Intervenção da
deputada Odete Santos

Alteração do regime de despedimentos colectivos

11 de Março de 1999



Senhor Presidente
Senhor Ministro do Trabalho
Senhores Deputados:

A operação do Governo Socialista destinada a continuar a subversão do Direito do Trabalho que construímos por força de Abril - depois de da operação piloto flexibilidade/polivalência - tem hoje início.

Calculada a estratégia o milímetro, o Governo não deixará de tentar disfarçar o núcleo duro da operação anti - laboral, mesclando-o com diplomas instrumentais, de duvidosa eficácia prática, questionado que seja o edifício substantivo do Direito Laboral.

Mas o Governo avança nesta estratégia em situação de evidentes dificuldades. Porque se avizinha o período pré - eleitoral. O período em que tudo deve ser preocupações sociais e rosas. O pulsar do coração do senhor Primeiro Ministro.

Mas por quem pulsa o coração?

Há um pulsar sentido pelo facto de a operação anti-laboral ter conhecido recuos, graças às lutas dos trabalhadores, e não se ter concluído a tempo de ser tentado o seu apagamento da memória dos atingidos.

E há um pulsar de coração doente, ainda que não definitivamente desvendado, de quem caminha de facto ao arrepio da história.

Porque o neoliberalismo é um recuo na marcha da Humanidade para o Progresso. Mas não é um beco sem saída.

Hoje, dirá o Governo, que discutimos tão só o reforço dos direitos dos trabalhadores nos processos de despedimento colectivo, e a consagração legal do que já vem sendo seguido, na prática - a intervenção das organizações patronais na elaboração da legislação laboral.

Mas este último diploma prova bem que o coração do Partido Socialista não pende para os trabalhadores. Pende para os compromissos que há muito estabeleceu com os representantes do neoliberalismo.

O Governo entende, como a proposta de lei 231 o revela claramente, que trabalhadores e patrões estão em igualdade, e que, por isso, os direitos que aqueles têm, devem ser concedidos aos segundos, para que, coitados, não se encontrem em desigualdade.

Esta é uma postura claramente retrógrada, a que, como já nos habituámos, em casos tais, talvez se chame de modernidade. Para tentar encobrir, com vestes novas, as receitas velhas do neoliberalismo que proclamando a liberdade de escolha, a liberdade da autonomia individual, equipara nos processos de decisão, aqueles que todos os dias se arriscam a ficar sem emprego - mas ficam empregáveis diz o Governo como consolo - e os outros, aqueles a quem o neoliberalismo conferiu força - que é transitória diz a história - para deixar à porta das empresas o direito de cidadania dos trabalhadores.

A recensão, nos últimos anos da inaplicabilidade, dentro da empresa, de normas de direito público do Direito do Trabalho, normas imperativas que fazem parte do Estado de Direito Democrático, provam o demissionismo do Poder Político, servindo os objectivos do Poder económico que se lhe agiganta na prossecução dos objectivos dos representantes de uma minoria de privilegiados que dita as regras no Conselho de Concertação Social.

No prolongado conflito que opôs trabalhadores, nomeadamente do Norte e do Centro do País, ao Governo do Partido Socialista, a respeito da lei da flexibilidade e Polivalência vimos que o Governo considerava as organizações patronais como os autênticos intérpretes da lei.

O que desde logo forneceu a indicação de que a participação dos trabalhadores na legislação do trabalho era menorizada pelo Governo, arrastando, em tal menorização, a própria Assembleia da República.

E a proposta de lei 231 é a prova acabada de que o Governo não sabe ler o texto constitucional.

De que o Governo tem pena de que apenas esteja consagrado na Constituição, como um direito fundamental dos trabalhadores, e não também para as entidades patronais, o direito a participar na elaboração da legislação do trabalho.

Colmatando o facto de se ter visto forçado a recusar na Revisão Constitucional, o conteúdo da Proposta de lei, para esconder a face real do programa socialista para o mundo do trabalho, o Governo vem agora retomar a proposta rejeitada, deitando mais uma acha no enfraquecimento do Direito do Trabalho, como Direito destinado ao favorecimento da parte mais fraca da relação laboral - o trabalhador.

O direito fundamental consagrado na Constituição para as Associações Sindicais, Comissões de Trabalhadores e Organismos Representativos dos Trabalhadores de participar na elaboração da legislação do trabalho faz parte dos Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores - recorde-se.

Como se assinala na Constituição Anotada dos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, a individualização ( na 1ª revisão Constitucional 9 de uma categoria de Direitos Liberdades e Garantias dos trabalhadores ao lado dos de carácter pessoal e político, " reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador ( exactamente o trabalhador subordinado ) como titular de direitos de igual dignidade."

E acrescenta-se na Anotação ao texto constitucional : " Por outro lado, os direitos dos trabalhadores aqui garantidos implicam uma óbvia supressão do conceito tradicional da empresa ( e das restantes organizações de trabalho) como domínio privado dos seus titulares, dispondo das relações e postos de trabalho, do acesso aos locais de trabalho, e sobretudo da gestão da empresa"

Ao pretender consagrar na legislação ordinária, para as organizações patronais, um direito a participar na elaboração da legislação de trabalho, o Governo atinge direitos fundamentais dos trabalhadores, sanciona o desfiguramento do Direito laboral como instrumento de progresso, posiciona-se como lídimo representante do neoliberalismo que faz triunfar as desigualdades.

O Governo contribui, também desta forma para o reforço dos poderes abusivos das entidades patronais no sacrossanto altar da empresa.

O Governo ajuda a construir a inefectividade do Direito de Trabalho.

O Governo prepara a introdução na legislação de trabalho de mais um conjunto de diplomas - como o diploma relativo às férias, ao trabalho a tempo parcial, às remunerações, ao lay off - reforçando a soberania do poder económico.

E é ao som desta cadência do Requiem pela cidadania que bate o coração do Governo.

Mas é uma cadência atrasada e desfasada no tempo.

Porque atrás de tempos, tempos vêm. E o atraso com que a contragosto o Governo iniciou a operação antilaboral é já um sinal de que os trabalhadores exigem o respeito pela sua cidadania.

Disse.