Intervenção do Deputado
Bruno Dias
A real situação do novo Aeroporto da Ota
6 de Junho de 2002
Sr. Presidente,
Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação,
Antes de mais, nesta discussão há um aspecto muito importante para o PCP e que não se reduz a uma questão de semântica: reflectir e avaliar não é o mesmo que adiar!
Perante a evolução deste processo sobre o futuro aeroporto de Lisboa, o PCP tem defendido, de forma responsável e com coerência, uma melhor avaliação, mais aprofundada e mais rigorosa, que contribua, de facto, para o processo de tomada de decisão, em vez de se dar cobertura, a posteriori, a um facto consumado. Pois não é isso o que o Governo vem anunciar!
O que o Governo anuncia, aliás, no mesmo sentido da afirmação do Sr. Ministro na passada semana aqui, no Parlamento, em sede de comissão, é que quer ganhar tempo, dando por adquiridas as opções do governo PS, que o PSD, na oposição, pelo menos, questionava. É o próprio Sr. Ministro, aliás, que reconhece que a expansão do actual aeroporto da Portela também custa tempo e dinheiro, e essa questão coloca-se, desde logo, Sr. Ministro. Quanto tempo? A começar quando? Implicando que despesa? Quanto dinheiro teremos de somar às centenas de milhões de contos do aeroporto da Ota?
Por outro lado, é fundamental esclarecer uma questão: o Sr. Ministro propõe a expansão do Aeroporto da Portela, passando de 9 milhões para 16 ou 18 milhões de passageiros/ano, mas a verdade é que os vários estudos disponíveis sobre esta matéria - dos aeroportos de Paris, do aeroporto de Manchester, da autoridade britânica de transportes - fazem depender essa perspectiva da construção de um novo terminal de passageiros ao lado do actual. Se a opção do Governo é, de facto, a ampliação do actual terminal de passageiros, a fasquia não sobe para 16 a 18 milhões mas, sim, para 12 a 14 milhões de passageiros/ano. A diferença - convenhamos - não é coisa pouca!
Mas, além disso, passa ao lado de uma questão estrutural que pode, eventualmente, desmontar toda esta discussão. O Sr. Ministro já referiu possíveis soluções para o lado «ar» e para o lado «terra», mas disse pouco quanto ao lado «de fora». É que, mesmo a partir dos 14 milhões de passageiros/ano, os acessos ao aeroporto entram em colapso. Que medidas vai tomar Sr. Ministro? Vai fazer chegar o metropolitano ao aeroporto? E, se o fizer, vai conseguir convencer 3 em cada 10 passageiros, pelo menos, a trocar o carro próprio ou o táxi pelo metro?
Se não forem tomadas medidas realistas para evitar, nesse futuro, o caos no acesso ao aeroporto, então, poderá ter o problema resolvido em parte, mas da pior maneira: não serão tantos os passageiros a afluir ao aeroporto da Portela porque ficaram parados na 2.ª Circular!
Aqui está também em causa o quotidiano de muitas centenas de milhar de pessoas e, por isso, esta questão também merece ser respondida.
(...)
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
Poucos meses depois do início da legislatura, o partido da oposição com maior representação parlamentar vem requerer o agendamento de um debate de urgência sobre o futuro Aeroporto de Lisboa, para questionar o Governo sobre as suas opções. Aconteceu exactamente assim na anterior legislatura, volta a acontecer agora - desta feita, com os papéis trocados.
O que deixa transparecer este "remake"? Em 2000, o PSD na oposição pergunta ao Governo PS porque é que a Ota não podia ser mais tarde; em 2002, o PS pergunta ao Governo PSD, porque é que a Ota não há de ser mais cedo! E assim se passa ao lado da questão essencial.
Porque a questão essencial para o PCP é a profunda necessidade de uma avaliação que verifique de forma aprofundada, rigorosa e em tempo útil, as opções estruturantes que estão em causa. E não é isso que nos traz o Governo.
O que nos traz o Governo, parafraseando o Senhor Ministro, é "muito estudo físico. Muito estudo geológico, hidráulico, de micro-localização. E depois, havemos de ver das condições de viabilidade económica e financeira do empreendimento". Sendo que, e voltando a citar o Senhor Ministro, a opção Ota é algo que "está adquirido e não se vai mexer agora em novas análises que pusessem em causa as decisões tomadas".
Ou seja, primeiro o Governo diz que o que quer é ganhar tempo, para gastar o mesmo dinheiro meia dúzia de anos mais tarde. Depois, diz-nos que os estudos avançam, desde que não ponham em causa as decisões que transitam do Governo PS! A questão é que são justamente essas decisões que é preciso aprofundar e esclarecer.
Tanto mais que, como alertámos na devida altura, a Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental para o Plano do Novo Aeroporto de Lisboa afirmava textualmente: "as conclusões constantes nos Estudos Preliminares de Impacto Ambiental não são suficientes ou válidas como elementos de base para a tomada de decisão".
E foi assim que a decisão foi tomada, e agora é mantida, embora adiada! As questões de fundo, essas, vão ficando.
Desde logo, a questão essencial do modelo de financiamento. Continuará a insistência num "project finance", que faz depender na prática o novo Aeroporto da privatização da ANA - Aeroportos e Navegação Aérea? Traduzindo: pretende o Governo vender a gestão de todos os Aeroportos para viabilizar a construção de um novo?
Continuamos a afirmar: a avaliação não deve vir atrás de uma política de facto consumado. É fundamental que seja a base dos processos de tomada de decisão. Por isso o Governo não deve perder uma oportunidade para encontrar as respostas necessárias.
Que sustentabilidade económica para o projecto? Quais os custos totais afinal envolvidos? Que política de ordenamento para o território circundante? Que articulação com as acessibilidades rodoviárias e ferroviárias? (a este propósito, o Senhor Ministro afirmou que se inclina para um vai-vem rápido, em linha reservada para Lisboa. É isto?!)
Aliás, pretende o Governo adoptar uma estratégia de substituição do actual Aeroporto da Portela, dando resposta ao limite das suas capacidades - ou pelo contrário, preconiza um verdadeiro Aeroporto Internacional, preparado para mercados preferenciais como o Brasil ou África, o transporte aéreo intercontinental, com complementaridades multimodais e associado a uma plataforma logística?
São perspectivas diferentes de desenvolvimento, que também apresentam diferentes implicações ao nível do esforço financeiro.
É sempre criticável a política de "decidir primeiro, estudar depois". Neste caso, a opção do actual Governo é: reafirmar a decisão do Governo PS (que ainda carece de fundamentação); adiar a sua concretização (sem a pôr em causa, adiando apenas); e ir fazendo nesse intervalo estudos que sirvam, não para questionar e esclarecer, mas sim para fixar e remendar.
A ordem está dada. Pretende-se levantar vôo - e só depois procurar os mapas. Nesta questão como noutras, melhor será manter os pés bem assentes na terra.
Disse.