Administração Pública
Intervenção do deputado Alexandrino Saldanha
8 de Outubro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

As Propostas de Lei nºs 187/VII, 189/VII, 190/VII e 192/VII, ao sistematizarem e condensarem normas dispersas sobre a mesma matéria num diploma legal, vêm certamente possibilitar uma consulta e acesso mais fáceis aos seus destinatários.

Mas, para se alcançar uma "maior transparência na relação da Administração Pública com os cidadãos e, também, nas relações internas da própria Administração", ou "um modelo de Administração Pública democrático e participado, desburocratizado, despartidarizado e desgovernamentalizado" e para "qualificar, dignificar, motivar e profissionalizar os recursos humanos", como se afirma no preâmbulo de um daqueles diplomas, não basta sistematizar e condensar.

É necessário dar conteúdo prático às afirmações de principio, respeitando e aprofundando os direitos dos trabalhadores da Função Pública, procurando o equilíbrio e a justiça e recusando recuos, facilitismos, ou a invocação agora muito na moda dos "elevados custos", para manter ou criar situações de privilégio, em muitos casos com custos ainda superiores.

E, para isto, é preciso querer, é preciso haver aquilo a que se chama vontade política.

Senhor Presidente
Senhores Deputados,

Os quatro diplomas em discussão têm uma valoração e qualidades diferenciadas. E há um que se destaca pelo que traduz dos propósitos do Governo, em matéria de transparência na Administração Pública.

Trata-se da Proposta de Lei nº 189/VII - "Estabelece o Estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da Administração Central e Local do Estado e da Administração Regional, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos" é, porventura, a mais ambígua e contraditória das quatro em análise.

Esta proposta parece apontar claramente para que o Governo quer esvaziar o principio geral do concurso, como forma de recrutamento para os cargos de director de serviços e chefe de divisão.

Aliás, em boa verdade, nem era preciso nova lei.

De facto, há uma lei aprovada na Assembleia da República por unanimidade, que, devidamente regulamentada, é susceptível de dar a resposta adequada aos problemas que a proposta de lei em análise pretende resolver.

E a não ser corrigida a subversão dos conceitos de regra e excepção que a caracterizam, esta proposta de lei representaria um claro retrocesso no que respeita à transparência, em matéria de recrutamento e selecção do pessoal dirigente da Administração Pública.

Não se trata de termos uma posição fechada no que respeita ao principio geral dos concursos no recrutamento para director de serviços e chefe de divisão, ou equiparados.

Só que a nossa flexibilidade não pode admitir tais e tantas excepções, que estas passem a ser a regra - as excepções têm de ser devidamente justificadas e balizadas.

Vamos dar dois exemplos:

1º - o nº 1 do artigo 4º estabelece como regra geral que "o recrutamento para os cargos de director de serviços e chefe de divisão ou equiparados é feito, por concurso..."

Mas o nº 3 do mesmo artigo derroga, na prática, essa regra geral, quando estabelece: "por despacho conjunto fundamentado do membro do Governo competente e do tiver a seu cargo a Administração Pública, pode ser dispensado do concurso para o cargo de director de serviços.

2º - o nº 1 do artigo 38º prescreve "o presente diploma prevalece sobre quaisquer disposições gerais ou especiais relativas aos diversos serviços e organismos;

o nº 2 derroga na prática essa regra ao prescrever " Exceptua-se do disposto no número anterior os casos em que as leis orgânicas expressamente prevejam critérios próprios de recrutamemto de pessoal dirigente.

Também não se entende porque é que o recrutamento para director-geral e sub-director-geral ou equiparados feito "por escolha, de entre dirigentes e assessores ou titulares de categorias equiparadas da Administração Pública" não deve ser objecto de publicação do despacho de nomeação, devidamente fundamentada, ao contrário do que hoje impõe a lei nº 13/97, e continua a preconizar-se para os "licenciados, vinculados ou não à Administração. Pública".

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

É certo que as situações referidas podem ser alteradas em sede de discussão na especialidade. Mas, referimos mais uma vez, é preciso que haja vontade política para tal.

A Proposta de Lei nº 187/VII - "Autoriza o Governo a legislar sobre o exercício da liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e direitos das associações sindicais", abre a publicação das 3 primeiras propostas de lei na Separata da Assembleia da República.

Consta no seu preâmbulo que (e cito) "o Governo e as organizações sindicais (incluindo a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, que não subscreveram o Acordo Salarial para 1997) consensualizaram integralmente posições, as quais foram mesmo vazadas em documento articulado"; porém, o texto do respectivo projecto de decreto lei não vem em anexo, ao contrário do que acontece com as Propostas de Lei nºs 190/VII e 192/VII, esta última publicada noutra Separata.

A versão final negociada com os Sindicatos e não publicada consolida direitos sindicais já antes reconhecidos em Resoluções, Despachos e Circulares ou Orientações Normativas - designadamente com a aplicação subsidiária do DL nº 215-B/75, de 30 de Abril - e consagra uma medida há muito reivindicada, com persistência, pelos trabalhadores e pelos Sindicatos: o reconhecimento às associações sindicais de legitimidade processual para defesa de direitos e interesses colectivos ou defesa colectiva de direitos e interesses individuais dos trabalhadores, beneficiando da isenção do pagamento da taxa de justiça e das custas.

Em contrapartida, o artigo 22º não alarga o direito à dispensa de serviço aos casos de eleição de delegados aos congressos das associações sindicais, e à participação nestes, o que é sobretudo negativo para os Sindicatos que elegem nesse órgão os Corpos Gerentes. E o ponto 4 -5 da Orientação Normativa nº 7/DGAFP/84 já permitia essa dispensa.

De igual modo se restringe a actuação dos Sindicatos de âmbito nacional, organizados por distrito, com a limitação do crédito de 4 dias remunerados a 5 membros "de órgãos dirigentes estatutariamente equiparados aos corpos gerentes".

A terceira Proposta de Lei, nº 190/VII - "Autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral de estruturação de carreiras da Administração Pública" pretende, alegadamente, "reforçar a coerência e a equidade - que enformam o DL 248/85, de 15 de Julho - através da eliminação das distorções e deformações que, entretanto, foram ocorrendo".

Porém, constata-se que não só se mantêm as anomalias e as injustiças relativas existentes, como, em muitos casos, se agravam e se criam novas injustiças e distorções. Por outro lado, o sistema de progressão proposto não garante a todos o acesso ao final da carreira, pois mantêm-se factores que conduzem à estagnação profissional.

Alguns exemplos de novas distorções:

Quanto à garantia do acesso ao final da carreira, uma das formas de a conseguir será a introdução da dotação global nos quadros de pessoal.

Mas, nada justifica que apenas se consagre a dotação global para os quadros da carreira técnica superior; impõe-se, sim, a sua aplicação a todas as carreiras verticais, complementada com a obrigatoriedade de promoção automática, após 3 anos de permanência no último escalão da categoria destas carreiras.

Também não é justo que os módulos de tempo para efeitos de progressão mas carreiras horizontais continuem superiores aos das carreiras verticais - 4 anos e não 3 - tanto mais que naquelas carreiras, num total de 11, apenas 2 têm menos de 8 escalões; isto quer dizer que, só ao fim de 32 anos, os trabalhadores aí inseridos atingem o último escalão - porventura, será exagero baixar estes 32 anos para 24?

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Afigura-se-nos também correcto que estas alterações, bem como as que se verificarem nas carreiras específicas do regime especial e nos corpos especiais produzam efeitos a 1 de Janeiro do corrente ano.

As alterações que apresentaremos, na especialidade, em sede da Comissão de Trabalho visarão atingir estes objectivos.

Mas queremos ainda referir aqui a nossa preocupação pela extinção da carreira de chefe de repartição, e pela sua reclassificação diferenciada, em função de algo que não lhes era exigido para acederem àquela categoria.

De igual modo, discordamos que um curso de estudos avançados em Gestão Pública, criado para "possibilitar aos funcionários superiores da administração pública central o aprofundamento dos seus conhecimentos nos domínios das ciências básicas da administração e das políticas públicas" seja aproveitado para promover a admissão na função pública através da sua frequência, como se faz no artº 27º. Tanto mais que a Portaria que cria o referido curso, prescreve ainda que ele se destina "a dirigentes e técnicos superiores da administração pública central com experiência profissional e desempenho relevantes que demonstrem motivação e aptidão para prosseguimento de estudos a nível de pós-licenciatura".

Por último, vamos referir-nos à Proposta de Lei nº 192/VII - "Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da Administração Pública."

Concentrando legislação dispensa, o projecto de decreto-lei anexo mantém, no essencial, o regime que vinha sendo praticado, com melhorias pontuais.

Poderia, contudo, ter-se encontrado uma solução mais equilibrada para a aquisição do direito a férias no primeiro ano de serviço, através de uma regra de proporcionalidade, consoante o período maior ou menor do tempo de serviço prestado nesse ano.

Também a manutenção da atribuição de diferentes períodos de férias, em função exclusiva da idade, não é certamente a fórmula mais adequada. A nosso ver, seria preferível a atribuição de 25 dias de férias a todos; Todavia, a manter-se a diferenciação, justifica-se que o tempo de serviço seja também considerado para a atribuição de mais 1,2 ou 3 dias de férias.

Assim e em jeito de conclusão:

Para se alcançarem os objectivos enunciados nas três primeiras propostas de lei, é imprescindível proceder a alterações mais ou menos profundas.

As alterações que propomos vão de facto no caminho de uma maior transparência de processos na Administração Pública, de uma maior dignificação e motivação dos seus recursos humanos, sectores fundamentais das desejadas desburocratizarão e eficácia. Quanto ao diploma das férias, faltas e licenças, a correcção dos dois aspectos que referimos, introduziria mais dois factores de equilíbrio e justiça na regulamentação do respectivo regime.

Disse.