Governo quer piorar as leis laborais
Declaração de Jerónimo de Sousa na Conferência
de Imprensa do PCP
1 de Junho de 1998
O Governo PS pretende alterar radicalmente importantes leis do trabalho e o
sistema de Segurança Social. Procura assim corresponder às imposições da
Moeda Única, de uma nova flexibilização do mercado da força de trabalho. Em
particular, facilitar a contenção / redução do nível salarial dos trabalhadores
portugueses, identificado (no estudo encomendado pelo Ministério das Finanças
à Universidade Nova sobre os impactos do Euro), como a principal variável de
ajustamento da economia portuguesa no quadro apertado da União Económica e Monetária.
Procura dar satisfação às exigências de banqueiros e grandes patrões, reafirmadas
em recente convívio, que contou com a presença do primeiro-ministro e metade
do elenco do Governo.
Em contradição com os seus apelos à estabilidade social em nome do êxito e da
imagem da Expo'98, o Governo avança com essas propostas de alteração, tentando
jogar com a distracção da opinião pública e dos trabalhadores, com aquele evento
e com o referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. O executivo de
António Guterres assume a grave responsabilidade de querer legitimar, acolhendo
em lei, as práticas injustas e violadoras do direito ao trabalho que proliferam
nas empresas e no sector bancário.
Numa linha de desregulamentação e precarização geral, as propostas do Governo
visam, como alvo principal, os jovens trabalhadores, procurando impedi-los de
usufruir do direito à segurança no emprego, a horários e salários justos, às
férias, à evolução da carreira profissional e à plenitude do direito à Segurança
Social, direitos que foram conquistados por outras gerações e consagradas na
Lei Fundamental.
Mudando de estilo em relação ao Governo de Cavaco Silva, com os seus célebres
pacotes laborais por atacado, o Governo PS quer alterar a legislação por doses
com uma outra medida avulsa de limitado conteúdo positivo.
É eticamente condenável e socialmente inaceitável que o Governo, mesmo no plano
mediático, tenha posto o acento tónico nessas medidas avulsas e conscientemente
tenham sonegado a informação sobre as peças mais gravosas que o Governo já propôs
ou já anunciou que vai propor nos próximos dois meses.
Ou seja: sob o chapéu genérico e equívoco da flexibilidade, da necessidade do
aumento da competitividade e até da solidariedade, propagandeando tal ou tal
medida positiva, procede-se ao silenciamento absoluto sobre peças de grande
calibre e lesivas dos interesses e direitos dos trabalhadores, com destaque
para trabalho a tempo parcial, o novo e restrito conceito de retribuição, das
profissões, a alteração ao Lay-Off, ao regime de férias, dos contratos a prazo,
do trabalho nocturno.
Se recuarmos ao passado recente, lembremo-nos de quantas lutas, quantos sacrifícios,
quanta determinação não teve de haver por parte dos trabalhadores para impedir
que fosse subvertido o conceito de horário de trabalho. Com estas propostas
os trabalhadores vão ter de lutar para defender outros pilares do direito do
trabalho expressos em conceitos: Emprego; Salário; Profissão e Férias.
Com a Proposta de Lei sobre trabalho a tempo parcial, o Governo não só não responde
à necessária regulamentação e atribuição de direitos às dezenas de milhar de
trabalhadores que laboram nas grandes superfícies do comércio e na área de serviços,
que sob a falsa capa de trabalho a tempo parcial trabalham muitas horas, ganham
pouco e poucos direitos têm; como procura colocar a lei em conformidade com
as práticas abusivas.
Procura instituir a passagem de trabalhadores efectivos para o trabalho a tempo
parcial. Hipocritamente, proclama o princípio da solidariedade de partilha do
emprego entre os que o têm e os que estão desempregados, com a consequente redução
dos salários.
A solidariedade não chega à partilha do lucro. Pelo contrário, não só o lucro
fica intocável, como qualquer entidade patronal que admita trabalhadores a tempo
parcial recebe privilégios fiscais que podem ir até 50% de redução nas contribuições.
Em causa ficaria o conceito de emprego e o direito à segurança no emprego, consagrado
na Constituição.
Empresas haveriam que levando ao extremo a aplicação da Lei, teriam todos os
trabalhadores a tempo parcial.
Não deixa de ser significativo que a CIP, em sede de Concertação Social, tenha
emitido o parecer mais sumário desde a sua existência: "a CIP está de acordo
com a proposta do Governo".
A par da descaracterização do conceito do emprego e da sua substituição por
uma coisa denominada "empregabilidade", neste primeiro lote o Governo propõe-se
alterar o conceito de retribuição, para deixar de se considerar como parte integrante
as componentes variáveis, nomeadamente os prémios de assiduidade e empenhamento.
Aumentando a parte variável do salário e pondo em causa o carácter regular do
salário, a proposta visa reduzir os subsídios de férias e de Natal, o pagamento
de feriados, folgas e baixas. Reduzindo as prestações sociais, reduzir-se-ia
a base do cálculo das pensões de reforma.
Como terceira peça gravosa, com sentido preciso para ajudar a descapitalizar
a Segurança Social em benefício do patronato, mesmo nas situações de má gestão,
o Governo, em caso de aplicação do Lay-Off, quer pôr a Segurança Social a pagar
70% dos salários e baixar a percentagem a pagar pelas empresas.
Este fio condutor de descapitalização da Segurança Social está também vertido
na proposta do trabalho a tempo parcial e no novo conceito de retribuição. Só
com uma diferença: os trabalhadores descontariam menos, logo teriam menos direitos;
os patrões também descontariam menos, mas teriam mais benefícios.
Para diluir a crueza destas propostas, o Governo recorreu, para além de duas
directivas comunitárias, a medidas de acentuação das sanções e de protecção
mínima das grávidas, menores e deficientes na adaptabilidade do horário de trabalho.
Jogando e gerindo o calendário dos grandes eventos e acontecimentos mais imediatos,
seguir-se-ia uma nova dose de alterações priorizada pela alteração do regime
das férias e do trabalho nocturno, do período de vigência dos contratos a prazo
e do reconhecimento às organizações patronais do direito (que a Constituição
só reconhece às organizações dos trabalhadores) de participação na elaboração
da legislação laboral, a par de medidas que alterassem o conceito de profissão.
Pensa o Governo que nesta segunda dose é de conveniência intercalar mais uma
ou outra medida positiva que dê carácter difuso às medidas mais gravosas, designadamente
com a proposta de regulamentação da eleição de representantes dos trabalhadores
para as Comissões de Higiene e Segurança nos Locais de Trabalho.
São inaceitáveis as razões que o levam a querer alterar o direito a férias,
submetendo o direito à condição de assiduidade, penalizando particularmente
os jovens que agora ingressam no mercado de trabalho e as mulheres trabalhadoras.
Não há justificação nem razões técnicas, jurídicas, económicas e sociais que
o levam a propor o alargamento de vigência dos contratos a prazo de 3 para
4 anos, para trabalhadores que ocupam, de facto, postos de trabalho efectivo;
ou porque quer prejudicar os trabalhadores em regime de trabalho nocturno.
E não há fundamento nem razão para incorporar em lei o direito das associações
patronais de participação na elaboração da legislação laboral, direito que os
constituintes e a Constituição quiseram reconhecer exclusivamente às organizações
de trabalhadores.
O Governo PS não pode atirar a pedra e esconder a mão!
Claramente, não retirou nenhuma lição e ensinamento, quando no passado recente
o Governo PS aprovou a lei dos contratos a prazo, quando os executivos de Cavaco
Silva forçaram a aprovação do pacote laboral para facilitar os despedimentos
e retirar direitos individuais e colectivos aos trabalhadores. Tal como se recusa
a admitir e a entender as razões de fundo que levam os trabalhadores da Função
Pública, os professores, da Administração Local, os ferroviários, os trabalhadores
da Hotelaria, da Petrogal e da Dyrup, das empresas têxteis, a aderir à greve
e à luta na defesa de direitos.
A Comissão Política do PCP saúda as fortes movimentações dos trabalhadores realizadas
nas últimas semanas e apela à continuação da luta para que sejam rejeitadas
as graves alterações da legislação laboral.
O Partido Comunista Português quer afirmar que não poupará esforços para alertar
e consciencializar os trabalhadores sobre os objectivos, calendários e conteúdos
desta nova ofensiva desregulamentadora do direito do trabalho, apelando a que
se esclareçam e mobilizem para impedir que tudo isto passe como "cão por vinha
vindimada", apelando à posição solidária de todas as forças, homens e mulheres
de esquerda, que se identificam com as grandes causas sociais e considerem como
condição da democracia a existência, o exercício e a cidadania do direito, consubstanciados
no direito ao emprego, à carreira profissional, aos salários e horários dignificados.
A Comissão Política do PCP alerta particularmente os jovens trabalhadores, quantas
vezes condicionados pela procura e manutenção de um emprego, ainda que precário,
para que não aceitem e reajam à concepção deste Governo e destas propostas,
que visam criar condições para a existência de uma nova geração sem direitos,
que passará à geração adulta sujeita à precarização e à insegurança permanentes.
Reafirmamos a falsidade de se procurar dar cobertura às alterações propostas,
em nome de uma necessária "modernização" das relações laborais, que seria imposta
pelo progresso tecnológico e/ou reorganização dos processos de trabalho. Porque
se trata de facto, no quadro das opções económicas e políticas de direita do
Governo PS, e em particular a sua opção pelo primeiro pelotão da Moeda Única,
de garantir a rentabilidade financeira e as margens de lucro, que o grande capital
nacional e transnacional considera ser seu direito inalienável.
É para responder a estas propostas que brevemente apresentaremos um projecto-lei
que vise assegurar os direitos dos trabalhadores em mobilidade, no âmbito das
empresas desmembradas, uma iniciativa legislativa de combate ao trabalho infantil,
a reposição do projecto-lei da idade da reforma da mulheres para os 62 anos,
e a concretização em discussão e aprovação na especialidade dos projectos-lei
já aprovados na generalidade sobre as sanções por violação das leis laborais
e do fim da discriminação dos jovens na atribuição do salário mínimo nacional.
Neste dia da Marcha Global contra o Trabalho Infantil, a Comissão Política
do PCP saúda a sua realização e os seus objectivos e compromete-se, através
do seu Grupo Parlamentar, em concretizar a apresentação de um projecto-lei como
contribuição para garantir os direitos da criança.
O acolhimento que milhares de trabalhadores, em mais de 380 empresas, deram
já a esta fase da Campanha Nacional do PCP, transmitindo-nos preocupações e
aspirações, e apoiando as nossas propostas, constitui uma grande manifestação
de confiança sobre a possibilidade e a necessidade de valorizar o trabalho e
os trabalhadores, de defender e concretizar direitos!
Como Partido de luta e de proposta o PCP, na Assembleia da República, na sua
acção política geral, através do empenhamento combativo dos seus militantes
eleitos nas organizações de trabalhadores, não regateará esforços para suster
e corrigir estes objectivos legislativos do Governo e, simultaneamente, apresentar
propostas justas que correspondam às reivindicações e aspirações dos trabalhadores.