Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Esta Apreciação Parlamentar suscita uma consideração prévia sobre a interpretação,
a nosso ver abusiva, que o Governo faz da Lei nº 10/90 - Lei de Bases dos Transportes
Terrestres.
Efectivamente e de acordo com esta lei compete à administração central a construção,
conservação e exploração da rede de estradas nacionais admitindo-se, como excepção,
que possam ser concessionadas a empresas constituídas expressamente para esse
fim, auto-estradas que correspondam a trajectos de longa distância, e grandes
obras de arte desde que não se localizem em áreas urbanas, ou sejam acesos imediatos
a grandes centros urbanos, a portos ou a aeroportos.
Esquecendo desde logo que a concessão deve ser a excepção e atribuída a empresa
expressamente constituída para esse fim, o Governo passou a concessionar tudo
o que à partida, pelo volume de tráfego suscitasse o apetite de empresas privadas,
não se coibindo de entregar à exploração privada e aplicado mesmo portagens
a estradas já antes construídas com dinheiros públicos e sem alternativas para
os utentes, naquilo a que foi justamente considerado como o negócio das "brisinhas".
E que negócio! Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Basta pensar na tão debatida via rápida do Oeste transformada em auto-estrada
(A8) com portagens e entregue à "Brisinha" respectiva, com o objectivo, dizia-se,
de a prolongar até Leiria e fazer o IP6 das Caldas a Santarém de imediato. Onde
estão afinal estes troços? No entanto, só a verba gasta no desfazer acessos
à via rápida e fazer acessos com portagens (3 milhões 650 mil contos) teria
dado para a construção de pelo menos meio-percurso até Leiria, para já não falar
na verba das portagens, para as quais não há estrada alternativa. Sem alternativa
também ficou o IC3 entre Setúbal e Palmela construído e a funcionar há longos
anos constituindo a ligação urbana entre dois núcleos do mesmo polo de desenvolvimento
económico. Por artes mágicas passou a fazer parte da A12 quase 30 anos mais
nova e lá viu uma portagem. Nesta mesma A12 é curioso como possui igualmente
o único último lance de auto-estrada de acesso a Lisboa ou ao Porto em que é
aplicado portagem (critério que desdiz o que o senhor Ministro afirmou nesta
Assembleia) e isto quando mesmo sem portagem deveria ter acesso alternativo
pois a variante ao Pinhal Novo da EN252 foi ignorado pela J.A.E.. tudo isto
afinal soma na portagem da Ponte Vasco da Gama, que não resolveu como hoje já
é público e notório as acessibilidades na Área metropolitana de Lisboa. Bem
pediu o nosso Grupo parlamentar a comparência do senhor Ministro na 4ª Comissão
na altura da abertura ao tráfego destas vias, mas o senhor Ministro não esteve
disponível.
Muitos mais exemplos poderiam ser dados para ilustrar o que afirmamos, mas queremos
ainda referir dois factos incontornáveis:
1º A premissa do aumento de mobilidade, leia-se transporte rodoviário,
em Portugal, não resulta exclusivamente da taxa de motorização. Reside, antes
de mais, numa incorrecta política de transportes seguida nos últimos anos de
prioridade ao transporte individual e abandono do transporte de massas em particular
do comboio. Resulta daqui que as deslocações pendulares nas Áreas Metropolitanas
e o transporte de longa distância de pessoas e mercadorias tenha que ser feito
por transporte individual, pura e simplesmente, por falta de alternativa.
2º O objectivo de acelerar o ritmo de construção por falta de capacidade
da JAE e da Brisa não foi atingido como se verificou ainda há poucos dias nesta
Assembleia através da constatação da redução do investimento nas infra-estruturas
das acessibilidades.
Neste contexto e tendo em conta a situação de excepção que deverá constituir
a concessão de construção, manutenção e exploração de auto-estradas e grandes
infra-estruturas, conforme estipula a lei de bases dos transportes terrestres,
o mínimo que se exige nesta situação é que a Assembleia da República possa exercer
a sua competência de fiscalização dos actos do Governo na aplicação de uma política
extremamente sensível e com grandes repercussões no desenvolvimento regional
e na actividade económica, através da apreciação parlamentar dos decretos-lei
que atribuam concessões desta natureza, pelo que o Decreto-lei nº 399/98, sendo
um cheque em branco que retiraria à Assembleia da República a possibilidade
de exercer o seu papel de fiscalização da política do Governo merece a nosso
ver ser revogado.