Intervenção do Deputado
Honório Novo

A Construção Europeia e Reforma dos Tratados

6 de Dezembro de 2000

Senhor Presidente
Senhores Deputados,

Reúne-se em Nice nos próximos dias o Conselho Europeu que encerra a Presidência Francesa da UE e pretende terminar a Conferência Intergovernamental (CIG) destinada a produzir importantes alterações no Tratado da União Europeia (TUE).

São alterações institucionais muito significativas e profundas aquelas que podem vir a ser assinadas pelo Governo Português em Nice.

São alterações que de uma forma mais ou menos acentuada afectarão negativamente a capacidade de intervenção de Portugal nos processos de decisão comunitária, limitarão ainda mais as possibilidades do País defender eficazmente interesses próprios e específicos.

São alterações que, pelo contrário, visam reforçar o poder e a influência política, económica e agora também militar, dos países mais poderosos da União Europeia.

São alterações que pelo significado e pela importância que revestem deveriam ser bem conhecidas e amplamente discutidas no País. Infelizmente, lamentavelmente, não o foram, continuam a não o ser.

A Conferência Intergovernamental (CIG) chega ao seu termo sem que, ao longo de meses e meses de negociação, a opinião pública tenha sido informada sobre o que se ia discutindo, sobre o seu significado e as suas implicações para Portugal.

À parte os protagonistas parlamentares, o país real foi mais uma vez arredado da discussão ocorrida ao longo desta CIG.

A esmagadora maioria dos portugueses não sabe o que está em jogo e o que se discutiu nesta CIG. A esmagadora maioria dos portugueses não vislumbra sequer as consequências que as decisões de Nice podem provocar para Portugal.

A discussão das questões comunitárias que revestem importância decisiva para Portugal continua a ser feita em circuito fechado. A promoção em larga escala da informação e da discussão sobre a CIG - que no essencial competia ao Governo - não ocorreu mais uma vez.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

Pela primeira vez na história da integração europeia o argumento do alargamento é utilizado para forçar alterações profundas na arquitectura institucional.

Até parece que os alargamentos não poderiam ser feitos sem essas alterações radicais. Até parece que não foi possível passar a actual composição de 6 países para 15 estados membros sem que idêntico argumento tivesse sido alguma vez utilizado.

Até parece que quase 80% das decisões comunitárias não são já hoje tomadas por maioria qualificada!

Até parece ser absolutamente impossível e inoperacional que a Comissão Europeia só possa ter 20 ou 22 comissários, quando é absolutamente certo e incontornável que os futuros Conselhos Europeus vão ter 25 ou mais representantes de Estados membros sem que alguém ouse - pelo menos por agora - dizer sequer que serão inoperacionais ou ineficazes.

O alargamento mais que uma razão - e sê-lo-á em certa medida - é antes do mais um pretexto que tem sido utilizado até à exaustão para justificar alterações profundas no Tratado.

O alargamento constitui um pretexto que tem servido para esconder as ambições inconfessáveis dos países mais poderosos e mais populosos para alterar em seu proveito o actual quadro institucional, fazendo com que a União se afaste cada vez mais do contexto intergovernamental e adquira contornos federais cada vez mais acentuados, aprofundando, neste contexto, o domínio dos países mais fortes sobre os destinos colectivos da União e sobre os interesses dos países mais pequenos e menos desenvolvidos.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Quais são, então, as profundas alterações institucionais que estão em discussão final em Nice e que o Governo português se prepara para - de forma mais ou menos entusiástica - assinar?

Em primeiro lugar pretende-se que as decisões sobre a quase totalidade das questões comunitárias passem a ser tomadas por maioria qualificada.

Como sempre acentuou, o PCP considera que não são apenas questões institucionais ou as relativas ao alargamento as que devem ser adoptadas por unanimidade. Deverá também manter-se a possibilidade de exercício do direito de veto sobre todas as questões consideradas estruturantes e fundamentais para os interesses do país.

São alienações de soberania nestas questões que fazem com que os Governos façam de conta que têm as mãos limpas quando afirmam ser Bruxelas que limita quotas de leite ou que impõe reduções da nossa capacidade produtiva. Não é Bruxelas que impõe nada. São os governos que aceitam que outros decidam por nós em matéria de interesse nacional.

Pretende-se, em segundo lugar, alterar a actual relação de votos no Conselho, concretizando uma reponderação que pode desvirtuar a natureza intergovernamental da UE, que pode acentuar a sua componente meramente demográfica e populacional, e que visa promover a recuperação de algum poder perdido por certos países.

O PCP considera não ser admissível que Portugal possa vir a perder, por esta via, capacidade de intervenção no processo decisório.

Pretende-se, em terceiro lugar, que todas as matérias legislativas decididas por maioria qualificada passem a ser objecto de codecisão parlamentar promovendo-se assim, não apenas uma reponderação acentuada de votos no Conselho como também uma dupla reponderação de votos através do Parlamento Europeu onde, para compor o ramalhete final, a representação parlamentar portuguesa poderia vir a ser significativamente diminuída (dos actuais 25 lugares num universo de 626 há quem advogue e aceite a passagem para 16 lugares num hemiciclo de 700 assentos, sendo certo que, neste contexto, a Alemanha poderia chegar aos 104...).

Em quarto lugar, deseja-se limitar o número de membros no Colégio de Comissários, de uma forma imediata ou a prazo, não assegurando o princípio fundamental da existência de um Comissário por cada Estado membro, podendo assim provocar que na única instituição comunitária dotada de iniciativa legislativa possam não estar representados todos os países, culturas e interesses nacionais que constituem a União Europeia.

Simplesmente inaceitável, seja qual for a camuflagem com que em Nice se esteja a pensar adoçar uma tal decisão.

Por último, pretende-se viabilizar a criação das chamadas cooperações reforçadas com a participação de apenas um número limitado dos membros da União Europeia.

As cooperações reforçadas visam a criação de uma Europa a várias velocidades, de onde ficará para sempre arredado o velho princípio fundacional do aprofundamento da integração através do estabelecimento de consensos.

As cooperações reforçadas poderão dar origem a grupos diversificados funcionando ao sabor e a reboque dos mais poderosos. Mas o seu objectivo imediato e substancial é, incontornavelmente, através do expediente das cooperação reforçadas, gerar as bases para permitir, torno das questões da defesa e da segurança, criar um corpo militar comum que se arrogue o direito de actuar e agir em nome de todos e da União Europeia.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Importaria que no quadro da CIG e do Conselho Europeu de Nice o Governo assumisse de forma clara a recusa das alterações institucionais que mais negativamente podem atingir Portugal.

Importaria que o País assegurasse sem quaisquer subterfúgios a garantia da presença de representantes de todos os Estados membros na Comissão Europeia; que, sem tibiezas, fosse garantida a manutenção do direito de veto em questões essenciais; que a capacidade de intervenção de Portugal no processo decisório não fosse alterada e que a possibilidade da introdução massiva de uma dupla reponderação de votos fosse liminarmente recusada.

Dentro de dias poderemos avaliar os resultados de Nice e confrontar o Governo com as consequências para Portugal do conteúdo concreto dos acordos que entender subscreve em nome do País.

Disse.