Intervenção do Deputado
Joaquim Matias

Segurança rodoviária e combate à sinistralidade

15 de Março de 2001


Senhor Presidente
Senhores Deputados

A sinistralidade rodoviária em Portugal não pode deixar ninguém indiferente. A quantidade e gravidade dos acidentes são de tal forma elevadas que se torna verdadeiramente arrepiante pensar na frequência com que se morre na estrada sem culpa e sem perceber porquê. Esta situação exige naturalmente reforço da segurança rodoviária, medidas de prevenção e combate à sinistralidade em campanhas nacionais urgentes, medidas necessárias e complementares que se impõe tomar. Para o PCP o debate que estamos hoje a travar é indispensável e sempre oportuno.

Saudamos pois as iniciativas apresentadas, independentemente de podermos considerar uma ou outra mais adequada ou menos oportuna, sobretudo na abordagem da questão, nos métodos e medidas preconizadas, na nossa opinião, incompletas nuns casos, noutros pecando por excesso e desproporção das acções preconizadas.

A gravidade da situação actual é, no entanto, de tal ordem que importa considerar e ponderar todas as opiniões como contributos desejáveis para encontrar os melhores caminhos e soluções passíveis de implementação imediata a curto e a médio prazo.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A prevenção da sinistralidade e a segurança rodoviárias exigem a disponibilização de mais recursos, mas obrigam à sua gestão criteriosa. Não é admissível desperdiçar meios que, antes de mais, podem salvar vidas mas causam ainda a jusante gastos relevantes na saúde e danos sociais significativos e irreversíveis.

O projecto de resolução do PS é, a nosso ver, redutor no diagnóstico das causas de sinistralidade rodoviária: condução sob o efeito de álcool, excesso de velocidade e manobras perigosas. Pensamos que não é correcto, mesmo ao partido do Governo, e que para o defender em todas as circunstâncias evite falar dos seus pontos fracos, deixar de referir o estado de degradação de muitas vias, a perigosidade de certos traçados e a deficiente ou mesmo incorrecta sinalização.

Outros projectos apontam para a multiplicidade das causas, posição com que concordamos e referimos que também o estado de manutenção de alguns veículos, a formação dos condutores e o seu civismo, a falta de fiscalização, não necessariamente repressiva, sobretudo a dissuasiva, a formativa e a informativa, e mais do que tudo, a conjugação e concorrência de várias, por vezes muitas, destas causas que, em simultâneo, potencializam os efeitos de cada uma de " per si".

Ao apontar na exposição de motivos como medidas do Governo neste campo apenas resoluções genéricas de combate ao alcoolismo, referindo que é preciso mais, faz uma justa crítica implícita, que nós neste debate não queremos deixar de explicitar, à actuação, ou melhor, à não contribuição para o reforço da segurança da actividade de uma tal fundação para a prevenção rodoviária.

Quanto à resolução em si deveria ser mais cuidadosa ao pronunciar-se a favor da adopção urgente (sem especificar por quem) de medidas, algumas das quais são meros enunciados a que não é possível dar um cheque em branco sem a especificação do conteúdo, designadamente quando se trata de medidas de alteração do código penal, competência desta Assembleia, e que naturalmente cabe aos próprios deputados proponentes especificar e propor para debate.

Finalmente, quanto à última parte, que é "de facto" uma deliberação para que a Assembleia promova um conjunto de audições em sede das comissões especializadas com vista ao estudo e debate sobre as causas da sinistralidade e mobilização da sociedade para segurança rodoviária, damos o nosso acordo!

Também garantimos desde já a nossa contribuição empenhada para ouvir todas as entidades necessárias, sem qualquer tipo de restrições, incluindo naturalmente os membros do Governo que definem as opções políticas e os executantes da conservação e exploração da rede rodoviária, avaliando a eficiência da prestação desse serviço público. Nas estradas, como noutras áreas, o terminar de qualquer forma com serviços que têm a seu cargo a manutenção e conservação de sistemas na óptica de garantir a qualidade de utilização de serviços, e a atribuição dessas funções a entidades de direito privado, conduz necessariamente à sobreposição da importância dos resultados económicos sobre a qualidade e a garantia da defesa dos interesses populares.

Não é aceitável, por exemplo, que ainda não se tenha avançado decididamente na protecção dos prumos dos resguardos das auto-estradas em benefício dos motociclistas enquanto a empresa concessionária da exploração das auto-estradas regista elevados lucros.

Também os responsáveis pelas causas que levam a que se importem, incluindo para o transporte de quantidades elevadas de passageiros, veículos que já ultrapassaram nos seus países de origem o tempo de vida útil e igualmente se ouçam os técnicos de inspecção de veículos, serviço que, segundo as últimas normas de classificação de centros, poderá transformar estes em meros centros de negócio, com prejuízo da sua função certificadora, e criar ilegítimas pressões sobre os técnicos empenhados, com ameaça de precariedade do seu posto de trabalho.

De igual forma, quer o ensino de condução quer as licenças para transporte de passageiros e especiais, actividades onde a formação permanente e as exigências físicas e emocionais são indispensáveis para os profissionais do sector, é com este sentido que devem ser resolvidas e não como às vezes se pretende, por cedência aos interesses das associações patronais do sector, utilizar a formação como forma de precarizar o trabalho o que, na prática, se traduziria na degradação da qualidade da actividade, ao contrário do pretendido.

O projecto de resolução apresentado pelo CDS/PP é "de facto" um projecto de deliberação que nos parece demasiado ambicioso no que se refere ao aprofundamento do estudo que propõe que esta Assembleia elabore, tendo em conta inclusivamente os meios de que dispomos para levantamento de situações técnicas de conservação e segurança, qualidades de ensino e de inspecção. Entendemos contudo que se refere apenas a trabalho parlamentar a executar sobre dados fornecidos pelo Governo e organismos do Estado, complementados com audições de especialistas.

Por outro lado, a complexidade de uma tarefa destas, necessariamente de médio prazo, não deverá ser impeditiva de iniciativas legislativas e de recomendações imediatas, na nossa opinião indispensáveis, embora compatíveis com os objectivos a atingir, no sentido de que o caminho se faz caminhando e a orientação de destino final não prejudica, antes ajuda, à segurança de direcção dos primeiros passos.

Também entendemos que muitos procedimentos e normas devem ser avaliados incluindo os limites de velocidade estabelecidos, não apenas porque há especialistas que argumentam com valores diferentes e diferenciados com o tipo de veículo e condições climatéricas, mas até porque é no mínimo dificilmente compreensível o sentimento generalizado de que a sanção quando existe não resultou de uma infracção fortuita ou acidental mas, pelo contrário, fortuito ou acidental foi a inspecção porque a infracção é permanente.

O Projecto do PSD é de facto uma recomendação ao Governo sob um conjunto numeroso de medidas de segurança activa e passiva, que são no essencial correctas. A sua quantidade, sem qualquer definição de prioridades, dificultará necessariamente a sua avaliação, mas merecem o nosso acordo muito embora, pelo que já dissemos e tendo em conta os projectos de deliberação existentes, preferíamos um projecto de resolução mais preciso nas prioridades, mas também de mais fácil avaliação, resultante das audições a efectuar pela Assembleia.

Quanto ao projecto de resolução do Bloco de esquerda, referindo embora a multiplicidade de causas da sinistralidade, privilegia apenas medidas de combate a duas:

O que chama incúria, irresponsabilidade e inépcia dos condutores e estado da rede viária nas vertentes de concepção e manutenção.

Propõe um programa nacional de urgência sobre Segurança Rodoviária, citando uma petição entrada na Assembleia e adoptando algumas das suas propostas, a nosso ver, com algum exagero. Reconhecendo nós a importância e a oportunidade dessa petição, pensamos que comparar um acidente rodoviário com prática de homicídio "tout court", para além do já previsto no código penal, é um pouco forçado e parece excessivo introduzir a figura de crime rodoviário e aplicá-lo "a órgãos da administração central ou local que não garantam a adequada instalação de sinalização rodoviária nos centros urbanos......., etc., por forma a defender o direito à vida e integridade dos cidadãos quando circulem a pé..."

Isto é, se um conjunto de moradores num prédio entenderem que à sua porta deveria existir uma passadeira de peões de forma a defender a sua integridade física porque é o local onde atravessam a rua e não 20 metros acima onde tecnicamente foi localizada e colocada, poderão acusar o Presidente da Câmara de prática de crime rodoviário.

Por outro lado, não compreendemos que, reconhecendo a necessidade da Assembleia da República legislar sobre alterações ao código penal, não avance com a proposta dessas alterações e recomende ao Governo que o faça, quando este não tem competência para tal sem a correspondente autorização legislativa conferida pela Assembleia.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Todos nós, portugueses, temos dado nas mais diferentes, e por vezes difíceis situações, provas de grande maturidade e civismo exemplar. Não deixa pois de ser dificilmente compreensível a forma como nos comportamos na circulação rodoviária.

Para o PCP é indispensável que as medidas que venham a ser adoptadas resultem de um amplo debate aberto à participação popular e que a sua implementação seja associada a uma grande campanha dirigida ao brio cívico dos portugueses enquanto automobilistas. Também uma grande campanha cívica de fiscalização do cumprimento das leis no sentido da defesa dos direitos de cidadania.

Estamos seguros que haverá resposta positiva a tal apelo.

Disse.