Política de transportes
Intervenção do Deputado Joaquim Matias
25 de Maio de 2001
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Ouvi atentamente a sua intervenção sobre política geral, mas a política geral faz-se com factos concretos. Ora, para que não subsistam dúvidas, queria aproveitar a presença de V. Ex.ª aqui, no Hemiciclo, para esclarecer uma frase que, certamente por gralha de informação, o Sr. Ministro da Presidência ontem proferiu aqui, na Assembleia.
Dizia o Sr. Ministro Oliveira Martins o seguinte: «Quanto às frotas das empresas privadas de transporte rodoviário, estas beneficiam de apoios especiais, tendo já sido aprovada a compra de 841 autocarros ( ), aos quais se juntarão, no final do ano, mais cerca de 200.» Digo que houve certamente gralha, porque, como o Sr. Ministro sabe, as empresas resultantes da privatização da Rodoviária Nacional apenas têm renovado a sua frota com recurso a compras, em segunda mão, de autocarros que nos países de origem já ultrapassaram o seu período de vida, isto é, são autocarros com uma média de idades superior a 10 anos. Essas empresas têm uma frota com uma idade superior a 16 anos e carros a circular com mais de 20 anos.
Além disso, acabaram com todos os serviços que, na sua óptica, não eram rentáveis, isto é, acabaram com a prestação de todos os serviços que tinham carácter público. Nesse sentido, não quero crer que seja uma aquisição de frota dessa natureza e um serviço que não é social a ser subsidiado.
Já que estamos a falar em matérias de financiamento, queria aproveitar a presença do Sr. Ministro para esclarecer o escândalo do financiamento das empresas privadas à custa do passe intermodal da região de Lisboa.
Como o Sr. Ministro sabe, o «bolo» das receitas do passe da região de Lisboa é distribuído proporcionalmente aos passageiros transportados e utiliza-se, para fazer essa distribuição, a estatística feita em 1989, quando ainda existia a Rodoviária Nacional.
Já com o governo do Eng.º António Guterres, em 1996, foi feito, novamente, um cálculo e, como era previsível, como os privados não o fazem porque não são obrigados a prestar serviços sociais, os passageiros transportados são muito menos.
Ora, isto resulta num valor que os privados estão a receber por passageiros que não transportam - são as empresas públicas que não recebem - que se cifra, nesta altura, em mais de 4 milhões de contos.
Era este esclarecimento que eu gostava que o Sr. Ministro nos prestasse. Ou seja, como é que o Governo vai obrigar que esta distribuição seja feita de acordo com o que está feito a nível dos passageiros, situação, aliás, que o próprio Tribunal de Contas já detectou.
(...)
Senhor Presidente
Senhor Ministro e Senhores Secretários de Estado
Senhoras e Senhores Deputados
Uma política de esquerda para os transportes considera estes como uma componente determinante e indispensável do desenvolvimento económico e social, harmonioso e integrado, sustentado e sustentável do ponto de vista ambiental. Desenvolvimento que só faz sentido quando está ao serviço da melhoria da qualidade de vida das populações em todo o território nacional, esbatendo as assimetrias regionais e não se confunde nem se expressa apenas em mero crescimento de alguns indicadores económicos.
Uma tal política privilegia necessariamente os transportes colectivos como a única forma possível de dar resposta à mobilidade que as pessoas necessitam, aposta decisivamente na qualidade dos serviços públicos o que implica a adopção do modo mais adequado a cada caso concreto, um sistema em rede multi-modal que integra a complementaridade funcional e a articulação dos modos aéreo, ferroviário, rodoviário, marítimo e fluvial.
A política que este Governo vem praticando, na sequência aliás de outras anteriores, diferindo apenas no tempo, que não no modo, incompetente para manter uma rede de transportes coerente e adequada às necessidades do país quer se trate de longa distância, áreas metropolitanas, ou cidades médias, ligações internacionais ou regionais de pessoas ou de mercadorias, refugia-se no salve-se quem puder e privilegia o transporte individual não resolvendo, antes agravando, os problemas existentes.
Permeável aos interesses de vários grupos económicos, confunde rentabilidade económica com rendimento economicista, prejudica a complementaridade à concorrência desenfreada, fornecida por oportunismos momentâneos.
Irresponsável, destroi as empresas públicas do sector e precariza o emprego dos seus trabalhadores, degrada a qualidade de serviço, agrava as assimetrias regionais e prejudica o desenvolvimento económico do país. Finalmente, sobre os destroços do sector ainda consegue arranjar espaço para multiplicar empresas e institutos, com muitos conselhos de administração, e isolar sectores rentáveis, onde investe com os recursos de todos nós, para depois os entregar à exploração de grupos económicos privados.
Esta é uma política inequivocamente liberal, uma política de direita!
Caso exemplar desta política é o caminho de ferro.
Desmembrada a empresa em 14 empresas e um instituto, abandonados cerca de 800 Km de via e 400 estações, deixando degradar a qualidade de serviço noutros troços, alguns com reconhecida potencialidade como a Linha do Oeste, para vir a justificar posteriormente também o seu encerramento, separando a manutenção e procurando aniquilá-la, com prejuízo da segurança, reduzida a níveis perigosos, diminuindo os postos de trabalho, perdendo em 4 anos 28 milhões de passageiros transportados, aumentando o défice, pergunta-se:
Que ganhou o país com esta operação?
E a resposta é nada. Ou melhor, perdeu!
Mas o pior ainda poderá estar para vir se o Governo prosseguir nesta política.
A anunciada nova estrutura orgânica, na sequência da estratégia que vem a ser seguida, consistirá na entrega das mais apetecidas unidades de negócio a grupos económicos depois de transformadas em empresas autónomas, incluindo as mercadorias e a já autónoma empresa de manutenção EMEF. Seria a irresponsabilidade completa do ponto de vista da defesa do interesse nacional!
Muitas questões têm sido levantadas nesta Assembleia e muito esclarecimento o Governo não deu relativamente à política ferroviária, como por exemplo a conclusão da Linha do Norte, projecto de modernização da rede ferroviária para estar concluído em 1998 para a EXPO.
Afinal, senhor Ministro,
Quando se acaba a Linha do Norte? Em 2004? Em 2006? Em 20013?
Quanto vai custar definitivamente?
Quando se faz o Lisboa - Porto em 2 horas e 30 minutos?
E a Linha do Norte não é só Lisboa - Porto, é o eixo fundamental de toda a rede ferroviária portuguesa, do inter-cidades às mercadorias.
Temos o direito de ver esclarecidas esta e outras questões que têm sido colocadas.
O Governo não responde, mas para esconder esta e outras incompetências, lança para discussão pública mais um "palpite" sobre alta velocidade, note-se que falamos em alta velocidade e não TGV, TGV não é um sistema ferroviário, é o nome de um comboio de passageiros, estudado e concebido para em determinadas condições específicas competir com o avião em distâncias entre 600 e 900 Km. Alta velocidade ferroviária, bem diversa, é um conceito aplicado a redes ou linhas que permitem velocidade acima de 200 Km/hora, havendo depois uma segunda categoria específica de alta velocidade para os 300 Km/hora, necessariamente mais cara e de muito maior consumo energético. Já agora,
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A Linha do Norte, se concluída, conforme prometido, seria uma linha de alta velocidade.
Que poderes extraordinários e que orientação política foram dados ao Presidente da RAVE para propor o abandono da nossa rede ferroviária e já agora, senhor Ministro, qual o parecer emitido pelo Grupo de Trabalho, nomeado pelo seu antecessor Ministro Jorge Coelho, para estudar a viabilidade de uma rede de alta velocidade para Portugal?
Esta forma de cada ministro, sem base em estudos consistentes e credíveis, e consequentemente por "puro palpite", lançar para discussão mega-projectos, não contribui, antes prejudica, a necessária e urgente modernização da nossa rede ferroviária onde a alta velocidade tem que ser introduzida de forma articulada com a rede existente e com as ligações internacionais.
Nos transportes rodoviários o panorama não é melhor.
São inúmeras as aldeias onde até há pouco tempo se chegava de camioneta, desde a estação de comboio mais próxima ou da cidade sede de concelho, e onde hoje, só com carro particular é possível chegar.
A exploração do eixo ferroviário norte-sul, por exemplo, executado com capitais públicos, e dado em exploração ao mesmo grupo económico que detém os Transportes Sul Tejo, levou a que este suprimisse todas as carreiras rodoviárias paralelas ao percurso do comboio, acabasse com ligações urbanas e sub-urbanas de ligação ao transporte fluvial e as passasse a fazer para as estações de comboio, onde o passe i-n-t-e-r-m-o-d-a-l para o mesmo percurso não é válido e o bilhete é muito mais caro.
Assim, mais de 75% dos actuais passageiros do comboio eram passageiros de outros transportes públicos, não contribuindo este investimento como seria desejável e possível para descongestionar a Ponte 25 de Abril.
Nas Áreas Metropolitanas, como a de Lisboa, é consensual, entre os técnicos do sector, que já hoje, com os investimentos feitos em infra-estruturas, seria possível melhorar significativamente os transportes públicos.
A utilização irracional do transporte individual, em todas as circunstâncias e com todas as graves consequências económicas e ambientais, não resulta de uma opção das pessoas como por vezes se quer fazer crer, mas antes de uma imposição por falta de alternativa em transporte público. Note-se que, segundo o inquérito efectuado na A. M. L. aos transportes regulares, resulta que dos 3,6 milhões de deslocações diárias, apenas 1,4 milhões são efectuadas em transportes públicos, isto é, 38%, numa área metropolitana onde 35,5% das famílias não têm automóvel.
Entretanto, a segurança dos transportes rodoviários foi ignorada. As empresas privadas têm vendido o património que pertenceu à Rodoviária Nacional, mas para renovação de frota adquirem autocarros usados, que já ultrapassaram o seu período de vida útil nos países de origem, isto é: autocarros com média de 10 anos de idade. Autocarros que facilmente passam nas inspecções periódicas obrigatórias, porque os centros de inspecção são por vezes pertença do mesmo grupo económico do transportador e chegam a funcionar nas suas próprias instalações (como o centro de Azeitão nas instalações dos T. S. T.).
Temos assim uma frota com idade média de 16 anos, onde várias dezenas têm mesmo mais de 20 anos, apoiadas por oficinas que foram reduzidas em meios técnicos e humanos perdendo capacidade para responder às necessidades de manutenção. Sucedem-se as avarias em serviço e o não cumprimento de horários, sem o menor respeito pelos utentes. Sucedem-se os acidentes por deficiência mecânica, por vezes com mortes a lamentar.
Estas são as consequências da privatização do sector, sem a definição de regras de prestação de serviço público e sem regulação da actividade.
Senhor Presidente
Senhor Ministro e Senhores Secretários de Estado
Senhoras e Senhores Deputados
A política de transportes deste Governo não serve o país nem as pessoas.
Uma política para os transportes ao serviço do desenvolvimento económico e social que promova a melhoria da qualidade de via das populações, uma política de esquerda, é necessária para o país.
Disse.