Declaração de voto relativa à criação de entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e à transferência para essas entidades das competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições
Intervenção do Deputado Bruno Dias
26 de Setembro de 2002

 

Ao apresentar na Assembleia da República o projecto de lei nº 5/IX, o Grupo Parlamentar do PCP pretendeu contribuir, logo no início desta legislatura, para lançar o debate sobre a necessidade de criação das autoridades metropolitanas de transportes, dando corpo, aliás, a uma antiga reivindicação do PCP.

Depois de apresentada esta iniciativa legislativa, bem como de outro projecto de lei sobre a mesma matéria, surgiu da parte do Governo um pedido de autorização legislativa cuja aprovação acaba por prejudicar ou inviabilizar na prática uma discussão ampla e construtiva em sede parlamentar, remetendo o processo legislativo para os gabinetes do Governo.

Este processo tem a agravante de ter sofrido limitações no alcance da discussão, na medida em que o importante hábito parlamentar (nunca posto em causa por nenhum Governo) de remeter aos grupos parlamentares o anteprojecto de decreto-lei associado ao pedido de autorização legislativa, para uma apreciação efectiva das propostas concretas em presença, foi cumprido pelo Governo a menos de 24 horas do debate em Plenário!

Acresce que o Governo, confrontado com esta situação no debate, respondeu, pela voz do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que estaria de acordo com a discussão aprofundada desta matéria em comissão parlamentar, possibilitando uma melhor apreciação da proposta do Governo.

A reunião da comissão parlamentar em que esta discussão estava agendada realizou-se hoje, entre as 14 horas e 30 minutos e as 15 horas, tendo-se concluído pela pura e simples impossibilidade de concluir, até porque o projecto de decreto-lei do Governo não chegou sequer a ser enviado pelo Governo à comissão para ser apreciado!

Entretanto, já no decorrer da sessão plenária de hoje, foi-nos entregue o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses (que é indispensável ouvir, tratando-se de matéria que aborda directamente atribuições e competências das autarquias), dando nota de que também a ANMP está limitada na sua apreciação por não ter recebido o projecto de decreto-lei.

Para além dos incidentes e atribulações que marcam este processo, estamos perante uma proposta do Governo que levanta fundadas preocupações, que desde logo o PCP expressou no debate em Plenário, a saber, principalmente: a perigosa consideração de verbas provenientes dos orçamentos municipais enquanto fontes de receitas das autoridades metropolitanas de transportes, colocadas perante a atribuição de aplicar as indemnizações compensatórias aos operadores; a exclusão de representação dos trabalhadores do sector nos conselhos gerais das autoridades metropolitanas de transportes em clara violação da própria Lei de Bases dos Transportes Terrestres; a discriminação entre municípios na definição dos órgãos executivos das autoridades metropolitanas de transportes, consagrando exclusivamente a presença das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto e ignorando a dimensão verdadeiramente metropolitana dos problemas em questão; o ataque aos direitos dos trabalhadores das próprias autoridades metropolitanas de transportes a instituir, ao atribuir-lhes um regime de pessoal típico de uma empresa privada, com o contrato individual de trabalho.

Não esquecendo a antiga reivindicação do PCP, que é a instituição das autoridades metropolitanas de transportes, nem tão-pouco ignorando a fundamental necessidade de transparência democrática no debate, é pelas substanciais razões de reserva e preocupação quanto à orientação política do presente diploma que o PCP se abstém nesta votação.