Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhores membros do Governo
O PCP, em Janeiro de 1997, apresentou um Projecto de Lei, com vista a alterar
"os montantes das coimas e multas resultantes de infracções a normas sobre
segurança, higiene e saúde no trabalho, trabalho de menores, discriminação em
função do sexo, duração do trabalho, trabalho suplementar, pausas e intervalos
de descanso, pagamento de retribuições e salário mínimo nacional", que
foi aprovado na generalidade, por unanimidade, em Fevereiro de 1998. O seu objectivo
é o de conseguir que as sanções pela violação de normas laborais deixem de constituir
um incentivo aos potenciais infractores, dado que os proveitos resultantes do
seu incumprimento (mesmo considerando só os económicos) são, em muitos casos,
superiores ao montante das coimas aplicáveis.
Não fora a apresentação desse projecto e não estaríamos a debater aqui, hoje
- embora com manifesto atraso - quatro Propostas de Lei do Governo, sobre a
mesma matéria.
De facto, foi durante a discussão na generalidade do Projecto de Lei n.º 269/VII,
do PCP, em 5 de Fevereiro de 1998 - mais de um ano após a sua apresentação -
que o Governo anunciou, com pompa e circunstância, ter preparado um texto visando
a alteração de montantes de coimas e o alargamento do regime de contra-ordenações
a matérias hoje excluídas do mesmo.
Entretanto, o Projecto de Lei do PCP ficou a aguardar na Comissão de Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, a sua discussão na especialidade, a efectuar
em conjunto com os diplomas que o Governo se comprometeu a apresentar.
Estamos agora - finalmente e já próximos do final do mandato do Governo - a
discutir a Proposta de Lei n.º 200/VII, que visa estabelecer um regime geral
das contra-ordenações laborais, e as Propostas de Lei nºs 236/VII, 248/VII e
254/VII, que visam desenvolver e concretizar tal regime, através da tipificação
e classificação dalgumas dessas contra-ordenações.
Senhor Presidente
Senhores Deputados,
Uma primeira e importante questão que estes diplomas levantam é a do equilíbrio
e da relação de um quadro normativo que comporta normas do chamado "ilícito
criminal de justiça", contravenções ou transgressões e o "ilícito de mera ordenação
social.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei que visa estabelecer o regime geral
das contra-ordenações laborais, o Governo defende que, e cito, "... com a
instituição do ilícito de mera ordenação social, afigura-se aconselhável a revisão
e gradual extinção das contravenções laborais, generalizando-se, sempre que
possível, o regime de contra-ordenações". Este entendimento é consagrado
no art.º 25.º do diploma.
O PCP, já na discussão do seu projecto, em Fevereiro do ano passado, referiu
que há muito defende a neocriminalização de condutas que violam direitos fundamentais
dos trabalhadores. E dávamos o exemplo de condutas como as relativas ao incumprimento
de normas de Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho, causadoras de mortes e
de graves sequelas físicas e psíquicas nos trabalhadores. Acrescentávamos ainda
que, de acordo com a importância do bem jurídico definido pela ordem axiológica
constitucional, se deve seguir o exemplo de outras legislações comparadas, como
a de Espanha, que enveredaram pela neocriminalização de algumas condutas violadoras
de direitos dos trabalhadores, como atentados dolosos à estabilidade no emprego,
aí se incluindo a contratação a termo, tráfico ilegal de mão de obra, além da
já citada violação das medidas de higiene e segurança no trabalho. Tal opção
potencia um grande efeito dissuasor, pois os destinatários são muito sensíveis
à privação da liberdade e à perda do status com que se relaciona a eficácia
intimidatória da prisão, ainda que de curta duração, sendo por isso a sanção
mais temida pelos delinquentes de colarinho branco.
Dentre os autores nacionais que vêm fazendo doutrina sobre esta matéria, alguns
há que defendem, nomeadamente, uma sanção especial, como existe no direito francês,
para o delito de obstrução à actividade sindical, cada vez mais comum nas empresas
do nosso país.
Porém, quer a proposta do regime geral, quer as outras três, que o desenvolvem
e concretizam, apresentam uma sobrevalorização do ilícito de mera ordenação
social, e não vão ao encontro das preocupações que acabámos de expor, apesar
de darem uma resposta - atrasada e tímida, aliás - à imperiosa necessidade de
actualizar as coimas e encontrar um mecanismo futuro para a sua actualização
automática.
Por isso, esta matéria impõe a necessidade de uma profunda e ponderada reflexão,
na especialidade.
Porque, se muitas normas jus-laborais estabelecem meros deveres para com a administração
e o seu incumprimento não lesa bens jurídicos fundamentais, outras há destinadas
exactamente a defender esses bens - seja no âmbito dos direitos, liberdades
e garantias, seja no dos direitos sociais, constitucionalmente consagrados.
E estas normas devem ter uma tutela penal.
Mas há outras questões a merecerem críticas e correcções.
Ainda no diploma sobre o regime geral e apesar de estar pendente nesta Assembleia
uma alteração ao Código do Processo de Trabalho, nada impede que se consagre,
desde já, a legitimidade das associações sindicais se poderem constituir como
assistentes no respectivo processo, como propomos no nosso projecto de lei.
Sobre a actualização das coimas, não se entende porque se propõe apenas a sua
actualização de três em três anos. Que justificação pode ser dada para não o
fazer anualmente, como é regra em quase tudo, com base na taxa média de inflação
verificada no final do ano anterior, de acordo com o índice de preços no consumidor
do INE ? Àcerca deste diploma, vamos referir mais três aspectos.
O primeiro, para dizer que a formulação da norma que respeita ao dolo representa
um claro e injustificado recuo do Governo, face a um anterior projecto, onde
se presumia "...a existência de dolo se o infractor agir com desrespeito
das medidas recomendadas no auto de advertência". Agora, propõe-se que
o mesmo desrespeito apenas seja "ponderado .. designadamente para efeitos
de verificação da existência de conduta dolosa".
Um eufemismo certamente muito agradável ... para os infractores.
O segundo aspecto tem a ver com o conceito de reincidência.
Já havíamos sido confrontados com o Governo a decretar que parte da noite pode
ser dia !
Agora, o Governo quer decretar que a reincidência só o é, nos casos de repetição
de infracções graves com dolo ou muito graves. A repetição de infracções graves
ou leves não é reincidência ! O que será?...
É certamente de grande utilidade para todos nós, que o Governo publique um decreto-lei,
tendo em anexo um dicionário PS de governês.
O terceiro aspecto, para constatar que o Governo deixa de ser peremptório nas
opções, quando isso é susceptível de beneficiar o infractor.
Assim, na violação de normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, os
valores máximos das coimas não são elevados para o dobro ..."podem ser".
O mesmo se passa na aplicação de sanções acessórias: a lei não determina ..."pode
determinar".
Senhor Presidente
Senhores Deputados
As outras três propostas de lei, que desenvolvem e concretizam o regime geral
das contra-ordenações laborais, através da sua tipificação e classificação,
são assim justificadas, na exposição de motivos da primeira (n.º 236/VII):