A situação de segurança nas estradas portuguesas, particularmente no IP5
Intervenção do deputado Carlos Carvalhas
14 de Outubro de 1998

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A construção de uma via rápida, Aveiro - Vilar Formoso, era uma velha aspiração das populações da Guarda, de Viseu, do Vale do Vouga e de Aveiro. Foi uma bandeira pela primeira vez erguida pela oposição democrática de Viseu antes do 25 de Abril. Infelizmente a sua concretização e o seu traçado não vieram a corresponder às aspirações e às esperanças que as populações nela depositavam.

O traçado montanhoso, as curvas perigosas, os grandes declives, os problemas dos travões no calor do Verão, as derrapagens com as geadas no Inverno, o intenso tráfego dos Tires, constituindo por vezes autênticos comboios, estão na origem de muitos e graves acidentes, com muitas perdas humanas, que lhe conferiram o sinistro título da "estrada da morte".

Por ser filho da região, por ter estado ligado profissionalmente ao Planeamento de Transportes Terrestres e ter acompanhado de perto a sua génese e os seus problemas, quis dar voz neste debate de urgência, às preocupações de tantos e tantos cidadãos entre os quais, naturalmente me incluo.

Em Maio deste ano, o grupo parlamentar do PCP dirigiu-se ao Sr. Presidente da Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente requerendo uma reunião com carácter de urgência desta Comissão centrada nos casos da IP5, da IP3 e da IP1, com a presença do Sr. Ministro da tutela no sentido de se encarar de frente o problema da segurança rodoviária, nomeadamente na parte relativa às infraestruturas. Infelizmente tal reunião nunca se veio a concretizar. Porque já se perdeu tempo de mais, o grupo parlamentar do PCP pediu este debate de urgência.

Não nos move qualquer ideia de protagonismo partidário. Fazemo-lo por imperativo de consciência, sem imputações sobre responsabilidades políticas e tão somente convidando todos os senhores deputados e os senhores membros do governo a um debate e reflexão serena e conjunta para que, para além das soluções de fundo, se possam encontrar medidas imediatas mesmo que limitadas.

Sabemos que a segurança rodoviária não se limita, às infraestruturas que há muito a fazer no campo da prevenção, da educação cívica, da fiscalização, da investigação criminal, etc., etc..

Mas também não aceitamos o encolher de ombros, a resignação, nem as afirmações de que 80% dos acidentes verificados na IP5 se ficaram a dever à condução perigosa ou "criminosa", em jeito de eventual desculpa para não se tomarem outras medidas.

Até porque muitas das manobras perigosas resultam do facto de serem insuficientes as vias laterais de ultrapassagem e de serem muitos os autênticos "comboios de Tires", que passam por esta via.

Muitos estrangeiros entram no país pensando que estão a circular numa via rápida segura. Muitos utentes desta via depois de muitos e longos quilómetros de marcha lenta atrás de viaturas pesadas perdem a paciência e tentam ultrapassagens com perigo. Outros condutores têm sido albarroados por "Tires" sem travões...

São muitos os casos infelizmente, e quase sempre só se tem conhecimento dos casos mais graves.

Não estamos perante uma fatalidade, e tanto é assim que na véspera deste debate o Secretário de Estado Armando Vara se apressou a apresentar algumas medidas. Afinal sempre era possível tomar medidas mesmo que limitadas, afinal sempre era possível fazer alguma coisa de positivo para se evitar que se continue a assistir à mortandade nesta estrada.
Mesmo que mais nada resulte deste debate creio que já valeu a pena tê-lo agendado, pois serviu, pelo menos, de estímulo a que o governo pensasse no assunto e viesse apressadamente dizer que tinha medidas para a IP5.


O raciocínio foi este: se penso logo existo, se apresentar algumas medidas e me antecipar ao debate, logo governo... Como diz o nosso povo: mais vale tarde do que nunca!

Mas a verdade é que o governo nos está a fazer lembrar muito, quer a propósito da corrupção, quer a propósito da IP5, quer infelizmente de outros assuntos, o aforismo popular: «depois da casa roubada trancas à porta...» Era bem melhor que se antecipassem e não deixassem correr o marfim...

E se me permitem uma outra sugestão, já que decidiram fazer uma sindicância à JAE, investiguem também porque é que foi, por mais de uma vez, alterado o traçado inicial da IP5, se houve razões ponderosas de ordem técnica ou se outras mais inconfessáveis...

Senhor Presidente
Senhores Deputados

O aumento de patrulhamento ontem anunciado, poderá ser positivo. Mas não basta. Além de que preferimos a prevenção à repressão. Pensamos por isso que a reflexão devia ser exaustiva no sentido de se procurar todos os meios para dar resposta aos problemas que a IP5 coloca em relação à segurança rodoviária.

E também não podemos ficar à espera da auto-estrada ou mesmo de uma duplicação de toda a via. Recorde-se que numa visita a Viseu, António Guterres se comprometeu a duplicar o IP5 durante o actual mandato. Certamente que entre outras há respostas urgentes que poderão passar pelo desvio de tráfico pesado, por correcções do traçado, pela colocação de separadores em locais aconselhados, por alterações do tipo e estrutura do pavimento, pela eliminação de alguns declives, pela revisão e actualização da sinalização, pela construção de vias laterais que, com mais frequência facilitem a ultrapassagem em segurança.

É necessário elencar um conjunto de medidas específicas viradas para as infraestruturas a par, naturalmente, de uma vigilância preventiva muito mais sistemática. Também, uma sinalização mais visível e a identificação dos percursos mais sujeitos a acidentes deve ser encarado. Mas são necessárias outras alternativas de construção.

Se deste debate sair o compromisso de todos e nomeadamente do governo de se virem a concretizar medidas calendarizadas de autêntica emergência, repito - não se pode ficar à espera da nova auto-estrada - creio que então se poderá dizer que valeu a pena esta reflexão conjunta e esta chamada de atenção que terá de ser extensiva a outras vias de grande sinistralidade e à questão mais geral da segurança rodoviária. Será também, por esta via, uma homenagem sentida a todas as vítimas e às suas famílias enlutadas.

O desafio que daqui fazemos ao governo é para que avance de imediato com medidas eficazes. Gostaríamos por isso, de ouvir da sua parte um compromisso solene sobre a calendarização das medidas, datas de acabamento de obras e sobre as opções de fundo que encara para esta via e para os seus percursos mais perigosos.

Não basta anunciar algumas medidas. Neste caso creio que também seria útil dizer-se quando se vai fazer, como e em que prazos.

E em relação às opções de fundo, para quando a dita auto-estrada, com que garantias e com que calendário?

Se o governo responder positiva e prontamente, terá certamente o apoio dos deputados desta Assembleia e de todos os cidadãos que circulam por aquela via. Se deste debate saírem compromissos e medidas concretas e calendarizadas que deverão ser extensivas a outras vias perigosas, tendo em conta a especificidade de cada uma, creio que então poderemos dizer que valeu duplamente a pena, pois não se pode continuar a assistir passivamente à sinistralidade na IP5 e nas nossas estradas.