Debate de interesse relevante sobre os modelos de financiamento e gestão do sistema rodoviário
Intervenção de Bernardino Soares
19 de Janeiro de 2006
Quase a terminar este debate, e salvaguardando ainda a intervenção final do Governo, continuamos a ter muitas perguntas sem resposta nesta matéria.
Evidentemente, continuamos a não ter os tão prometidos planos estratégicos em várias áreas que tardam em aparecer enquanto as decisões vão sendo tomadas; continuamos a não ter a justificação para a adopção de um modelo, em anteriores governos do Partido Socialista, cuja eficiência económica, como está comprovado pelo Tribunal de Contas, era muito inferior e muito pior do que aquela que existia no modelo tradicional em termos de financiamento e de construção destas auto-estradas (não se percebe, então, por que foi adoptado este modelo); e continuamos a não saber como e quando vai o Governo tomar as decisões futuras que já se vão prefigurando no horizonte e que todos sabemos que estão na mente dos governantes — aliás, isso foi bem visível no debate do Orçamento do Estado.
Este esquema das SCUT foi, evidentemente, um negócio pouco transparente mas muito lucrativo para os concessionários. Um negócio feito à medida daqueles que, explorando esta privatização das autoestradas, embolsam um lucro certo, seguro, sem risco e com uma alta taxa de rendibilidade. É por isso óbvio que o Tribunal de Contas não podia senão criticar este modelo, apontando, aliás, diversas razões para essas críticas.
Mas é importante que se diga que não vale a pena — como faz a direita — brandir a ideia de que não há essa «coisa» das auto-estradas sem custos, porque elas têm custos e alguns terão de as pagar. Isso é verdade, é uma verdade de La Palisse! Todos sabemos que alguém paga estes custos, que paga o Orçamento do Estado estes custos. O problema, contudo, não é haver auto-estradas sem portagens e com custos; o problema é sabermos se queremos ou não ter um instrumento que, através da ausência de portagens, possa ajudar as regiões mais desfavorecidas e onde as assimetrias mais se verificam.
Nesta matéria, temos de dar resposta a duas perguntas essenciais.
A primeira é a de saber se são ou não necessárias auto-estradas sem portagens nalgumas regiões como meio importante para o seu desenvolvimento, para combater as assimetrias e para melhorar a mobilidade dessas populações. A nossa reposta é «sim». Evidentemente, continuamos a ter necessidade de ter auto-estradas sem portagens.
A segunda pergunta é a de saber se o modelo SCUT é positivo e se ele dá resposta à necessidade de uma boa aplicação dos dinheiros públicos para podermos ter estas auto-estradas sem portagens. Aí, a nossa resposta é, evidentemente, «não». Este modelo não é positivo e nem sequer a cópia de aplicações noutros países foi bem feita: acabou por ser uma cópia mal feita com custos superiores.
Esta discussão deve centrar-se mais nas assimetrias, na mobilidade, na segurança rodoviária e no desenvolvimento e não apenas na questão, a importante questão, do financiamento. É preciso garantir esta possibilidade de haver auto-estradas sem portagens e garantir, também, um modelo de financiamento que possa defender o interesse público.
Também já percebemos qual é a estratégia do PS e do PSD nesta matéria.
A estratégia do PS é ir-se preparando para dizer, adiante, que agora vai ter que haver portagens de algumas auto-estradas, porque o défice a isso obriga: «Lá teremos que pôr as portagens para cumprir os critérios de convergência, para defender…» — como dirão na altura — «… o interesse nacional e o nosso país face aos ditames do Pacto de Estabilidade e Crescimento». Como é evidente, esse não é o único caminho.
Já o PSD, sabendo que é isto que o PS vai fazer, sabendo da obsessão do PS pelo défice e pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (que é, aliás, a mesma do PSD), vai anunciando que o Governo vai introduzir as portagens para procurar adiante capitalizar esse descontentamento, quando, na verdade, não está preocupado com a questão das portagens; está preocupado, sim, com a questão do descontentamento e da crítica.
De facto, neste debate o Governo teve uma boa oportunidade para fazer uma crítica (e uma auto-crítica, se me entende, Sr. Ministro) ao modelo das SCUT. Mas não! O Governo continua a apostar neste modelo ou em modelos semelhantes. Na saúde, por exemplo, lá vamos ter mais umas «SCUT», em que o Estado paga, e paga muito mais!, aos grupos privados para construir hospitais que podia construir com mais economia e maior rendibilidade, com os dinheiros públicos ou, mesmo, com endividamento público.
Para terminar, há ainda esta ideia dos «beneméritos privados», que nos permitem construir estas autoestradas, quase como se desinteressadamente permitissem ao Estado este benefício às populações. Mas é evidente que eles só entram neste negócio porque lhes estão garantidas leoninas condições de lucro, e de lucro fácil, em matéria de SCUT.
Como se diz agora nalguns anúncios televisivos, eles estão cá para ganhar, porque se não fosse para ganhar eles não estavam neste modelo!
É verdade que a preocupação da despesa pública existe sempre no discurso de todos os governos, excepto se essa despesa for para transferir para grupos económicos privados. Portanto, o problema não é todos pagarmos para auxiliar algumas regiões mas, sim, todos pagarmos para que alguns grupos económicos privados lucrem.
Neste sentido, é preciso minimizar estes custos, racionalizar a utilização dos dinheiros públicos, defender o interesse público e, ao mesmo tempo, promover a mobilidade e combater as assimetrias.