Debate de interesse relevante sobre os modelos de financiamento e gestão do sistema rodoviário
Intervenção de José Soeiro
19 de Janeiro de 2006
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Ouvi atentamente aquilo que V. Ex.ª hoje trouxe à Assembleia. Para além da repetição do genérico já habitual, isto é, que consta do programa eleitoral do PS e do Programa do Governo, que já aqui foi repetidamente dito e, por isso, poderia ter poupado esse tempo — espero que não falte tempo para as respostas de que carecemos —, acabou por dizer que tem um modelo inovador. Levantou-se-me logo a questão se seria o modelo que seguiu o PS quando esteve no governo ou se também esse modelo estaria inserido na crítica implícita e explícita que o Sr. Ministro fez ao passado.
Podem ter-se feito, de facto — e fizeram-se —, infra-estruturas rodoviárias, mas não é menos verdade que as assimetrias e a ausência de coesão territorial continuam a ser uma realidade. Mais: agravou-se essa realidade ao longo dos anos. Por isso, se é importante ter infra-estruturas, tal não chega para garantir desenvolvimento sustentado das regiões, como está demonstrado. Há outras regiões, noutros países, que não tendo tantas auto-estradas arrancaram e superaram-nos no decurso destes últimos anos. Esta é a primeira questão que eu gostaria de deixar expressa.
Segunda questão: parece que, por um golpe de mágica, os problemas de financiamento das infraestruturas rodoviárias vão estar resolvidos, mas, na verdade, o que depreendi daquilo foi dito é que o Governo está a estudar uma forma de «varrer para debaixo do tapete» os encargos, criando uma situação em que deixam de contar para o défice, não alterando, porém, a realidade. E a realidade é a de saber se há financiamento suficiente para conseguir a tal mobilidade, a tal modernização, a tal eficiência e o tal combate à sinistralidade que o Sr. Ministro referiu. Creio que então se impõe termos respostas concretas a perguntas concretas.
Está consignada no Orçamento do Estado, para este Ministério, a verba de 2045 milhões de euros. A primeira pergunta que eu gostaria de ver respondida é a seguinte: desta verba, quanto se destina em concreto à modernização e aos transportes rodoviários?
Lembro que, também segundo o Orçamento do Estado, estamos obrigados a gastar, para pagar concessões rodoviárias com portagens reais e concessões rodoviárias com portagens virtuais, qualquer coisa como 691,6 milhões de euros. A questão que se me coloca prende-se com o facto de a verba transferida para a Estradas de Portugal ser inferior a esta realidade. Portanto, quem é que vai pagar, qual é a entidade que paga, estes milhões de euros, que constituem já encargos para o ano de 2006? É que se é a Estradas de Portugal terá, então, de haver uma outra forma de financiamento. A não ser que a Estradas de Portugal não só não faça nada como cresça em termos de endividamento.
Gostaria de saber como é que isto se vai fazer. Que investimentos vai a Estradas de Portugal fazer de novo se não tiver verbas?
Termino já, Sr. Presidente. E termino colocando uma outra questão.
Se entendi bem, o Sr. Ministro disse-nos que deixaríamos de pagar pelo uso mas passaríamos a pagar pela rede rodoviária. Gostaria que este aspecto estivesse mais claro. O que é que, efectivamente, representa esta afirmação para os cidadãos portugueses? É que estamos muito habituados a ouvir facilidades, que vamos pagar menos, agora até há quase um milagre e diz-se que não se paga nada… Deve haver por aí uns beneméritos que têm sacos e rios de euros para investir em vez do Estado. Ora, gostaríamos de compreender onde estão esses beneméritos e de onde vêm esses milhões que são necessários ao investimento.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr. Secretário de Estado,
Sr. as e Srs. Deputados:
Sr. Ministro, espero que seja melhor a sua gestão da construção do sistema rodoviário do que foi a do tempo de que dispunha.
Se assim não for, estamos mal, mesmo muito mal!
Sr. Ministro, esperava que tivesse usado o seu tempo para dar-nos conta dos famosos planos estratégicos que há muito deveriam ter sido apresentados e discutidos nesta Casa mas que continuam a ser diferidos no tempo, sempre para o futuro. Refiro-me aos planos estratégicos ferroviário, rodoviário, aéreo, marítimo e ao plano global estratégico que devia existir.
Um ano passado, é um mau começo não haver cumprimento dos compromissos.
Coloquei-lhe questões concretas, precisas, designadamente quanto a saber qual era a fatia do Orçamento que se destinava ao sistema rodoviário. Não respondeu.
Perguntei-lhe se os pagamentos das concessões, no valor de 691,6 milhões de euros, eram efectuados pela empresa Estradas de Portugal EPE. Respondeu-me que isso está no Orçamento do Estado. No entanto, se o pagamento é para ser feito pela empresa Estradas de Portugal, não consta do Orçamento do Estado a transferência para esta última das verbas necessárias para fazer face àquelas dívidas, na medida em que apenas foram transferidos 672,846 milhões de euros — assim, há défice ou, então, vamos à banca! —, o que significa não resolver o problema do financiamento.
Em relação às SCUT, diz que foi uma inovação. Eu diria que foi uma má cópia do que se fez lá fora, porque aí construíram-se SCUT com menos gastos e mais eficiência económica.
Ora, nós, que não somos contra a existência de vias rodoviárias não sujeitas a pagamento, sobretudo m zonas do Interior, o que condenamos é terem sido construídas com custos inaceitáveis para o Estado e, também, a forma como foram conduzidos os concursos públicos para atribuição das concessões, a forma como foram efectuados os traçados e sem ter havido estudos que mostrassem os ganhos económicos da solução adoptada em relação ao modelo anterior que era o da construção destas vias por administração directa do Estado. Isto ainda hoje não está demonstrado.
Esperamos que, com o próximo modelo, traga à Assembleia da República a fundamentação técnica que mostre as vantagens desse novo sistema que foi anunciado em termos difusos mas que, à partida, suscita legítimas interrogações quanto ao que poderão ser os seus resultados para o País.
É que, no que diz respeito a gastos, foi-nos transmitido que poderemos encontrar formas de gastar que não serão contabilizadas para o défice. Ora, é uma evidência que, como disse há pouco, essa será a forma de «varrer para debaixo do tapete» a dívida, mas ela não deixará de existir. Quem é que a vai pagar? Estamos em condições de garantir os tais importantes fluxos financeiros que aqui foram referidos? Garantir como? Através de quem? A que preço?
Sr. Ministro, não conhecemos nenhum negócio em que quem o financia não procure o seu lucro. O problema não é o de obter lucro legítimo mas, sim, o de obter lucro excessivo, como se verifica no caso das SCUT, das concessões existentes efectuadas sob condições em que não foram acautelados os interesses do Estado porque a primeira preocupação foi a de facilitar o negócio aos privados. Esta é a realidade quanto à Fertagus, às concessionárias.
Por isso, não podemos deixar de denunciar o que foi mal feito no passado nem de estar atentos e vigilantes em relação ao que nos traz um discurso que, aparentemente, pode ser correcto mas cujas consequências podem ser desastrosas para as portuguesas e os portugueses, pois poderão traduzirse no agravamento dos impostos, directos ou indirectos.
É isso que não desejamos e, portanto, pensamos que, na primeira oportunidade, o Sr. Ministro deveria trazer-nos, de forma bem sustentada, o que apresentou como sendo uma nova forma de gerir o sistema rodoviário.