Delegação do PCP entrega documento ao Conselho de Governadores do BCE
Documento da Comissão Política do PCP
2 de Outubro de 2003

 

Ex.mo Senhor Presidente do Banco Central Europeu
Ex.mos Senhores Governadores do Conselho Geral do Banco Central Europeu

Aproveitando a oportunidade que é a vossa reunião em Lisboa, e em que um dos objectivos com a sua realização nesta cidade terá sido uma “tentativa de aproximar a instituição dos cidadãos”, o Partido Comunista Português vem junto de V. Exas. apresentar o seu protesto pela política monetária e financeira prosseguida pela instituição que V. Exas. dirigem, tendo em conta as suas graves consequências para Portugal e certamente para as economias mais frágeis da zona euro. Uma política monetária rígida e cega tendo como único objectivo a estabilidade dos preços, centrada na moderação salarial e com reflexos negativos sobre o crescimento económico.

A procura fundamentalista e obsessiva do cumprimento do “Pacto de Estabilidade e Crescimento” que sempre esquece a vertente “Crescimento”, restando como exclusiva orientação da política económica a “Estabilidade”, a continuada insistência nas ditas “reformas estruturais” de teor neoliberal e, em particular, nas “reformas” do mercado de trabalho e da segurança social, como pretensa resposta aos défices excessivos, estão a conduzir o país para um desastre económico e social de grande dimensão, em particular no contexto da crise que atinge os maiores países capitalistas da Europa, da América e da Ásia.

Desastre que cai em primeiro lugar sobre trabalhadores e reformados de baixas e médias pensões, mas que atinge também camadas intermédias como os agricultores, pescadores, pequenos empresários da indústria, comércio e serviços. Estamos perante políticas económicas que socavam o próprio futuro do país com a travagem dos investimentos públicos que Portugal necessita para se desenvolver e aproximar-se dos Estados-membros mais avançados da União e assim procurar concretizar o celebrado princípio da “coesão económica e social”, consignado nos Tratados como um objectivo central da União Europeia.

Portugal – que se encontra numa inequívoca situação de recessão económica – não atingirá em 2003 o crescimento de 1,3% inicialmente previsto pelo Governo português e apresentará no triénio 2002-2004, segundo dados recentes do FMI, o pior desempenho das economias da União Europeia. A própria Comissão Europeia prevê para 2003 um crescimento do desemprego da ordem dos 27,5% (uma taxa de desemprego de 6,5% no final do ano) e o seu agravamento em 2004. Em Agosto Portugal terá sido o único Estado-membro, segundo o Eurostat, a ver crescer a sua taxa de desemprego. O maior índice de pobreza da UE, que se verifica em Portugal será agudizado por esse desemprego crescente, baixos salários, elevada precarização da mão de obra e atrasos no pagamento atempado de prestações sociais, resultados da brutal contracção da actividade económica. A somar a estas realidades, os prejuízos com os incêndios florestais verificados durante o Verão, e que devastaram entre 400 a 500.000 hectares, apesar das ajudas comunitárias, manifestamente insuficientes, constituirão mais um pesado fardo para o Orçamento de Estado nacional.

Com esta garantia de desastre recomenda-se com prioridade, para respeitar o estrito cumprimento do limite do défice orçamental, a redução das despesas em domínios como a educação, a saúde e a segurança social.

As consequências são já bem visíveis no nosso país, nas dificuldades dos hospitais públicos e outras unidades de saúde responder às suas despesas correntes afectando a qualidade do serviço prestado aos seus utentes, nos significativos atrasos com que são pagas as prestações sociais da Segurança Social e os compromissos financeiros para com terceiros da Administração Central e Local, inclusive com o pagamento das ajudas e incentivos respeitantes a fundos comunitários, nas dificuldades das Universidades e Institutos de Investigação, bem visível na tentativa de fazer suportar aos alunos e suas famílias essas dificuldades com uma brutal subida das propinas.

Cresce a opacidade e a falta de rigor dos Orçamentos de Estado, atravessados por engenharias financeiras e verdadeiras manipulações estatísticas para “encaixar à força” o défice nos limites do Pacto de Estabilidade.

Acelera-se a venda dos activos do património público com grandes prejuízos, dada a conjuntura recessiva e de redução da procura, para o interesse do Estado, a somar aos incontáveis prejuízos das privatizações em curso, em particular das indústrias em rede e serviços públicos essenciais, nos planos social, económico, ambiental e de ordenamento do território.

Consideramos ser necessário no imediato na União Europeia uma política monetária e financeira virada para o crescimento económico, uma política que responda à situação de anemia e recessiva da conjuntura. Consideramos necessário a suspensão imediata do Pacto de Estabilidade e Crescimento para promover uma revisão global dos seus objectivos e orientações económicos, susceptíveis de garantir o necessário estímulo do crescimento económico e emprego.

Para Portugal é essencial desde já e pelo menos que as despesas com o investimento público não sejam incluídas na contabilização do défice orçamental e em particular, as despesas e investimentos relacionados com as consequências dos incêndios deste Verão dada a sua natureza atípica de forte impacto orçamental.

Queremos ainda informar-vos da total oposição do PCP à alteração dos mecanismos de votação do Conselho do Banco pela modificação do Artº 10 dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, decidida pelo Conselho Europeu em 21 de Março passado e que se encontra pendente na Assembleia da República Portuguesa para ratificação. Alteração que, em nome de uma suposta eficácia dos processos de decisão do BCE, contraria o princípio um Estado membro um voto, instituído pelo Tratado de Maastricht, reduzindo drasticamente o direito de voto dos países mais pequenos com o consequente reforço do comando das orientações do BCE pelas grandes potências da UE. E tal assume particular gravidade, porque, como dizemos no Projecto de Resolução que apresentámos na Assembleia da República e que vos enviamos em anexo, sendo conhecido o défice de controlo político sobre o BCE, decorrente dos Estatutos dos Governadores dos Bancos Centrais, relativamente aos respectivos Governos e dos próprios órgãos do BCE face aos órgãos da União Europeia, a alteração consolidará ainda mais o afastamento de um significativo conjunto de Estados de qualquer intervenção ao nível de políticas económicas, em particular da monetária, da União Europeia.

Com nossos melhores cumprimentos

A Comissão Política do Comité Central do PCP

Agostinho Lopes
José Casanova


Em anexo: Projecto de Resolução nº147/IX “Defesa dos interesses nacionais no sistema de votação do BCE”, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP em 10 de Abril de 2003.