A situação na TAP
Intervenção do Deputado Bruno Dias
30.de Abril de 2003


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

Ao abrigo do novo Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP exerceu o seu direito potestativo de agendamento para este debate de urgência em Plenário, dedicado à situação na TAP.

Com esta iniciativa, o PCP prossegue a intervenção que há anos vem desenvolvendo, no plano parlamentar mas também no esclarecimento e na mobilização dos trabalhadores, em defesa do futuro da companhia aérea. Uma companhia que, aquém e além fronteiras, granjeou ao longo dos tempos um prestígio e uma importância para a economia e a soberania nacional que constituem um importante património do país e de toda a população – e evidentemente dos seus trabalhadores, que daqui saudamos.

Em diversas ocasiões, o PCP denunciou as malfeitorias lançadas à TAP pelas opções do poder político. Nas incorrectas orientações estratégicas, na ausência de capacidade (ou vontade) de defender e afirmar a companhia, ou no exemplo mais flagrante que foi o vergonhoso processo Swissair, a vida veio demonstrar que o PCP tinha razão.

A TAP esteve bem pior do que está hoje, no plano económico e financeiro. E a experiência dos últimos anos é claramente ilustrativa: se a privatização fosse por diante, teria sido provavelmente o fim da empresa. Mas a tal privatização que era, no entender do Governo PS, inevitável, inadiável e imprescindível, afinal não se concretizou – o que significou, aí sim, a sua sobrevivência. Diga-se, em respeito da verdade, que a TAP hoje existe, e tende a recuperar-se, exactamente porque não foi privatizada.

Agora, mesmo numa conjuntura internacional particularmente difícil, surgem sinais de uma tendência de recuperação económica da empresa. E é preciso ter memória e seriedade para constatar que essa recuperação, essa nova perspectiva de futuro, se tornou possível justamente no quadro de uma TAP de capitais públicos, com a complementaridade das suas diferentes áreas de negócio (transporte aéreo, manutenção, assistência em escala), com a estabilização de um curso estratégico de desenvolvimento e, aspecto não menos significativo, com o esforço e o sacrifício dos seus trabalhadores.

E é neste quadro tendencial de recuperação da TAP que o Governo traz de volta o que de pior marcou nesta matéria a actuação do executivo anterior. Aquilo que o Governo anterior não conseguiu concretizar é agora o que este Governo procura levar por diante, adoptando formas diversas de prosseguir a mesma estratégia – a privatização da TAP, custe o que custar. É caso para dizer que, pelo menos no que respeita à TAP, a tal “pesada herança” é assumida pela direita com um pressuroso entusiasmo.

De tal forma que, desta vez, o Governo vai mais longe na ofensiva e, actuando ao arrepio das suas próprias afirmações, produzidas mais do que uma vez nesta Assembleia, deixa cair o compromisso de defender a TAP enquanto companhia aérea de bandeira, unida nas suas diferentes valências. E aposta numa linha de segmentação da companhia, a começar desde já na alienação de todo o sector da assistência em escala, vulgo “handling”.

A pretexto de cumprir uma directiva comunitária às custas da TAP, sabendo que é possível criar outras alternativas, o Governo avança com uma medida que vem seriamente comprometer o futuro da companhia: nada menos do que forçá-la a renunciar a toda a actividade da assistência em escala (incluindo a assistência aos seus próprios voos) e recorrer aos serviços da tal Sociedade “Serviços Portugueses de Handling”, essa que se pretende criar a partir do desmembramento da TAP.

Em suma: o Governo decreta que a TAP deixa de prestar um serviço essencial para o transporte aéreo… pelo qual depois terá de pagar! É uma receita já antiga, aplicada em diversos serviços públicos, sempre com o mesmo resultado – o prejuízo ainda maior para as respectivas empresas e o lucro fácil para os grupos económicos envolvidos. Assim foi, por exemplo, com a RTP, em 1992, quando o Governo PSD lhe retirou toda a rede de transmissores, tendo a empresa pago até hoje mais do triplo do valor que recebeu pelo serviço que antes lhe pertencia. É isto que se pretende fazer com a TAP, Senhor Ministro? É isto que o Governo considera defender a empresa?

A verdade é que o Governo invoca uma falsa questão quando afirma que a TAP tem de alienar a sua assistência em escala por razões de orientação comunitária. Nem a empresa está impedida a priori de participar e concorrer na prestação deste serviço a terceiros, nem muito menos existe qualquer regulamentação, nacional ou internacional, que a impeça de garantir o seu próprio “handling”.

Aliás, a falta de transparência vai ainda mais longe quando o Governo estabelece também para o importante sector da manutenção e engenharia, o mesmo destino que está já apontado à assistência em escala. Aqui, nem sequer há directivas comunitárias que sirvam de pretexto para esta decisão.

Vamos falar claro. O que está em causa é a segmentação da TAP como estratégia de privatização. São duas faces da mesma moeda. Primeiro, segmentar a companhia. Em seguida, vendê-la a retalho, com mais facilidade.

O que o Governo procura não é um “parceiro” para a TAP – é um comprador que aceite fechar negócio e ficar com a empresa.

É indesmentível que quando a TAP estava em situação de prejuízo e de pré-falência (como o próprio Governo alegava), sempre se assumiu o esforço que seria necessário à sua recuperação.
E é inaceitável que agora, após todo este caminho percorrido, perante a perspectiva de uma TAP economicamente viável, o Governo entenda que está na hora de entregar a companhia aos privados, por via desta segmentação. Como se não bastasse, o Governo e a maioria ainda têm o desplante de afirmar que assim se está a salvar a empresa!

É um verdadeiro insulto aos portugueses, e principalmente aos trabalhadores da TAP.

A actuação deste Governo é de resto bem demonstrativa do seu entendimento quanto ao respeito pela opinião das estruturas representativas dos trabalhadores. A própria legalidade sai ferida deste processo, quando se constata que não foi respeitada a Lei das Comissões de Trabalhadores, relativamente ao direito de participação que esta prevê para aquelas estruturas. Numa matéria essencial para o futuro da companhia, o Governo mandou às urtigas a Lei em vigor. Determinou, aprovou e mandou seguir!

Que futuro está reservado aos direitos adquiridos dos trabalhadores da TAP? O que podem eles esperar deste processo? É preciso que o Governo esclareça o que vai acontecer a estes trabalhadores. Aos que hoje se encontram no activo, aos que estão inseridos nos planos sociais de pré-reforma, e aos que no futuro venham a integrar a empresa.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

Se o Governo tem alguma estratégia, alguma ideia, daquilo que pretende para o sector do transporte aéreo, está mais do que na hora de a explicar ao país.

Qual é afinal o seu entendimento sobre a importância da TAP para Portugal? Qual o papel que lhe atribui para o seu desenvolvimento estratégico, para a economia, para a soberania nacional?

Até agora, o que tem aparecido nas palavras e nos actos deste Governo é um único objectivo: privatizar a TAP.

O que o Governo está a fazer à TAP não se chama reestruturação – chama-se desmembramento. E é preciso que, neste debate que agora iniciamos, o Governo responda por essa opção, clara e indesmentível, de favorecer os interesses privados e o capital estrangeiro, em prejuízo da empresa, dos seus trabalhadores e do interesse nacional.

Disse.