Debate sobre o Relatório de Participação
de Portugal no Processo de Construção Europeia — 17.º,
18.º 19.º anos
Intervenção de Honório Novo
20 de Janeiro de 2006
Sras e Srs. Deputados:
Registamos como positiva a anunciada disponibilidade do Governo para modificar as orientações do relatório anual que o Executivo apresenta a esta Assembleia relativamente à participação de Portugal na União Europeia. E também não esquecemos que durante este lapso de tempo houve alguns aspectos positivos, que não omitimos, como por exemplo a fixação da Agência Europeia da Segurança Marítima em Portugal e a mudança de estratégia relativamente ao acompanhamento da colocação dos funcionários portugueses nas instituições europeias. Mas a verdade é que estamos, neste momento, a abordar um relatório e um projecto de resolução que têm origem nesta Assembleia, portanto um relatório e um projecto de resolução parlamentares.
Fundamentalmente, atenho-me àquilo que diz respeito ao ano de 2004, se me permite, porque é o mais recente.
Creio que um relatório e um projecto de resolução sobre a participação de Portugal, designadamente no ano de 2004, não podiam nunca de deixar abordar em tom crítico alguns dos principais acontecimentos que surgiram durante esse ano. A verdade é que nem o relatório parlamentar nem o projecto de resolução, infe lizmente, o fazem.
Vou assinalar dois ou três elementos que me parece que deviam ter sido afrontados. O primeiro deles tem que ver com o facto de, em 2004, terem ocorrido, por exemplo, eleições europeias, mais uma vez rodeadas de um profundo e generalizado alheamento e de grandes níveis de abstenção eleitoral.
Não obstante os seus resultados concretos em Portugal tivessem sido positivos, porque permitiram, de facto, abrir o caminho eleitoral para a derrota do governo da maioria PSD/CDS-PP — não esquecemos esse facto —, a verdade é que, em termos globais e europeus, este escrutínio mostrou, mais uma vez, o profundo alheamento da generalidade dos povos relativamente a temas europeus. Digamos que, no fundo, mostrou o profundo divórcio existente entre as instituições europeias e os cidadãos. E este facto, Sr. Secretário de Estado, não sendo novo — é verdade que não é —, e colhendo invariavelmente a propósito frases de autocrítica cheias de boas intenções dos sectores mais diferenciados, a verdade é que se repete ciclicamente e se agrava, porque na realidade não há, e quanto a nós continua a não haver, vontade política para reflectir sobre as verdadeiras causas deste afastamento.
Estas causas, como temos insistentemente sublinhado e repetido, radicam menos em questões formais e institucionais, antes decorrendo, sobretudo, de políticas erradas e erráticas profundamente anti-sociais que o neoliberalismo vigente e prevalecente nas instituições e nas políticas europeias continuam a impor aos povos e países.
Um segundo aspecto é que, em 2004, foi também concluído o maior alargamento da União Europeia, que passou de 15 para 25 membros e se prepara para albergar mais dois países no início de 2007.
Foi neste contexto, de alargamento — sublinho e repito para que não seja esquecido — e, como é natural, de aprofundamento dos problemas de coesão interna, que necessariamente tinham de ocorrer, e de aumento de diferentes e mais diversificados níveis de desenvolvimento económico e humano, que se traçaram as orientações políticas para a fixação das perspectivas financeiras, isto é, para as bases do futuro orçamento comunitário, totalmente incapazes de fazer frente aos novos problemas. E isto nem o relatório nem o projecto de resolução assinalaram, mesmo que academicamente, mesmo que em tese, mesmo que independentemente dos resultados que acabaram por ser obtidos no final de 2005.
É que, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, não basta assinalar e registar em texto que se apostou na suficiência de meios ou que então a coesão e a solidariedade foram apostas prioritárias quando, avaliando os resultados finais, hoje até há um relativo consenso quanto à exiguidade dos meios financeiros disponíveis para fazer face aos novos desafios da União. E nada disto é sequer indiciado no relatório ou no projecto de resolução.
Permitam-me que sublinhe de forma especial um terceiro e último aspecto, do ponto de vista político mais substancial. Onde o relatório e o projecto de resolução atingem níveis do reino do quase virtual é na abordagem que fazem ao tratado assinado em Outubro de 2004 pelos governos dos 25 Estados-membros e que deu origem ao autodesignado tratado que estabelece uma constituição europeia.
O que mais espanta nem sequer é a insistência no destaque que o relatório continua a dar aos trabalhos da Convenção Sobre o Futuro da Europa, que esteve na base de proposta do tratado, esquecendo a forma discriminatória como decorreu e como afastou correntes de pensamento que não fossem as federalistas ou que não se inscrevessem no pensamento único da globalização neoliberal.
O que mais espanta não é esta insistência nem sequer o relatório das vitórias nacionais neste processo convencional intergovernamental que poderá remeter Portugal a uma completa subalternidade formal e substancial no contexto da União Europeia. O que mais espanta é que o relatório assinala que o tratado irá entrar em vigor em 1 de Novembro de 2006 — vejam lá! —, omitindo completamente, tal como também faz o projecto de resolução, a realidade a que esta proposta de tratado conduziu. E essa realidade é a rejeição do texto desse tratado por dois dos países fundadores; essa realidade é a de que esse texto está politicamente morto e terá, como é óbvio, de ser abandonado.
São estes factos politicamente incontornáveis que o relatório parlamentar e o projecto de resolução que estamos hoje a debater, relativos à participação, em 2004, de Portugal, omitem completamente.
Termino, Sr. Presidente, com um pedido de desculpa pela ultrapassagem do tempo.
Bastaria este simples facto para tirar qualquer relevância ou credibilidade políticas a tais documentos, que, naturalmente, vão contar com a oposição clara do PCP.