Regime jurídico do trabalho a tempo parcial e incentivos à sua dinamização
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
7 de Abril de 1999

 

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Um dos aspectos mais regressivos da actuação do Governo do PS tem sido a sua pretensão de alterar radicalmente núcleos fundamentais do direito laboral, numa linha de desregulamentação e precarização, tendo como alvo principal os jovens trabalhadores. Visando impedi-los de usufruir, na sua plenitude, o direito à segurança no emprego, a horários e salários justos, às férias, à garantia plena da Segurança Social. Pondo em causa direitos essenciais conquistados pela luta de gerações de trabalhadores e que, irrecusavelmente, tiveram legítima e aplaudida consagração na Constituição de 1976.

Neste quadro global, a proposta de lei 202/VII, que hoje debatemos, e que se propõe "definir o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelecer incentivos à sua dinamização", constitui, provavelmente, a peça mais gravosa do conjunto de propostas de alteração à legislação laboral remanescentes do denominado e descredibilizado "Acordo de Concertação Estratégica". Ou melhor, de inexplicados e inaceitáveis compromissos do Governo e do Primeiro-Ministro com o patronato socialmente mais retrógrado da sociedade portuguesa.

Com esta proposta de lei, o Governo não pretende responder, como se impunha, à necessária regulamentação e atribuição de direitos às dezenas de milhar de trabalhadores que laboram nas grandes superfícies comerciais e outras áreas do sector de serviços e que, sob a falsa capa de trabalho a tempo parcial, trabalham muitas horas, ganham pouco e direitos quase não têm.

Pelo contrário, esta proposta de lei pretende adequar a lei às práticas ilegais, abusivas e inaceitáveis. Procura instituir a via legal da passagem de trabalhadores a tempo completo para trabalhadores a tempo parcial. Sofisticamente, proclama o princípio, caro ao grande capital, da solidariedade na partilha do emprego entre os que o têm e os que estão no desemprego, com a consequente redução dos salários de todos eles.

Sejamos claros e directos. Esta proposta de lei,

No momento em que no país pioneiro na sua aplicação (os Estados Unidos da América) vozes insuspeitas de sociólogos consideram o regime de trabalho a tempo parcial como forma de "trabalhar empobrecendo"; quando em países europeus se levantam protestos generalizados perante os efeitos sociais desastrosos que tais vínculos laborais provocam; o Governo do PS quer ir mais longe que todos os outros governos, incluindo o de Aznar, que remeteu a questão para a sede da Contratação Colectiva.

O Governo quer ir mais longe neste país de baixos salários, em que se verifica uma crescente precarização que atinge mais de um milhão de trabalhadores, num quadro de violação sistemática dos mais elementares direitos do trabalho em centenas de empresas.

Para que não haja dúvidas, queremos deixar claro que sabemos da existência, actualmente, de cerca de 150 mil trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial ... sendo mais de 2/3 mulheres. E que encaramos com naturalidade a existência de situações de excepção que resultem deste regime. Porém, a questão não está aí! O problema, o nó da questão, é que o Governo quer transformar a excepção em regra, chegando ao cúmulo de considerar os contratos colectivos e as normas livremente negociadas entre as partes como empecilho que é necessário eliminar, e de defender a concepção abstrusa de penalizar quem admita trabalhadores a tempo completo, já que as benesses e isenções seriam para os patrões que admitissem tão-só trabalhadores a tempo parcial.

Sem prejuízo do debate na especialidade, que naturalmente o PSD e o PP viabilizarão na linha do aplauso incontido da CIP, importa hoje e agora deixar claro o que estamos a discutir.

No seu artigo 1º - nº1, a noção de trabalho a tempo parcial tem como limite a duração normal do trabalho, isto é, tanto permite um horário de trabalho de 15 ou 25 horas ... como de 39 horas semanais.

No seu artigo 4º - nº1, põe em causa o Sábado e o Domingo como dias normais e sociais de descanso, deixando ao patronato o livre arbítrio da organização do tempo de trabalho. Consagra o trabalho a tempo parcial flexível num horário calculado num período médio de 4 meses, o que permite horários diários e semanais superiores ao horário de trabalho normal em períodos determinados; e permite (no artigo 4º - nº3) a realização de trabalho extraordinário até ao limite de 200 horas anuais.

De mãos largas e à custa da Segurança Social, a proposta do Governo atribui incentivos às empresas que admitam trabalhadores a tempo parcial (para partilha de posto de trabalho – artigo 8º; ou para a criação de posto de trabalho – artigo 9º) que podem ir de isenção de contribuição para a Segurança Social (no caso de contratação de jovens à procura do primeiro emprego ou desempregado de longa duração com contrato parcial sem termo) até uma redução da taxa contributiva (no caso de contratação por contrato parcial a termo, de trabalhadores não jovens à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração).

E, Sr. Presidente e Senhores Deputados, não vá alguém alegar dúvidas sobre o nó górdio desta proposta de lei, impõe-se ler, na integra, o seu último artigo: "A liberdade de celebração de contratos a tempo parcial não pode ser excluída por aplicação de disposições constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho vigentes na data de entrada em vigor deste diploma. Serão apreciadas e sempre que possível eliminadas da contratação colectiva as disposições que dificultam ou limitam o acesso ao trabalho a tempo parcial".

Assim, sem mais nem menos, o Governo dos alegados diálogo e negociação coloca-se no triste papel de fazer por lei imperativa o que o grande patronato não consegue impor nas empresas e na contratação colectiva.

Tal proposta, articulada com outras que constituem o núcleo duro da panóplia de alterações à legislação laboral, designadamente do conceito de retribuição, das férias, do trabalho nocturno, do lay-off, coloca o Governo PS perante a grave responsabilidade de, mais uma vez, tal como fez com a lei dos contratos a prazo, criar condições para minar e desregulamentar importantes pilares do direito do trabalho e criar uma futura geração de trabalhadores precarizada, mais explorada e sem direitos. É obra ... para quem se reclama do apelido de socialista.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

O mundo do trabalho, os trabalhadores e as suas organizações representativas, já proclamaram o seu inequívoco NÃO a esta proposta de lei.

Fizeram-no expressamente nos 1500 pareceres de Organizações e Plenários de trabalhadores enviados à Assembleia da República, numa das maiores respostas a consultas públicas até hoje realizadas desde que entrou em vigor a lei de participação das organizações de trabalhadores na legislação laboral.

E mostraram-no, de forma expressiva, com a manifestação realizada no dia 25 de Março, a mais participada da última década, por convocação da CGTP-IN, em que dezenas de milhar de trabalhadoras e trabalhadores, num grito uníssono exigiram o abandono destes objectivos legislativos!

Naquelas vozes, nas suas palavras de ordem, para além da recusa do pacote laboral estava ali igualmente a determinação de continuar a lutar por Abril, cujo 25º aniversário nos preparamos para comemorar, por esse Abril que foi liberdade, mas também conquista e consagração do direito à segurança no emprego, a salários mais justos, a horários mais dignos, às férias, à Segurança Social, ao trabalho com direitos.

É com esta dimensão e inultrapassável determinação políticas que o PCP assume a sua total oposição a esta proposta de lei. Na Assembleia da República como fora dela, sobre isso não tenham o Governo e o Primeiro-Ministro a menor réstea de dúvida.

Disse.