Intervenção do
deputado Alexandrino Saldanha
Altera o regime dos despedimentos colectivos
11 de Março de 1999
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro,
O conjunto de diplomas que hoje vamos debater integra-se num vasto pacote de alterações à legislação laboral, cujo "núcleo duro" está para vir.
Com excepção do diploma que pretende atribuir às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, o que hoje aqui vamos debater são "trocos", perante propostas de alteração como as relativas ao trabalho a tempo parcial, ao regime de férias ao conceito de retribuição, que aguardam agendamento.
Discuti-las-emos quando o Governo as quiser agendar.
Esperamos contudo que o Governo e o PS tenham a lucidez suficiente para não insistir em propostas de lei altamente gravosas para os direitos e o futuro dos trabalhadores.
Se mantiverem as suas intenções terão, muito claramente, a nossa frontal oposição, a nossa determinação na sua denúncia e o nosso voto contra. E terão também, seguramente, na rua, a luta determinada dos trabalhadores e das suas organizações.
Contudo, em relação aos diplomas hoje em debate - com a já referida excepção da proposta de lei nº 231/VII - distinguimo-los dos que atrás referimos e o nosso voto será no sentido de os viabilizar, pelas razões que adiante avançaremos, sem prejuízo de desacordos em sede de especialidade.
Temos nesta matéria a posição coerente, que sempre temos mantido. Votaremos contra tudo o que seja gravoso e atentatório dos direitos dos trabalhadores.
Mas não temos dúvidas em viabilizar o que mereça ser viabilizado, mesmo que tal corresponda a aspectos parcelares e menores do essencial do já conhecido pacote laboral.
No concreto e sobre os diplomas em apreciação.
O Projecto de Lei do PCP n.º 388/VII, que propõe alterações ao regime dos despedimentos colectivos, aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27/2, foi apresentado para dar resposta a graves problemas dos trabalhadores, resultantes da publicação deste diploma, que veio impor um regime pior que o anterior - o DL n.º 372-A/75, de 16/7. Com efeito, fragilizou ainda mais os trabalhadores apanhados nas malhas destes despedimentos e, em simultâneo, instalou a permissividade de despedimentos colectivos ilícitos.
Como dizemos no preâmbulo do projecto de lei "essa permissividade instalou-se através da conjugação da amputação das competências do Ministério (hoje do Trabalho e da Solidariedade) com as exigências colocadas ao trabalhador para que possa impugnar o despedimento, e com a falta de meios de que os tribunais do trabalho dispõem para aferir da ilicitude do despedimento".
De facto, para que o despedimento possa ser impugnado pelo trabalhador, este não pode receber a respectiva indemnização. Sendo óbvio que a perda do emprego coloca o trabalhador em grandes dificuldades económicas, pois, normalmente, apenas tem o seu trabalho como fonte de rendimento, tal condicionamento constrange fortemente as suas vontade e opção, restringindo-lhe o acesso aos tribunais para impugnação do despedimento.
Por outro lado e como também referimos na fundamentação do nosso projecto, "O Estado não pode demitir-se de intervir na relação contratual laboral em apoio da parte mais fraca: o trabalhador. É dessa demissão... que tem resultado a situação difícil de tantos trabalhadores no desemprego, que dessa forma pagaram a acumulação do capital, por parte de empresários menos escrupulosos".
As propostas que avançamos dão a resposta legislativa adequada a estas situações, definindo também "preferências na manutenção de emprego", nomeadamente a trabalhadores deficientes e a vítimas de acidentes de trabalho e doença profissional e reintroduzindo "a preferência na admissão na empresa ... dos trabalhadores despedidos, no prazo de um ano a contar da data do despedimento".
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Ao contrário da nossa iniciativa legislativa, a Proposta de Lei do Governo n.º 162-VII, destinada a alterar os artigos 17.º e 18.º, também da secção relativa a despedimentos colectivos, da lei dos despedimentos, só é apresentada porque a Directiva n.º 92/56/CEE, de 24 de Junho de 1992 - que alterou uma outra de 1975 - assim o impõe. E esta apresentação é feita a contragosto, pois as normas em causa deveriam ter sido transpostas para a legislação portuguesa, imagine-se, até 24 de Junho de 1994 - já lá vão quase 5 anos !
Ficam assim claras as diferentes motivações políticas das duas iniciativas legislativas aqui em análise, apesar de ambas serem susceptíveis de melhorar, com algumas adaptações, a chamada lei dos despedimentos.
Aliás, a Directiva alterada por aquela que agora se pretende transpor para a nossa legislação já sofreu entretanto uma nova codificação, através da Directiva n.º 98/59/CE, de 20 de Julho do ano que passou, e à qual o Governo nem sequer se refere.
Quer dizer, qualquer alteração favorável aos trabalhadores, ainda que milesimal, e mesmo sob a pressão de Directivas da União Europeia, resiste anos e anos nas gavetas governamentais.
Mas, para favorecer as entidades patronais - ainda que existam dúvidas sobre a constitucionalidade das propostas apresentadas, como é o caso da Proposta de Lei que discutiremos a seguir e que "atribui às associações patronais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho" - aí, o Governo abre todas as gavetas possíveis. Como também aconteceu com as cartas escritas ao patrão da CIP pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade, a fornecer-lhe interpretações abusivas da lei, com o objectivo de permitir a continuação do desrespeito pelo horário das 40 horas.
De resto, a norma que o acrescento de um novo número ao art.º 18.º pretende transpor refere-se à (e passo a transcrever) "possibilidade de prever que os representantes dos trabalhadores possam recorrer a peritos..."; mas o desvelo do Governo com o patronato também aqui se manifestou e é assim que esse novo número alarga essa possibilidade à "entidade patronal", colocando-a logo em 1.º lugar. Uma clara posição de classe.
Uma referência ainda sobre a forma encontrada para transpor a norma da Directiva 92/56/CEE relativa ao método de cálculo de indemnizações de despedimento, se não forem as decorrentes das leis ou práticas nacionais - proposta de alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º.
Diversos pareceres de organizações representativas de trabalhadores se referiram à ambiguidade da substituição da expressão "indemnização ... que não a que decorre das leis e ou práticas nacionais", constante da Directiva, pela expressão "compensação genérica", ambiguidade que poderia vir a ser entendida e utilizada para excluir outros direitos de carácter económico previstos na própria lei dos despedimentos e noutros diplomas legais.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
A concretização do processo legislativo iniciado com a apresentação do Projecto de Lei do PCP - em meados de 1997, recorde-se - e com a Proposta de Lei do Governo deverá pois ter em conta a necessidade de superar ambiguidades, bem como de proceder a eventuais adaptações.
E tal processo deverá concretizar-se rapidamente, tanto mais que a transposição das normas da Directiva constantes da proposta de lei n.º 162/VII já deveria ter sido concretizada até 24.6.94, como antes afirmámos. Este atraso é mais uma demonstração do domínio que o poder económico exerce, hoje, na sociedade portuguesa, sobre o poder político.
O PCP continuará a pautar a sua acção pela apresentação de propostas em defesa dos trabalhadores, do povo português e do desenvolvimento sustentado da economia portuguesa, e a lutar por uma política alternativa à política neoliberal do Governo, onde as questões sociais tenham o relevante papel que merecem.
Disse.