Assegura o direito à organização do trabalho
em condições socialmente dignificantes, combatendo práticas lesivas da saúde
dos trabalhadores
Intervenção da deputada Odete Santos
1 de Outubro de 1998
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
O retorno a formas refinadas de exploração dos trabalhadores que acompanharam o taylorismo (com que muitos de nós julgávamos nunca mais nos confrontar mas que se tornaram nos aliens do final de século) veio conferir uma nova e dramática actualidade aos Tempos Modernos de Charlie Chaplin.
Lá encontramos muitos dos condimentos que hoje se servem à mesa do banquete da economia de mercado.
Temos lá os ritmos brutais impostos num trabalho em cadeia rotineiro, nervoso e apressado que retira toda a dignidade ao trabalho humano, e cria modernas formas de escravatura.
Encontramos lá a vigilância electrónica nos locais de trabalho, através de câmaras que vigiam os ritmos para que os mesmos possam ser comandados pelo patrão.
E até lá encontramos a flexibilidade, a tentativa de eliminar pausas ou intervalos de descanso, através da famosa máquina que permitiria o trabalho durante a refeição. E todos nos lembramos, nessa dramática cena, da meia hora de refeição no trabalho por turnos que o Governo, com a oposição firme e triunfante dos trabalhadores, quis excluir do tempo de trabalho.
Muito do que constitui hoje a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores deixa-nos, de facto, a sensação do déjà vu.
Em nome da economia de mercado já há muito que vimos assistindo à degradação das condições de trabalho. Degradação que não contribui para a competitividade e para a produtividade. Bem pelo contrário.
Há já alguns anos, tive ocasião de participar num Tribunal de Opinião Pública sobre a situação da mulher trabalhadora organizado pela CGTP.
Há já alguns anos, a satisfação de necessidades pessoais inadiáveis dos trabalhadores, nomeadamente das trabalhadoras, pois as situações passavam-se com mais frequência nas empresas em que predominava a mão de obra feminina, era quase impedida por normas das empresas, não escritas, segundo as quais se registavam o número de deslocações às instalações sanitárias.
E foi também nessa altura que ouvi a maior afronta que a uma trabalhadora se pode fazer. Uma jovem mãe, no período de amamentação, interpelada pelo patrão sobre as razões por que interrompia o trabalho no período a que tinha direito para amamentar o filho, ouviu incrédula a seguinte resposta: "Por que é que não alimenta a sua família logo de manhã? Eu dou de comer ao meu cão quando saio de casa."
A prática empresarial tem vindo a tentar instituir nas empresas, e já mesmo antes da lei da flexibilidade, práticas lesivas da saúde dos trabalhadores, e meios de violação do seu direito à privacidade. Práticas que certos empresários consideram ser um seu direito que ninguém pode contrariar, e que só eles, na sua magnitude, podem contrariar, e que só eles, na sua máxima benevolência podem auto-limitar.
Sentem-se investidos num poder tão absoluto, que no percurso sinuoso, e ainda não acabado, da lei sobre a flexibilidade "concederam" que as pequenas pausas para a satisfação de necessidades inadiáveis do trabalhador fossem consideradas tempo de trabalho.
E tanto assim é que na transposição da Directiva sobre tempo de trabalho, o Governo fez exarar uma norma consagrando essa verdade lapalissiana: essas pausas não podem deixar de ser incluídas no tempo de trabalho efectivo.
Entretanto, foram-se instituindo em certas empresas métodos a que não pode deixar de chamar-se terroristas, de gestão do tempo do trabalhador, contra o seu direito à saúde, contra o seu direito à privacidade.
Estabeleceram-se horários para a utilização das instalações sanitárias a horas certas. Colocaram-se máquinas de ponto junto das mesmas para contabilizar o tempo gasto pelos trabalhadores nessas interrupções de trabalho, coma ameaça de desconto no vencimento ou de perda de prémios de produtividade e assiduidade.
E até o vídeo, virado para as instalações sanitárias, como acontece numa empresa da indústria química do concelho de Palmela, é utilizado para a vigilância dos trabalhadores.
O Projecto de Lei do PCP, para além de clarificar a proibição de práticas abusivas como as que se vêm referindo, proíbe a vigilância do trabalhador nos locais de trabalho por meios de controlo, mecanográficos ou outros, nas pausas que este tenha de fazer por necessidades decorrentes da manutenção do seu bem estar.
Proíbe-se que tais interrupções de trabalho tenham incidência em quaisquer direitos ou regalias.
O Projecto de Lei do PCP é aliás um primeiro passo na tomada de medidas que impeçam a utilização abusiva das novas tecnologias na vigilância do trabalhador nos locais de trabalho.
Infelizmente, e cada vez com maior frequência se utiliza, por exemplo, o vídeo e o computador nessa vigilância. Mesmo em violação do direito à privacidade, direito que em relação aos trabalhadores levou, por exemplo, o Estado da Georgia a legislar no sentido de proibir a vigilância electrónica em determinadas áreas das empresas. Como, por exemplo, nos balneários.
Realmente, a vigilância electrónica nos locais de trabalho, como a que existe em muitas empresas do país ( e veja-se o caso das grandes superfícies comerciais) colide com os direitos dos trabalhadores, e nada vemos fazer em defesa desses direitos. Mesmo aquela vigilância que se faz com o uso de superfícies espelhadas, que são os olhos omnipresentes do patrão.
Colide, em primeiro lugar com o direito à saúde. Porque colide com o bem- estar mental e físico.
A vigilância intolerável que se exerce sobre os trabalhadores, fazendo-os sentir espiados, provoca stress segundos estudos já efectuados. Porque suscita o medo de perder o emprego, causa a rotina das actividades, reduz o domínio do trabalho, e acaba afinal por reflectir-se na produtividade do trabalhador.
Mas essa vigilância intolerável dá o seu contributo importante para o agravamento de danos físicos causados pelos insuportáveis ritmos do trabalho. Agrava afecções do aparelho circulatório, do aparelho digestivo, provoca dores insuportáveis e variadas doenças somáticas. Como provam os estudos efectuados.
A vigilância insuportável nos locais de trabalho, nomeadamente através das novas tecnologias, são uma atentado contra a autonomia do trabalhador na execução do seu trabalho.
São um assalto à dignidade pessoal do trabalhador.
Os registos magnéticos que muitas empresas possuem àcerca dos trabalhadores para que servem nas mãos das empresas? Sem qualquer controlo por parte dos vigiados, permitem construir um perfil que não corresponderá ao retrato robot do Charlot dos modernos tempos. O que usa o voice- mail e até nisso é objecto de vigilância.
Sem precisar dos óculos que permitia ao protagonista de um famoso filme de John Carpenter detectar os horrores da classe dominante, a vigilância insuportável e inadmissível nos locais de trabalho, suscita também aos trabalhadores a mesma exclamação, perante a invasão da sua privacidade:
Eles vivem!
Disse.