Alteração ao regime de portagens
Intervenção de Bruno Dias
14 de Janeiro de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Torna-se cada vez mais evidente que a política de portagens que tem vindo a ser seguida ao longo dos anos no nosso país está muito longe de corresponder ao que seria admissível e exigível para as populações e para o desenvolvimento sustentável.

É no mínimo desajustado e ilegítimo que, nos termos actuais, se procure apresentar as portagens como sendo parte de uma política coerente de mobilidade. E é de todo inaceitável que uma política de portagens, à margem de toda essa dimensão, ainda por cima assente no pressuposto, não da mera retribuição de um serviço prestado, mas sim da procura de financiamento para novos investimentos.

Desgraçadamente, tem sido essa a política de sucessivos governos.

O que observamos está longe de ser um instrumento coerente, integrado, numa perspectiva de regulação de tráfego; muito menos numa articulação com um investimento efectivo para um sistema de transportes e acessibilidades que cumpra com eficácia o seu papel social e económico.

O que observamos é uma política de transportes e mobilidade em que impera o casuísmo, o economicismo, a opção de classe em favorecer os grupos económicos concessionários e a sua estratégia de maximização do lucro.

Os investimentos para o próximo ano foram revistos em baixa. Já os valores das portagens, esses, mais uma vez aumentaram (e mais uma vez aumentaram acima da inflação anunciada pelo Governo).

Não é por isso de espantar que hoje mesmo tenhamos ficado a saber que a Brisa, que tanto ficou a ganhar com a reintrodução das portagens na CREL, aí está com os melhores resultados dos últimos anos na Bolsa de Valores de Lisboa. Assim se comprova o que dizemos, que com esta política do Governo, há certas portas a quem a crise não bate…

Entretanto, o que vemos da parte do Governo e da maioria de direita não é a disponibilidade para um debate sério e aprofundado sobre a política de portagens e as várias dimensões em que esta se integra.

O que vemos é a opção reiterada em manter e agravar os traços essenciais desta política de portagens, com tudo o que ela implica em termos da profunda penalização das populações.

É esta a questão central, que ficou demonstrada de modo flagrante na forma como o Governo reintroduziu, como já referimos as portagens na CREL, como que dizendo “os utentes que paguem a crise”.

Ou na forma como o Governo mantém essa inqualificável discriminação territorial sobre a margem sul do Tejo, com o injusto regime de portagens na Ponte 25 de Abril – que já está paga e mais que paga e que continua a não apresentar aos seus utentes qualquer alternativa viária gratuita (nem boa nem má – nenhuma!).

Ou ainda com a perspectiva de rebaptizar vias estruturantes do Plano Rodoviário Nacional, para que o Governo lhes possa colocar portagens, contra tudo o que se previa, comprometendo as funções de descongestionamento que lhes eram apontadas.

Aliás, disso mesmo demos nota há pouco neste hemiciclo, quando ficámos a saber que, na região do Grande Porto, o IC-24 passou a ser A-41 e o IC-2 passou a ser A-32. Estejamos atentos para os próximos episódios deste enredo, incluindo a tão badalada “Concessão da Grande Lisboa”…

Entretanto, iniciativas como a que agora discutimos, no sentido de recomendar ao Governo que consagre o princípio da suspensão da cobrança ou alteração do valor das portagens onde se realizem obras, são iniciativas que naturalmente acolhemos, ainda que (mesmo apreciadas de forma isolada no plano restrito a que pretendem responder) estejam aquém do que seria expectável nesta matéria.

De facto, temos assistido e passado por situações em que o concessionário leva a efeito trabalhos de conservação que deixam “de pantanas” a configuração e o perfil das vias, e em que o cidadão (que da portagem não se livra) é sujeito a autênticas gincanas, muitas vezes com o risco da sua própria segurança e a dos outros.

Nesta matéria, não podemos deixar de reconhecer que, caso isto se verifique durante dois meses seguidos, nos termos da proposta da maioria, não acontece nada e fica tudo na mesma. Só a partir do dia seguinte à passagem desses dois meses é que o princípio é consagrado.

É preciso recordar, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, que princípios são princípios, e que quando os reconhecemos, não o podemos fazer dois meses depois. Ou valem ou não valem.

No nosso entender, esta medida proposta pela maioria parlamentar, apesar de limitada, isolada e fragmentária, apesar de não responder ao problema de fundo, apesar de ficar aquém do que seria necessário, pode ser considerada um passo, e é nessa perspectiva que nos posicionamos, sem preconceitos, no debate da sua apreciação.

Mas fica o compromisso do PCP, de que a nossa intervenção e a nossa luta continuarão, ao lado das organizações de utentes e do poder local democrático, contra esta política de portagens que tão injusta e penalizadora tem sido para as populações.

Disse.