Propostas e preocupações com a integração europeia
Conferência de Imprensa do PCP com Ilda Figueiredo e Joaquim Miranda
17 de Janeiro de 2003

 

Estamos numa fase de significativas e profundas transformações políticas na integração europeia. Falamos do alargamento a mais dez países, da "Convenção" que antecede a Conferência Intergovernamental, da próxima "Cimeira da Primavera", das alterações em políticas comunitárias, como na Política Agrícola Comum, ou ainda da militarização da União Europeia - processos com importantes consequências para Portugal, que importa conhecer melhor.

Consideramos fundamental clarificar os perigos e as consequências de decisões já tomadas e debater de forma séria as propostas existentes, intervindo com firmeza para salvaguardar justos interesses económicos e sociais, exigir maior transparência e participação pública para garantir os aspectos essenciais da evolução do nosso futuro como Estado soberano e independente, de direito democrático, baseado na soberania popular e no aprofundamento da democracia participativa.


Chegou-se à encruzilhada em que estamos, numa fuga permanente para a frente na União Europeia, sem uma ponderação equilibrada sobre os problemas existentes e sem um estudo aprofundado das suas consequências, numa via que, embora com contradições, é cada vez mais centralizadora e federalista, menos democrática e participativa, a que se junta uma falta de sensibilidade social e um maior domínio dos interesses financeiros e das multinacionais e das grandes potências da União Europeia.


Daí a importância que damos a três próximos acontecimentos fulcrais para o futuro, pelas consequências que daí advirão para Portugal:


A Cimeira da Primavera, onde será analisada a chamada "Estratégia de Lisboa", três anos após a sua adopção durante a Presidência portuguesa. Sabe-se como, desde então, se aceleraram processos de liberalização e privatização em sectores fundamentais (de que são exemplo: correios, telecomunicações, energia, transportes, serviços financeiros), se caminhou para maiores desregulamentações, flexibilização laboral e moderação salarial, se colocaram em causa serviços públicos essenciais, se deram passos para a entrega a lógicas de rentabilização privada dos sistemas nacionais de pensões, se secundarizaram todas as promessas na área social, apesar de se ter lançado a "estratégia de luta contra a pobreza e exclusão social", de se falar de "pleno emprego", da "responsabilidade social das empresas" e de "desenvolvimento sustentável". Até o princípio fundamental, inscrito nos Tratados, da "coesão económica e social" é cada vez mais esquecido como é notório nas conclusões das recentes Cimeiras de Bruxelas e de Copenhaga.


Dada a importância e o impacto de tais orientações, aliás em perfeita sintonia com a política de direita do Governo PSD / CDS-PP, anunciamos desde já, a realização, na Primavera, de uma iniciativa pública, com a participação de deputados do nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, sobre a avaliação que fazemos de três anos após a Cimeira de Lisboa, incluindo o balanço das acções que desenvolvemos na luta pela suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade, questão essencial para conseguir maior coesão económica e social, assim como das acções contra as deslocalizações de multinacionais, que tão graves problemas estão a criar em Portugal.


A recomendação da Comissão, que carece ainda de aprovação pelo Conselho, para a abertura de um procedimento de défice excessivo à Alemanha - país que impôs a criação do Pacto de Estabilidade como condição para o Euro - demonstra como os grandes países com melhores condições económico-sociais não se preocupam com esses procedimentos, ao contrário de Portugal, onde são conhecidas as enormes carências e necessidades específicas de desenvolvimento e convergência real.


Não sendo a União Europeia um espaço económico homogéneo, as necessidades especificas de desenvolvimento e convergência real de um país como Portugal, serão sempre preteridas a favor das necessidades económicas de uma UE, ou seja, das grandes potências, pelo seu peso económico e populacional.


Quanto ao Alargamento, é de salientar que este se concretiza num quadro que coloca em causa a concretização do princípio da "coesão económica e social" inscrito nos Tratados, sendo Portugal apontado como o país que será mais prejudicado (e a Alemanha aquele que mais ganhará), num contexto em que serão acentuadas a concorrência, as deslocalizações de empresas, os perigos de perda de investimento e de parte dos fundos comunitários a partir de 2006.


Aliás, não se compreende como o Governo PSD / CDS-PP possa ter aceite o quadro financeiro definido na Cimeira de Copenhaga, com a referência à "disciplina orçamental" decidida na Cimeira de Berlim, em 1999, o que coloca, desde já, limitações quanto às negociações das perspectivas financeiras após 2006, e isto sem que tenha sido elaborado previamente qualquer estudo que aponte de uma forma global as consequências do alargamento para Portugal, sem que tenham sido previstos, por exemplo, programas que minimizem tais impactos.


Há, pois, uma necessidade acrescida de lutar pela revisão das perspectivas financeiras, por forma a assegurar a existência de um orçamento comunitário que não promova desigualdades, e a existência de uma política nacional de real desenvolvimento das capacidades produtivas do País, o que pressupõe o rompimento com as políticas neoliberais, e os seus instrumentos, como é o caso do Pacto de Estabilidade.


Relativamente à Convenção sobre o futuro da União Europeia, visando preparar a alteração dos Tratados e a Conferência Intergovernamental, provavelmente a realizar ainda no segundo semestre deste ano, importa desde já sublinhar que se prepara um significativo salto qualitativo na integração federalista, no caminho aberto em Maastricht, prosseguido no recente Tratado de Nice, sob o domínio das grandes potências, como ainda, e mais uma vez, ficou evidente, com a concertação entre a Alemanha e a França esta semana.


A recente proposta franco-alemã sobre a futura arquitectura institucional da União Europeia salienta, o que temos vindo a sublinhar, a procura da limitação do debate, por parte das grandes potências, dentro de um quadro que assegure os seus interesses e domínio, e com um conteúdo que é a todos os níveis inaceitável.


Os trabalhos até ao momento realizados pela "Convenção", dominada pelas forças políticas que até agora dirigiram a integração europeia - veja-se o exemplo da representação portuguesa, reduzida ao PSD e PS - e apesar das contradições existentes, apontam para a criação de uma "constituição" para a União Europeia, para uma maior transferência de competências dos estados membros para a União, para a ampliação da decisão por maioria qualificada e para o reforço das instituições supranacionais da UE, em detrimento da soberania dos Estados e das suas instituições democráticas.


Trata-se de processos preocupantes, que avançam no sentido da confirmação das principais linhas estruturantes da União Europeia: o neoliberalismo, o federalismo e o militarismo. Coloca-se, pois, a necessidade de defender firmemente maior transparência e democracia, a paz, o desenvolvimento e os interesses portugueses, incluindo a existência do direito de veto em questões fundamentais para o País, a manutenção do comissário, a manutenção da rotatividade das presidências do Conselho, a não perda de peso no processo de decisão, a manutenção do português como língua oficial e de trabalho, a não transferência de maiores competências para a União Europeia e o reforço do papel dos parlamentos nacionais no processo de decisão.


Pela nossa parte iremos continuar a desenvolver todos os esforços para defender estas posições, os interesses do país e o nosso Estado democrático constitucionalmente consagrado. Iremos igualmente continuar a promover iniciativas que permitam debater e aprofundar o conhecimento do que se prepara nas instituições europeias e propor alternativas que consideramos possíveis na defesa de outro rumo para a União Europeia.