Sobre o alargamento da União Europeia a dez novos países
Declaração de Agostinho Lopes, Comissão
Política do PCP
29 de Abril de 2004
Em vésperas do alargamento da União Europeia, no dia 1 de Maio, a dez novos países – Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia e República Checa – o PCP julga oportuno sublinhar o seguinte:
1. O alargamento da União Europeia, relativamente
ao qual o PCP sempre considerou, no respeito pela irrecusável soberania
e vontade de cada povo e país aderente, não ter objecções
de princípio, não podia nem devia ter sido considerado, sem uma
rigorosa avaliação dos impactos que dele decorrerão, seja
para esses países seja para os actuais Estados membros. E uma primeira
e decisiva questão a ser considerada era a avaliação dos
seus custos financeiros e das suas incidências económicas e sociais,
em termos globais e em cada país. Ora, nada disto foi feito.
2. «Ou aceitam, ou esperam!», a fórmula
de choque que o Comissário europeu responsável pelas negociações
do alargamento utilizou para responder a deputados de um país candidato,
considerados «demasiado exigentes» é, só por si, demonstrativa
da forma inaceitável e sobranceira como as instituições
da União Europeia encaram a adesão dos novos países. O
que não é de estranhar, num quadro de negociações
onde abundaram os sinais de intromissão e chantagem relativamente a poderes
soberanos desses povos, colocando de forma mais ou menos explícita a
fidelização ou filiação na NATO, até à
imposição, no plano económico, de autênticas políticas
de «ajustamento estrutural», à boa maneira do FMI, com graves
consequências económicas e sociais, ou ainda, e mais recentemente,
a inaceitável pressão sob o povo cipriota quanto a decisões
fundamentais sobre o seu futuro, que só a si compete decidir soberanamente.
Cada país foi empurrado para a criação de uma «economia
de mercado», com uma vaga de privatizações e planos de austeridade
orçamental e sem que, simultaneamente, lhes fossem dadas iguais condições
de tratamento – ajudas reduzidas à agricultura, desigualdade na
atribuição dos fundos estruturais, restrições à
circulação dos seus cidadãos – e estivessem garantidos
meios financeiros suficientes como compensações necessárias
para o seu desenvolvimento, tendo em conta a manutenção dos limites
do actual quadro financeiro a 15 numa União Europeia a 25.
Em caso algum deverão ser os países de menor desenvolvimento a pagar os custos do alargamento, que nunca será um processo de soma zero, para mais na certeza das vantagens económicas e políticas que outros – os mais poderosos – dele certamente retirarão, e que, aliás, estão no centro da dinamização e aceleração do processo de alargamento.
3. Tendo em conta que constitui um objectivo
prioritário da União Europeia, inscrito nos seus Tratados, a «coesão
económica e social» e a aproximação do nível
de vida dos seus povos, a Comunidade deveria dotar-se de meios suficientes para
que o alargamento fosse concretizado sem prejuízo da coesão nos
futuros e actuais Estados membros economicamente menos desenvolvidos, como Portugal.
A relativa proximidade dos níveis de desenvolvimento, das características
dos tecidos produtivos e da tipologia das produções da generalidade
dos países aderentes relativamente às portuguesas, mas também
as desigualdades significativas em termos de nível científico,
qualificação profissional da sua mão-de-obra, custos de
produção, em prejuízo de Portugal, entre outros aspectos,
deveriam ter sido levados em conta na avaliação dos impactos do
alargamento. O que nem sequer constituiria um precedente, já que foi
feito para a Grécia aquando da adesão de Portugal e Espanha, em
1986, à então CEE, não foi definido nenhum programa de
apoio para fazer face às consequências do actual alargamento para
países como Portugal. Não por acaso, todos os estudos conhecidos
(nenhum oficial) sobre a matéria, dão Portugal como o principal,
quando não o único, perdedor dos actuais Estados membros com o
processo de alargamento agora concretizado. Portugal torna-se muito mais periférico,
o que, só por si, tem custos acrescidos. É assim, também,
completamente inaceitável um alargamento sem uma avaliação
global de todas as consequências para Portugal, e sem que tenham sido
previstos programas que minimizassem os mais que certos impactos negativos,
como o PCP propôs.
4. Sublinhe-se que o Governo PSD/CDS-PP, bem na continuidade da intervenção e posição dos governos PS/António Guterres, tem abordado este importante dossier para a União Europeia, para os novos países e para Portugal, com uma inacreditável ligeireza e desvalorização e comprometedora negligência da necessária defesa dos interesses nacionais.
Não só não fizeram o indispensável esclarecimento dos portugueses como reduziram ao mínimo o envolvimento da Assembleia da República no tratamento do processo de Adesão – foi o Grupo Parlamentar do PCP que tomou a iniciativa de solicitar um Debate de Urgência sobre o problema, para lá da intervenção feita no Parlamento Europeu.
O PCP não pode deixar, desde já, de responsabilizar aqueles partidos face às suas posições à frente do Governo português e dos seus deputados no Parlamento Europeu, pelos problemas decorrentes para Portugal do alargamento, sem que se tivessem acautelado minimamente os interesses do País, o que não é contraditório nem conflituoso com os interesses e a vontade dos países que agora aderem à União Europeia.
O PCP continuará a lutar, em Portugal e na União Europeia, para que sejam ainda avaliados os impactos da adesão desses países e sejam tomadas medidas, financeiras e políticas, que possam colmatar as possíveis consequências negativas para Portugal e novos membros da União Europeia, designadamente através de uma redistribuição do orçamento comunitário significativamente reforçado.
Continuará igualmente a opor-se a que, na base da chegada desses 10 novos países e em nome da «boa governança» e «eficiência» do funcionamento dos órgãos da União Europeia, se procure pôr em causa a igualdade de direitos de todos os Estados membros, nas instituições, nas línguas de trabalho, na rotatividade das presidências, na composição da Comissão, nas regras de votação, reforçando-se o caminho do federalismo e de um directório de grandes potências.
O PCP quer, finalmente, sublinhar que está convicto que só outra Europa, que saiba dizer não ao neoliberalismo, ao federalismo e ao militarismo, será capaz de responder, em cooperação e solidariedade, aos desafios e legítimas ambições de todos os povos – os que já estão e os que agora chegam à União Europeia – ao desenvolvimento e à paz.