Declaração de Jorge Pires
da Comissão Política do PCP

Sobre legislação laboral e aumento de preços

31 de Julho de 2002

A Comissão Política do PCP, ao analisar a situação política e social, considera de extrema importância chamar à atenção dos trabalhadores e, em particular, às novas gerações de trabalhadores para a ofensiva que o Governo PSD/CDS-PP se prepara para desencadear no plano social e laboral.

1. O Governo PSD/CDS-PP apresentou na semana passada um anteprojecto de Código de Trabalho. Peça central do dito e mistificador Programa para a Produtividade e Crescimento, o referido pacote de legislação laboral significará, a ser aprovado, a destruição do actual edifício jurídico-laboral e conduzirá as relações de trabalho aos anos 30 do século passado.

São muitas e diversificadas as vozes, onde se incluem insuspeitos especialistas na área de Direito do Trabalho, que afirmam que o “Código do Trabalho” anunciado favorece objectivamente as empresas, aumenta a precariedade no emprego e retira direitos aos trabalhadores. Nós acrescentamos: o conjunto de propostas de alterações às leis laborais, a serem concretizadas, impedirão que as jovens gerações de trabalhadores recebam o legado de direitos que as gerações anteriores conquistaram com muita luta e sacrifícios.

Tem um claro e enorme significado que esta operação para reduzir ou eliminar direitos dos trabalhadores portugueses tenha surgido em clara articulação com as exigências pelo capital financeiro, as grandes seguradoras, as confederações patronais e a chantagem dos empresários alemães, ameaçando com o abandono e deslocalização das empresas aqui instaladas.

A Comissão Política do PCP considera que desta conjugação de intenções entre grande patronato e Governo ressalta um objectivo marcadamente ideológico que não se limita ao clássico “aperto do cinto aos trabalhadores” perante dificuldades económicas conjunturais. Trata-se de procurar desregulamentar quase sem limites o mercado de trabalho, considerar o desemprego como uma realidade estrutural e inelutável, atacar e fragilizar os sindicatos, eliminar direitos laborais essenciais em articulação com a forte redução dos sistemas públicos da Saúde e da Segurança Social, reduzindo-os a um papel marginal na vida dos portugueses.

A Comissão Política do PCP considera que os trabalhadores estão confrontados com a gravíssima tentativa de imposição da lógica ultra-liberal da competitividade transformada numa espécie de “bezerro de ouro”, entendida como valor supremo e objectivo último da vida económica e social, dando força de lei ao assalto a relações laborais e sociais que constituem um inestimável património histórico conquistado pelos trabalhadores.

O Governo PSD/CDS-PP cumpre à risca o que de forma rude afirmou o patrão dos patrões: “é a competitividade das empresas e não o bem-estar das pessoas que deve ser privilegiado”.

Deve salientar-se que o Governo procede, na tentativa de justificar as suas propostas, a uma abordagem da competitividade baseada numa tripla fraude. Em primeiro lugar porque a produtividade é apenas um dos factores da competitividade das empresas. Em segundo lugar porque o nível de produtividade depende fundamentalmente de outros elementos da vida das empresas que não o das relações laborais. Em terceiro lugar porque o mercado da força de trabalho português é já, contrariamente às afirmações das confederações patronais e do Governo, dos mais flexíveis e desregulamentados da Europa, como é infelizmente visível nas elevadas percentagens de trabalho precário (temporário) e na rápida reacção dos nossos salários aos níveis de procura de mão-de-obra, o que é reconhecido por estudos internacionais.

Reduzir, como faz mais uma vez o Governo, a competitividade à produtividade e esta à flexibilização laboral é colaborar com a gestão incompetente, a falta de capacidade de organização, a ausência de investimento em I&D e novas tecnologias, e a pouca audácia na qualificação de mão-de-obra e na inovação de produtos e serviços. O Governo “limpa-se” assim das suas próprias responsabilidades no desenvolvimento das infraestruturas de transporte, comunicações e logística, e na adequada regulação dos mercados de energia, financeiro e segurador, e apresenta-se como cúmplice da preguiça, má preparação técnica e ganância desmedida de algum do patronato português.

Quando se impunha uma opção de fundo na área do ensino e qualificação dos trabalhadores, na formação contínua que, actualmente, abrange apenas 3% dos trabalhadores no activo contra a média comunitária de 10%, quando é urgente e prioritário apostar no investimento em novas tecnologias, na investigação e desenvolvimento, na gestão e planeamento, na qualidade e inovação, o Governo opta, por razões de classe, por medidas retrógradas e reaccionárias.

Na floresta do denominado Projecto do Código do Trabalho, o núcleo duro das alterações visa:

- generalizar os contratos a prazo e eternizar a precariedade;
- facilitar os despedimentos sem justa causa e sobrepor mesmo a vontade dos patrões às decisões dos tribunais em caso de sentença favorável ao trabalhador, recusando a reintegração do mesmo na empresa e copiando assim o modelo Berlusconi, que conduziu a Itália a uma greve geral;
- ferir de morte o direito constitucional à contratação colectiva;
- reduzir os direitos constitucionais e legais das comissões de trabalhadores, tentando transformá-las num instrumento das empresas e contra o movimento sindical;
- atribuir à entidade patronal o poder discricionário de gerir e organizar o horário de trabalho e transformar o trabalhador em “pau para toda a obra”;
- subverter as garantias constitucionais do direito à greve, procurando manietar os trabalhadores e os sindicatos;
- reduzir os rendimentos dos trabalhadores pela diminuição do período do trabalho nocturno;
- cortar a retribuição dos trabalhadores candidatos a cargos públicos e promover o trabalho a tempo parcial.

Sublinhe-se e destaque-se: a aprovação de tal legislação provocaria uma brutal alteração da correlação de forças na empresa favorável ao patronato e teria consequências directas no nível salarial, na estabilidade do emprego e na capacidade de defesa dos seus direitos pelos trabalhadores.

Quando denunciamos o pacote legislativo contra os trabalhadores e apelamos ao seu combate pelos direitos adquiridos, não pode deixar de se referir as posições do PS sobre a matéria que facilitam os objectivos do Governo. Recorde-se a insistência, em período pré-eleitoral, na proposta de adaptação da legislação laboral para melhorar a competitividade das empresas, as preocupações dramáticas de Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso com o absentismo laboral e as posições, no mínimo ambíguas, na crítica ao pacote governamental. Seria bom que o PS se deixasse de hipócritas declarações para eleitor ver e esclarecesse qual o sentido da sua intervenção e voto, quando os projectos laborais da direita forem apresentados na Assembleia da República.

2. A Comissão Política do PCP chama a atenção para o facto destas medidas estarem a ser projectadas no tempo em que se processa a discussão e possível aprovação para Outubro da Lei de Bases da Segurança Social e da aprovação de medidas contra os trabalhadores da Administração Pública e são apresentadas no momento em que se anunciam novos e gravosos aumentos de preços de bens e serviços essenciais.

A Comissão Política denuncia e critica os novos aumentos, decididos pelo Governo, dos preços dos transportes públicos, o que representará no espaço dos primeiros 6 meses do ano um crescimento de cerca de 6% do custo dos passes sociais e a subida de quase 9% do preço dos transportes em geral. Igualmente a EPAL decidiu aumentar o preço da água de 3,6% em média, valor que pode atingir os 4,1% para os consumidores directos.

Medidas que se acrescentam à subida generalizada dos preços decorrente da alteração da taxa do IVA para muitos produtos em 2 pontos percentuais; o recente anúncio público pelo Ministro do Equipamento Social de que se vai começar a pagar portagens em vias onde hoje não se paga ou que estavam projectadas sem custos para os utentes (SCUT), como na CREL (Lisboa), IC24 (Porto),Via do Infante (Algarve) e em muitas outras (e contrariamente às promessas eleitorais de Durão Barroso, três dias antes das eleições de 17 de Março) e à notícia dada pela Sra. Ministra da Justiça de liberalização das taxas dos serviços dos notários, o que arrastará novos aumentos em cima dos feitos pelo anterior Governo/PS. Tudo junto dá uma avaliação da subida do custo de vida que a política de direita faz e vai fazer recair sobre os trabalhadores e a generalidade dos portugueses.

3. Neste contexto a dramatização feita pelo Governo das contas públicas em torno do défice orçamental imposto pelo Pacto de Estabilidade tem objectivos claros. Justificar as medidas injustas contra os trabalhadores e camadas médias da população. Justificar os cortes nas despesas públicas com a saúde, o ensino e a segurança social e as restrições nos investimentos em infraestruturas e obras públicas.

Conjunto de medidas e orientações que provocarão encerramento de empresas e o aumento do desemprego, o crescimento do número de trabalhadores com salários em atraso (como exemplo, só nos distritos de Lisboa e Setúbal são mais de 22.000, com uma dívida global de 126 milhões de euros – cerca de 26 milhões de contos) e o afastamento dos níveis de desenvolvimento da média da União Europeia. Nesta situação a simples admissão da ideia de que o País pode vir a ser multado em milhões de contos e deixar de receber os dinheiros do Fundo de Coesão mostra a aberração política, económica e social do Pacto de Estabilidade.

Consciente da inevitável resposta dos trabalhadores portugueses e do combate político que é exigido às forças democráticas, combate político a que o PCP não regateará esforços, o Governo escolhe o período das férias para galgar terreno.

Para o PCP coloca-se como tarefa incontornável a necessidade de alertar, esclarecer e mobilizar os trabalhadores a partir de agora e particularmente a partir do início de Setembro. A dimensão da ofensiva pode e deve ser sentida pela dimensão da luta. Os trabalhadores e as suas organizações, ultrapassando as manobras de diversão e a tremenda campanha ideológica que o Governo tem em curso, estão em condições e à altura de travar a luta que se impõe.

Por muito que o Sr. Primeiro Ministro mostre o seu desagrado, os comunistas estarão, como no passado, no exercício de todos os direitos constitucionais, na primeira linha da luta lado a lado com muitos outros cidadãos dos mais variados quadrantes políticos, contra as políticas ultra liberais deste governo.

Só esse combate permitirá saber se a direita e o grande capital conseguem legitimar o retrocesso social de muitas décadas ou se pela acção e luta dos trabalhadores e das forças de esquerda o trabalho com direitos continuará a constituir parte integrante do projecto de progresso e desenvolvimento consagrado na Constituição da República.