e democrática,
de responder às aspirações dos cidadãos e ter em
conta as reivindicações dos trabalhadores e das suas organizações
de classe, é fundamental que se adoptem novas políticas macro-económicas
de desenvolvimento económico sustentado que respeitem o ambiente e tenham
como objectivo atingir o pleno emprego nos próximos anos, criando empregos
de qualidade e com direitos, designadamente através da dinamização
da procura pelo reforço do poder de compra da população,
do aumento dos salários e das pensões e reformas, e do relançamento
de investimentos públicos e sociais na educação, saúde,
apoio à infância e pessoas dependentes, transportes, urbanismo
e habitação social, com serviços públicos dinâmicos,
fundamentos de uma sociedade fundada sobre o progresso social.
Mantêm-se, pois, actuais, no fundamental, as propostas contidas na Declaração do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda verde Nórdica divulgadas em Lisboa há uma ano.