Código da Estrada
Intervenção de Rodeia Machado
22 de Setembro de 2004

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Administração Interna,

Começo por fazer uma pergunta muito objectiva, à qual gostaria que o Sr. Ministro respondesse.

Recebi há pouco uma comunicação da Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos que refere que esta estrutura sindical, representativa de milhares de trabalhadores rodoviários, não foi tida nem achada para a elaboração deste Código da Estrada. Assim, gostaria de saber por que é que não

foi ouvida esta estrutura sindical.

Em segundo lugar, Sr. Ministro, gostaria de dizer-lhe (tal como lhe disse em sede de omissão, onde o ouvimos há dias) que o Grupo Parlamentar do PCP preferia que, em vez desta proposta de lei autorização legislativa, tivesse havido uma proposta de lei material para, em sede de trabalho parlamentar, podermos dar o nosso contributo sobre as várias matérias. Deste modo ficamos limitados, uma vez que já não podemos apresentar algumas propostas que eventualmente poderiam surgir.

Em terceiro lugar, Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe uma questão que se prende a situação prevista no n.º 4 do artigo 55.º do projecto de decreto-lei, que se refere ao transporte de crianças. Como V. Ex.ª certamente saberá, está a ser discutido neste Parlamento um projecto de lei, sendo que o Governo ficou

de enviar uma proposta de lei sobre esta matéria.

Pergunto: para quando a referida proposta de lei, para, em conjunto, podermos preparar e discutir uma lei de transporte de crianças que sirva na actualidade no que se refere à segurança das crianças?

Em quarto lugar, nas várias propostas que fez (e em sede de Comissão já o disse), V. Ex.ª refere a questão do limite de velocidade como um aspecto extremamente importante. Estamos de acordo. O excesso de velocidade tem de ser visto com muito cuidado pois é um dos factores que leva aos acidentes rodoviários.

Pergunto: como é que isto vai ser feito? Com mais fiscalização? Com repressão? Com o uso da força dissuasora da GNR e da PSP? Ou com informação detalhada aos condutores por forma a permitir que gradualmente eles entrem numa situação de melhoria qualitativa?

Última questão: V. Ex.ª propõe que o registo de veículos, que, hoje, é feito pelas câmaras municipais, passe para a alçada da Direcção-Geral de Viação.

Ora, sendo que hoje o registo de automóveis tem dois títulos — o título de propriedade e o livrete do veículo — e que os registos feitos nas câmaras municipais só têm um título, gostaria de saber como vai ser feito no futuro, uma vez que isto não é dito, nem está previsto, no projecto de decreto-lei.

Gostaria, pois, que V. Ex.ª nos desse respostas efectivas sobre as matérias que acabo de referir.

 

(...)

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados:

O Governo vem solicitar, através da proposta de lei n.º 137/IX, autorização para legislar sobre a revisão do Código da Estrada, aprovado em 1994.

Sr. Ministro da Administração Interna, não se questiona a necessidade de alterações ao Código da Estrada, mas é lamentável que, perante uma matéria desta natureza, V. Ex.ª tenha vindo dizer-nos que houve um esquecimento em relação à estrutura mais representativa dos trabalhadores rodoviários e urbanos

em Portugal, que é a FESTRU — Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos/ CGTP-IN.

Em nosso entender, o Governo teria feito melhor se, em vez de requerer uma autorização legislativa, tivesse apresentado à Assembleia da República uma proposta de lei material, pois certamente que, em sede de especialidade, teríamos oportunidade de especificar e contribuir melhor para o aperfeiçoamento de uma lei que se quer de alcance profundo e que seja um verdadeiro instrumento que possa contribuir para evitar tanto quanto possível os acidentes rodoviários, uma vez que estes são uma verdadeira catástrofe que enxameia as estradas portuguesas e ceifa anualmente milhares de vidas.

Na exposição de motivos, afirma-se que no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária está previsto um conjunto de acções visando a redução da sinistralidade rodoviária, algumas das quais necessitam de suporte legislativo. Com efeito, assim é. Mas também é preciso que o Governo não se esqueça de que se torna necessário e urgente, para o Plano Nacional de Prevenção Rodoviária poder produzir mais e melhores efeitos — e ele já tem produzido alguns efeitos positivos —, dotar de meios financeiros as estruturas que participam directa ou indirectamente neste Plano, desde logo, e em primeiro lugar, as autarquias locais e também as entidades que prestam socorro em Portugal, como é o caso dos bombeiros, passando naturalmente pelas forças policiais.

Tivemos oportunidade de afirmar, na altura, que o Plano era (e continuamos a considerar que é) um instrumento de trabalho importante, mas a sua elaboração não é suficiente, tornando-se necessário e fundamental colocá-lo no terreno e criar as condições para a sua aplicação prática, ou seja, criar uma parceria com as várias entidades, nomeadamente com os bombeiros, a quem cabem as missões de socorro, com as autarquias locais, com as forças de segurança, com a Prevenção Rodoviária, com as escolas de condução e, finalmente, com os condutores e a população de uma forma geral.

Conhecemos todos os números da sinistralidade rodoviária que efectivamente configuram uma verdadeira calamidade nacional, e que, pese embora os mesmos tenham diminuído nos últimos tempos, atingem ainda hoje um verdadeiro drama. Já foram tomadas algumas medidas no sentido positivo, mas existem ainda casos que urge corrigir rapidamente, como é o caso da formação e adequação de normas no que respeita ao socorro, nomeadamente as da formação de pessoal das chamadas «centrais de socorro», onde há muito é prometida formação, que é também apontada no próprio Plano, sem que até hoje tal se verifique.

Quanto ao normativo, torna-se também necessário e urgente que os planos de evacuação e a drenagem de doentes acidentados se façam de uma forma clara e precisa, para não constituírem factor de risco acrescido ao próprio acidente.

Se trago à colação estas matérias é por defender que, ao aferirmos da necessidade de legislar e aperfeiçoar o Código da Estrada, é preciso não esquecer que as matérias que referi são também de uma grande importância e de urgente implementação.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados:

No que concerne ao Código da Estrada propriamente dito e às suas normas, contempladas nesta proposta de lei, entendemos que o Código poderá melhorar significativamente se forem criados os meios adequados à sua aplicação, como é o caso do reforço dos meios de fiscalização e também o da informação periódica e atempada aos cidadãos.

A proposta de lei visa combater os factores mais graves da sinistralidade, nomeadamente os excessos de velocidade e de álcool e o desrespeito pelos peões.

Quanto ao primeiro, pergunto: como vai o Governo levar à prática esse combate? Com meios dissuasores, como já aqui referi, que efectivamente possam contribuir para um abrandamento da velocidade, nomeadamente através de radares identificados e de patrulhas rolantes que funcionem como elementos dissuasores, ou meramente com o aumento de meios de carácter repressivo?

Em nosso entendimento, primeiro devem aplicar-se os meios dissuasores e só mais tarde os outros.

O Partido Comunista Português defende que cresçam efectivamente os meios dissuasores e não repressivos, incentivando-se um maior e melhor esclarecimento dos condutores e da população em geral, através dos meios de comunicação social e da formação de condutores, nas escolas de condução, de modo a que a condução defensiva seja um instrumento fundamental na atitude permanente do condutor.

É nesse sentido que temos participado na Subcomissão de Segurança Rodoviária da Assembleia da República, que promove um fórum subordinado ao tema segurança rodoviária onde estas e outras questões têm estado a ser debatidas.

Por outro lado, gostaria de recolocar uma questão ao Sr. Ministro. O Governo compromete-se a transferir para a responsabilidade da Direcção-Geral da Viação a matrícula de veículos de duas rodas, e outros, que até agora eram da responsabilidade das câmaras municipais, o mesmo acontecendo com as licenças de condução. Compreende-se o alcance da medida, por causa do registo nacional das infracções graves e muito graves. Mas, pergunto: vai o Governo dotar com meios financeiros e de pessoal as estruturas desconcentrada da Direcção-Geral de Viação, para o registo dos veículos e passagem de licenças de condução?

Esta é uma questão importante a que o Sr. Ministro deve responder.

E, já agora, pergunto-lhe também: como vai compatibilizar a emissão dos registos dos veículos e dos títulos de propriedade? Será com um único ou com dois documentos?

Como enunciei há pouco, e atendendo ao facto de a Direcção-Geral de Viação emitir o registo do veículo e não emitir o título de propriedade, por esta emissão caber à Direcção Geral dos Registos e do Notariado, através da Conservatória do Registo de Automóveis, é preciso que esta compatibilização fique expressa no decreto-lei. Isso não está dito, está dito que se assume mas, depois, a questão da compatibilização em concreto ainda não foi resolvida.

Em nosso entender, tal devia desde já ficar devidamente esclarecido no decreto-lei a publicar e eu peço que o Sr. Ministro tome devida nota sobre esta matéria.

Para finalizar, quero dizer, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, que não basta ter uma lei, são precisos meios e condições para a aplicar e estes são da responsabilidade dos governos e não da Assembleia da República.

Por isso, daqui afirmamos ao Governo que é necessário e fundamental pôr os meios ao serviço da população, que o mesmo é dizer, pugnar para que a sinistralidade rodoviária deixe de ser uma calamidade em Portugal.