Intervenção do Deputado
Joaquim Matias
Projecto de Lei nº 316/VIII, que confirma o passe
inter-modal
como títulos nos transportes colectivos de passageiros
e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas.
4 de Janeiro de 2001
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Um sistema tarifário é sempre uma parte integrante e indissociável
de uma política de transportes públicos. Assim, o nosso projecto
de lei, que confirma o passe social como título universal de transportes
e alarga o âmbito das suas coroas a todo o território da Área
Metropolitana de Lisboa, deve ser entendido como uma medida que visa antes de
mais contribuir para uma política que promova a utilização
destes transportes.
Não é a única medida que pode e deve ser tomada com este
objectivo, mas é seguramente uma medida decisiva e indispensável.
O passe social inter-modal com uma utilização de 4.100.000 unidades
por ano, sem dúvida o título de transporte mais utilizado na região
de Lisboa, criado em 1976, fruto de transformações sociais com
origem no 25 de Abril de 1974, constituiu na altura um factor de inegável
justiça social e, simultaneamente, de promoção dos transportes
públicos.
As famílias, e em particular as de menores recursos, viram reduzidos
e limitados os gastos fixos com os transportes do seu agregado. A mobilidade
das populações aumentou o seu acesso à participação
social e ao usufruto das actividades lúdicas e culturais sem custos adicionais.
Enquanto, por outro lado, as empresas de transporte público melhoraram
a sua rentabilidade obtendo mais passageiros transportados por captação
de novos utentes, melhor taxa de ocupação da frota e maior velocidade
comercial.
Entretanto, a privatização de empresas públicas de transportes
ou o seu desmantelamento com vista à criação de sectores
rentáveis para os entregar posteriormente à exploração
privada proporcionaram chorudos negócios e nem sequer foi garantida a
obrigatoriedade para estas empresas de prestação de serviços
públicos mínimos, nem da aceitação do passe social.
Orientadas exclusivamente pelo lucro, as empresas de transporte público
acabaram pura e simplesmente com todas as carreiras que na sua óptica
não davam a rentabilidade pretendida, proibiram o uso dos passes, deixando
isoladas totalmente ou em grande parte do dia importantes aglomerados populacionais
que só passaram a poder recorrer ao transporte individual.
Novas e importantes infraestruturas colocadas à disposição
desses novos operadores, como a travessia ferroviária do Tejo, não
estão a ser exploradas como parte integrante da malha metropolitana de
transportes com o objectivo de melhorar qualitativamente o conjunto e captar
passageiros para o transporte público, seguindo antes uma orientação
de linha individual alternativa às carreiras rodoviárias que foram
suprimidas e às travessias fluviais cujos acessos foram prejudicados.
Mais de uma centena de passes diferentes foram criados na Área Metropolitana
de Lisboa. Válidos só na cidade de Lisboa, por combinação
de vários operadores, existem 58 passes diferentes, o que diz bem das
restrições impostas à mobilidade das populações
e da falta de complementaridade entre os diferentes modos de transporte.
O custo do passe social aumentou em comparação com o salário
mínimo nacional. O passe L123 representa actualmente 11,3% do valor do
salário mínimo quando em 1980 representava 8,67%, isto é,
mais 30,3%.
O passe não acompanhou o movimento centrípeto das populações
habitando cada vez mais na periferia. Enquanto o passe L, válido só
na cidade de Lisboa, reduziu a mais de metade o seu peso específico,
o passe L123 para as zonas mais afastadas quase duplicou. Globalmente, no entanto,
perdeu 1.400.000 utentes.
Segundo o inquérito à mobilidade na Área Metropolitana
de Lisboa geram-se diariamente 3.629.000 viagens motorizadas por dia, sendo
2.250.000 efectuadas em transporte individual e apenas 38% são efectuadas
por transporte público, isto numa área metropolitana onde 35,5%
das famílias não têm automóvel.
Os espaços urbanos foram invadidos por automóveis degradando até
aos limites do insuportável a qualidade de vida das populações.
A produção de gases que contribuem para o efeito de estufa não
pára de aumentar e o peso das emissões produzidas pelos escapes
dos automóveis continua a crescer rondando já os 80%, no sentido
contrário aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado português
nesta matéria, designadamente na assinatura do protocolo de Quioto.
No entanto, a melhoria dos transportes públicos, que é urgente
e indispensável, depende essencialmente da vontade política. Já
hoje, e sem minimizar a importância de infraestruturas fundamentais cuja
realização está ainda em curso ou simplesmente planeadas
como a expansão do Metro, uma nova travessia do Tejo com componente ferroviária,
o Metro Sul Tejo ou a conclusão da CRIL e da CRIPS, já hoje, dizia,
é possível com um maior aproveitamento das infraestruturas existentes
melhorar substancialmente os transportes públicos na Área Metropolitana
de Lisboa.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Passados 24 anos após a sua criação, o passe social inter-modal
necessita de uma remodelação para continuar a cumprir os objectivos
iniciais ainda válidos na diferente situação actual. A
promoção e o desenvolvimento do passe social são indissociáveis
da promoção e desenvolvimento do próprio serviço
público de transportes colectivos.
O presente projecto de lei trará benefícios directos para as populações
da Área Metropolitana de Lisboa e contribuirá decisivamente para
uma correcta política de transportes públicos:
1.
Reforça o âmbito do passe social tornando o seu uso universal,
isto é, válido em todos os percursos efectuados por empresas públicas
ou privadas, escolhendo os utentes livremente o modo de transporte e o percurso
que mais lhes convém, sem custos adicionais.
2. Alarga a área do passe social às populações
que usam diariamente os transportes da região de Lisboa e que actualmente
têm que fazer parte do percurso com outro título, com aumento do
custo de transporte. Como é o caso das populações de Cascais,
Sintra, Loures, Vila Franca de Xira, Alenquer, Azambuja, Samora Correia, Moita,
Montijo, Alcochete, Palmela, Setúbal e Sesimbra. O passe social passará
a servir uma população de aproximadamente 2.300.000 pessoas, mais
700.000 (44%) do que actualmente.
3. Reduz os gastos das famílias com transportes, contrariando
os aumentos brutais dos custos do passe que, ao longo dos últimos anos,
se têm verificado. 62,5% da população servida com o passe
actual beneficiará directamente de redução de custos por
alargamento das coroas actuais. Valor que será largamente compensado
com o aumento previsível de passageiros para o sistema.
4. Responsabiliza o Governo pela distribuição de receitas
e impõe um critério claro desta distribuição, acabando
com a situação actual que vem constituindo um escandaloso financiamento
de alguns operadores privados através do passe social. Somam umas largas
centenas de milhares de contos por ano, as verbas do passe que pertencendo a
empresas públicas como o Metro, a Carris, a Transtejo, etc., são
indevidamente dadas aos operadores privados, como a Rodoviária de Lisboa
e os Transportes Sul do Tejo.
5. Melhora a qualidade do transporte, pois sendo a distribuição
de receitas proporcional aos passageiros, todas as empresas públicas
ou privadas terão que melhorar a qualidade de oferta como forma de atrair
mais passageiros.
6. Compensa as empresas dos serviços sociais que prestam através
da introdução da indemnização compensatória,
numa lógica de rede, que terá necessariamente em conta os ganhos
globais do sistema.
7. Contribui para a aplicação de uma política correcta
de transportes públicos, a qual nunca poderá existir sem um correspondente
sistema tarifário adequado.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Recentemente discutimos nesta Assembleia a promoção da utilização
do transporte público na sequência do dia sem carros em 22 de Setembro.
Todos os deputados concordaram com a necessidade de nos empenharmos nesta tarefa
prioritária de melhorar os transportes públicos. Por iniciativa
dos deputados do Partido Socialista foi aprovado um projecto de resolução
que recomendava ao Governo o reforço de medidas de promoção
dos transportes colectivos especificando inclusivamente a criação
de títulos de transporte multimodais. Também o senhor Ministro
anunciou a criação de um bilhete inter-modal como o experimentado
no dia sem carros.
Eis aqui pois um projecto de lei que é indiscutivelmente uma contribuição
para a promoção e incentivo da utilização do transporte
público que esperamos ver apoiado pelos outros partidos no sentido de
instituirmos não o dia sem carros mas todos os dias com menos carros
e mais e melhor transportes públicos.
Disse.