Intervenção do deputado
Honório Novo
Apresentação do Programa
da Presidência Portuguesa da União Europeia
5 de Janeiro de 2000
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
A apresentação do Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia limita-se a reproduzir objectivos e orientações já conhecidas, e a indiciar a disposição do Governo português para realizar uma mera gestão bem comportada dos dossiers que recebeu e que pretende entregar sem introdução, leve que seja, de uma marca própria que pudesse vir a reflectir uma forma autónoma e nacional de encarar e influenciar a integração europeia.
A Presidência da UE deveria constituir um momento privilegiado para Portugal influenciar o conteúdo e a marcha dos dossiers em agenda. Deveria ser o momento privilegiado para lançar iniciativas políticas próprias e inovadoras que, interessando a Portugal, pudessem igualmente aglutinar o consenso comunitário.
Nada disto se passa com o Programa da Presidência Portuguesa.
O Governo Português tinha em tempos enunciado como objectivo da sua Presidência a realização de uma Cimeira entre a União Europeia e África.
Infelizmente, tal Cimeira parece estar comprometida e nem sequer consta do Programa Oficial da Presidência Portuguesa.
Pela nossa parte, consideramos desejável que se desenvolvam todos os esforços para que ela se possa ainda concretizar, respeitando regras estabelecidas e impedindo exclusões ou marginalizações de qualquer tipo.
Não é aceitável que o Governo Português pareça desistir da sua concretização, entregue de bandeja a realização da Cimeira entre a UE e África à Presidência francesa e perca assim uma oportunidade privilegiada para reforçar o diálogo e a cooperação com os africanos.
A sua não concretização será uma oportunidade perdida que nem sequer o previsível acordo para a reforma da Convenção de Lomé, já em fase avançada, embora com contornos pouco conhecidos, poderá fazer esquecer.
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
O Governo Português afirma ir fazer avançar o dossier relativo ao alargamento da União Europeia.
É uma prioridade anunciada. Prioridade que o é de sucessivas presidências há mais de dois anos. Embora, desde Helsínquia, passe a incluir também como candidato a Turquia.
Ao contrário de outros, não são razões xenófobas que nos fazem colocar muitas objecções à aceitação desta candidatura. Perante a recente condenação à morte de um líder curdo, e perante a manutenção do encarceramento de um Prémio Sakharov do Parlamento Europeu, o mínimo que poderemos afirmar é que se trata de um mero exercício de hipocrisia a aceitação da Turquia como candidato à adesão à UE.
Se é certo que em relação à totalidade das outras candidaturas não colocamos qualquer objecção de índole política - é uma questão que apenas compete aos respectivos povos decidir sem interferências externas -, também não é menos certo que o alargamento não deveria ser feito de forma voluntarista, sem medir nem avaliar consequências e/ou impactos económicos e sociais. Tanto nos actuais Estados membros como nos próprios países candidatos.
Não estão feitas avaliações rigorosas e credíveis sobre esses impactos económicos e sociais. Consequentemente, não estão nem podem estar minimamente definidos os períodos de transição necessários para concretizar a adesão dos diferentes candidatos.
Tal como nada está avaliado quanto às necessidades financeiras que permitam compensar e minimizar impactos, seja nos actuais, seja nos futuros Estados membros.
Neste contexto, sabe-se apenas que Portugal pode ser o País mais prejudicado da UE.
Mas, nem este facto pareceu motivar de forma especial o Governo português para considerar como prioritário, na sua Presidência, a necessidade de mandar proceder a estudos e avaliações rigorosas e independentes de impactos e a influenciar para reforçar, no futuro próximo, os fundos estruturais e outros meios financeiros capazes de assegurar a manutenção da coesão económica e social, ao que julgamos - embora pareça estar esquecido - ainda objectivo fundamental da UE.
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
Ligado com a questão do alargamento está a revisão do TUE, através de uma nova CIG, decidida há quase um ano e a iniciar durante a Presidência Portuguesa.
Trata-se, claro está, de uma prioridade, se bem que não há muito tempo tivesse sido intenção do Governo - pelos vistos também frustrada - adiar tanto quanto possível o seu início, porventura remetendo-o para a Presidência Francesa.
As orientações previstas para essa CIG não prefiguram nada de bom para Portugal e para os países menos desenvolvidos e menos populosos da UE.
Para o PCP não será aceitável que a Comissão não tenha representação de todos os Estados membros, que a Presidência da UE abandone o princípio da rotatividade, que a língua portuguesa possa ficar à porta das instituições comunitárias.
Mas para o PCP também não pode ser aceite que haja uma reponderação de votos no Conselho, ou uma dupla reponderação através dos votos do PE no processo de codecisão, que seja retirada a capacidade de utilização do direito de veto ou que matérias institucionais, estruturantes ou actualmente do domínio intergovernamental possam passar a ser decididas por maioria qualificada.
Não há nenhuma razão nem argumentos - nem sequer os de uma pretensa eficácia - para se proceder a alterações do actual modelo institucional. Alterações do tipo das enunciadas poderão só fazer regredir ainda mais a capacidade de intervenção que Portugal ainda dispõe no processo decisório da UE.
Também os objectivos reiterados no Programa da Presidência Portuguesa sobre o futuro da PESC nos levantam profundas inquietações e motivam fundamentada oposição.
Não se trata apenas da eventual comunitarização de uma política que deveria permanecer e conservar-se no domínio intergovernamental.
Trata-se também do avançar de um conceito militarista para a UE que nos merece o mais vivo repúdio.
Trata-se de dar cobertura a uma indústria armamentista que procura impor-se e impor-nos orientações sob falsos pretextos ou ameaças fantasmagóricas.
Não se fala em desarmar. Não se fala em diálogo ou em cooperação. Fala-se em criar comandos militares únicos, em criar embriões de exércitos europeus que apenas serviriam a estratégia dominadora de alguns mais poderosos - entre os quais alguns até nem pertencem à UE - que passariam a agir a seu belo prazer embora em nome de todos e, pretensamente, em nome do interesse geral.
Esta não será, definitivamente, uma UE que se quer e se deseja de Paz e de Cooperação com todos os Povos.
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
Em Março realiza-se uma Cimeira Extraordinária a que a Presidência Portuguesa confere estatuto especial e que pretende versar temas relativos ao emprego.
Há quem diga que esta é, mais que uma iniciativa da Presidência Portuguesa, uma insistência pessoal do Presidente do Conselho da União Europeia, que assim revela mais uma vez a sua especial vocação em marcar pontos na cena internacional e em mediar conflitos entre personalidades da respectiva família política.
Tal Cimeira, no fundo, repete de forma anunciada como extraordinária, iniciativas idênticas que acompanham todas as presidências desde há mais de dois anos e cujos resultados práticos se continuam a saldar por muita retórica e quase total ausência de medidas concretas. Enquanto isso, o desemprego na UE permanece em valores insustentáveis, a pobreza e a exclusão continuam em níveis inadmissíveis.
Anuncia-se a elaboração de uma Carta dos Direitos Fundamentais. Trata-se de mais uma proposta em trânsito, de contornos pouco precisos, com um desenvolvimento pouco claro, seja do ponto de vista dos conteúdos, seja pelas suas eventuais implicações institucionais. No entanto, seria bom que nela se viesse a consagrar o direito ao emprego como um direito básico da pessoa humana e o objectivo do pleno emprego como prioridade central das políticas económicas e não como uma questão deixada ao livre arbítrio do mercado. Como igualmente se reclama que para diminuir o desemprego, a pobreza e a exclusão social, a Cimeira de Lisboa fosse capaz de abandonar os discursos circunstanciais e pudesse elaborar medidas concretas e visíveis destinadas a combater e erradicar estes flagelos sociais, permitisse relançar objectivos de coesão social e de convergência real, nos salários, na estabilização e qualificação do emprego com direitos, nos níveis de vida e na elevação dos demais direitos dos trabalhadores e dos cidadãos da União Europeia.
Mas de boas intenções está o inferno cheio. E, ainda que fosse desejável que nesta Cimeira se procedesse a uma alteração sensível nas orientações políticas e económicas, suscitam-nos as maiores dúvidas os seus resultados já que, desta vez, nem sequer uma palavra é dita sobre o relançamento e concretização de objectivos de investimento público - como é o caso das famosas redes transeuropeias - cujos reflexos no emprego seriam certamente positivos.
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
Como dissemos, a Presidência Portuguesa enuncia prioridades que constituem no fundamental a sequência de orientações que a precederam e lhe sucederão.
Como dissemos também, a Presidência Portuguesa parece abandonar algumas iniciativas que tinha anunciado e que poderiam e deveriam ser inovadoras e marcar politicamente os próximos seis meses da União Europeia.
Mas simultaneamente a Presidência Portuguesa não coloca como objectivos centrais algumas iniciativas que interessando a Portugal, mas não só, interessariam certamente os europeus na medida em que traduziriam preocupações de coesão, de solidariedade e de convergência real.
Não seria a Presidência Portuguesa o momento adequado para propor iniciativas políticas que permitissem rediscutir e redefinir algumas das orientações que têm marcado certas políticas comuns, e cujas consequências para os países menos desenvolvidos, em especial para Portugal, se têm revelado particularmente negativas?
Não seria este o momento para propor alterações sensíveis em matéria de política agrícola ou de pescas - como é o caso da justiça orçamental para com as produções mediterrânicas ou sobre o futuro da zona exclusiva para a actividade piscatória - que permitissem a salvaguarda de especificidades nacionais diferenciadas?
Não seria este o momento certo para que se tomassem iniciativas prioritárias destinadas a acompanhar e a influenciar as negociações da OMC, cujo fracasso, em Seatle, podem ter aberto perspectivas políticas para que sejam abandonadas as actuais orientações neoliberais baseadas na dominação financeira, na delapidação de recursos e na degradação ambiental, e se definissem novas orientações baseadas no desenvolvimento, na cooperação e nos interesses de todos os Estados e Povos?
Não seria este o momento adequado para que a Presidência Portuguesa colocasse na ordem do dia das prioridades a definição urgente dos sistemas de apoio permanente às regiões ultraperiféricas tal como prevê o actual TUE?
Não seria este o momento para colocar na agenda política a revisão de orientações económicas que se têm traduzido pela desarticulação de sectores produtivos - caso dos têxteis ou da construção naval - essenciais aos países mais pobres da União Europeia, entre os quais Portugal?
Estes seriam objectivos essenciais que o Governo português não quis colocar na agenda da sua Presidência.
Até parece que não interessam a Portugal.
Até parece que não interessam aos europeus.
Disse.