Em Defesa dos Transportes Públicos e do Passe Social
Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Lisboa, 28.4.2005


Em resultado de uma errada política de transportes que se tem vindo a concretizar nos últimos anos, particularmente desde o início da década de noventa, agudizaram-se os bloqueios à mobilidade com evidentes prejuízos para a qualidade de vida das populações e com impactos muitos negativos no plano social, ambiental, energético e na economia nacional. Realidade particularmente aguda nas duas grandes áreas metropolitanas portuguesas de Lisboa e Porto.

Está hoje muito claro e todos os dados confirmam que os anunciados benefícios para os utentes que resultariam da privatização do sistema de transportes públicos se traduziram, afinal, não só numa crescente incapacidade para promover uma política integrada de transportes, essencial para a superação dos graves bloqueios à circulação existentes, como se traduziram, em geral, em enormes custos para os utentes dos transportes e sem qualquer contrapartida na qualidade dos serviços prestados e na prometida diversificação da oferta de carreiras e serviços que hoje são mais reduzidos e manifestamente insuficientes.

A incapacidade revelada por esta política na promoção de um sistema integrado de transportes é o resultado da sua opção de favorecimento dos interesses das empresas privadas de transporte e da evidente secundarização do transporte público.

Secundarização que se promoveu e acentuou com os sistemáticos aumentos de preços das tarifas de transporte, bem evidente no crescimento dos preços do passe social em 18,5% desde 2002, enquanto, por exemplo, o salário mínimo nacional apenas aumentou 7,6%. Mas também pela diminuição da importância do passe social intermodal e da sua aplicabilidade à generalidade dos territórios metropolitanos e dos operadores de transporte – questão nuclear – na prossecução de uma política dirigida ao desenvolvimento do transporte público e ao serviço das populações.

Uma política que fez do ataque às empresas públicas de transporte, instrumento determinante na concretização de um sistema de transportes com efectiva prioridade ao serviço público, o seu eixo condutor principal.

A errada política seguida pelos sucessivos governos está bem patente nos enormes custos económicos que resultam do crescente peso que tem o transporte individual no movimento pendular diário entre a residência e o local de trabalho e de estudo e o número de horas perdidas nas deslocações diárias que prolongando a jornada de trabalho de milhares e milhares de pessoas tem evidentes consequências no equilíbrio familiar e na produtividade global do país.

O que se afirma não é apenas a constatação das nossas vivências quotidianas. Está hoje, no caso de Lisboa, amplamente caracterizado no Inquérito à mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa e ao universo dos mais de 1,3 milhões de activos empregados e estudantes que se deslocam na área metropolitana. Apesar do aumento do movimento pendular diário entre 1991 e 2001 ter tido um crescimento em termos absolutos, no mesmo período o transporte colectivo passou a pesar nos modos de transporte em 2001, apenas 37% do total, em contraponto com os 51% dos que, em 1991, utilizavam o transporte público. Em contrapartida o transporte individual passou de 26% em 1991 para 45% em 2001. Num quadro de exigentes medidas de contenção e poupança energética as consequências desta política, num país com tão elevado défice energético, são um desastre. E no que se refere aos prejuízos causados apenas tendo como referência os 325 mil activos empregados que se deslocam para Lisboa, as horas perdidas cifram-se em mais de 540 mil horas diárias que assumem um valor anual estimado em 2052 milhões de euros, ou seja quase 2% do PIB.

Estes números são por si só, demonstrativos da imperiosa necessidade de inverter a política de transportes que tem vindo a ser concretizada.

Enquanto nos principais países desenvolvidos crescentemente se afirmam e concretizam políticas privilegiando o transporte público, em Portugal, persiste-se numa política contrária, acentuando todos os fenómenos negativos que resultam dos enormes fluxos diários de transporte individual, com a agravante de com tal política se pôr em causa o direito constitucional ao transporte e à mobilidade de largas camadas da população.

Não é por acaso que Portugal é o país da União Europeia onde os passageiros pagam a maior percentagem dos custos dos transportes públicos.

Não é ainda clara a política de transportes que o novo governo pretende pôr em prática. Mas não começou bem o governo do PS que seguindo a prática do governo anterior, anunciou como primeira medida o agravamento do preço dos transportes, que entrarão já na próxima semana em vigor com um aumento médio de 3,7%. Aumento muito acima da taxa de inflação e do aumento dos salários e agravando os preços nos pequenos percursos, onde se realizam o maior número de carreiras. Este não é o caminho, seguramente, para potenciar o uso do transporte público, como no plano social é uma medida que agrava as condições de vida dos trabalhadores e das populações de mais parcos recursos.

Por outro lado, avolumam-se as preocupações com o impasse que se mantém na resolução do problema da prorrogação da vigência do passe social intermodal, cuja validade depois do final do próximo mês de Maio está dependente da definição e publicação da legislação, por parte do governo, dos princípios de contratualização do transporte público.

Nesta matéria exige-se que o governo não ceda à chantagem dos operadores privados e às suas insistentes reclamações de indemnizações compensatórias sem a efectiva garantia das necessárias contrapartidas em termos de alargamento da oferta, qualidade e preço do transporte. O serviço público de transportes não pode andar a reboque dos interesses dos operadores privados.

Não é à falta de soluções que o actual impasse se mantém. O PCP tem há muito proposto soluções que agora também estão consideradas ao nível dos princípios nas iniciativas legislativas de defesa do passe social intermodal que agora tornamos público.

O incompreensível arrastamento na definição de uma solução para o passe social e dos termos da contratualização com os operadores de transporte transformou-se numa angustiante expectativa para milhares de utentes com o receio da concretização da ameaça da sua não aplicação a alguns dos operadores privados.

A sua não imediata implementação significará um novo e brutal aumento dos preços dos transportes a partir do início do mês de Junho.

Depois do anunciado propósito do governo do PSD/CDS de acabar com o carácter universal do passe social e da conhecida chantagem dos operadores privados que têm vindo a ameaçar com o fim do passe social, a iniciativa legislativa de defesa do passe social que agora o PCP renova para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, com a apresentação, nos próximos dias, dos respectivos projectos-lei na Assembleia da República tem toda a razão de ser e actualidade.

As nossas iniciativas legislativas visam reafirmar a importância do passe social intermodal na estruturação de uma eficaz e socialmente justa política de transportes públicos e alargar o seu alcance com a extensão das zonas de intervenção e o alargamento a todos os operadores, relançando-o como um instrumento fundamental para inverter a actual tendência de regressão no uso do transporte público. Com esta nossa iniciativa visamos também combater as inadmissíveis e ilegítimas pressões dos operadores privados de transporte, para pôr fim a mais uma conquista de Abril e das populações. Operadores cada vez mais concentrados em grandes grupos como o Grupo Barraqueiro, o Arriva e o Transdeve.

O PCP espera que o governo e a nova maioria finalmente se disponibilizem para viabilizar estas nossas iniciativas, face à evidente falência da política de transportes que se vem concretizando em Portugal nos últimos anos. O passe social intermodal constitui um avanço social e um elemento determinante de atracção ao sistema de transportes públicos com evidentes benefícios para as populações, mas também é um indesmentível contributo positivo para a mobilidade, o ambiente, a qualidade de vida e para a economia nacional com a redução dos custos energéticos.

A sua defesa é parte constituinte de uma verdadeira política de esquerda, comprometida com os legítimos interesses e direitos dos trabalhadores e das populações que se impõe alargar a outros espaços e territórios. Nesta perspectiva, o PCP, anuncia também que está já a estudar novos desenvolvimentos e aprofundamentos da aplicação do passe social intermodal a outras regiões do país.

Uma eficiente política de transportes públicos exige, naturalmente, outras soluções e medidas que têm que resultar de uma assumida e coerente orientação que tenha como objectivo central a defesa e desenvolvimento do transporte público como o PCP tornou públicas no seu recente Programa Eleitoral.

Programa eleitoral que apontou um conjunto de orientações e medidas pelas quais se continua a bater e nas quais se inscrevem, entre muitas outras, a urgente necessidade da elaboração de um Plano Nacional de Transportes e Logística, integrado; o aumento da importância das empresas públicas de transporte, motor de um verdadeiro sistema de transportes públicos, com transportes coordenados e frequentes e a preços sociais; o desenvolvimento de complementaridades entre os diversos modos de transporte, com adequados interfaces e terminais multimodais; uma correcta política de ordenamento do estacionamento, perfeitamente integrada numa perspectiva de prioridade aos transportes públicos, na qual se inclui a construção de parques de estacionamento dissuasores nas periferias e nas entradas das grandes cidades, gratuitos para os utentes dos transportes públicos; o desenvolvimento das actuais redes de metropolitano e o seu alargamento a novas áreas urbanas, bem como o desenvolvimento de um sistema de eléctricos rápidos, metros ligeiros e de superfície.