Declaração Política sobre a situação laboral no sector financeiro
Intervenção do deputado Lino de Carvalho
18 de Fevereiro de 1998

 

Sr. Presidente
Srs. Deputados,

Na semana passada a sala do Senado foi palco de uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP que importa trazer ao conhecimento e ao debate do plenário pelos graves problemas de ordem social que nele foram inventariados e discutidos. Tratou-se de uma audição sobre a situação laboral no sector financeiro onde estiveram presentes cerca de uma centena de dirigentes sindicais e membros de Comissões de Trabalhadores da Banca e dos Seguros, de Norte a Sul do País e de diversas correntes do pensamento político e sindical.

Não foi por acaso que esta iniciativa juntou tantos e tão diversificados representantes laborais do sector financeiro. Foi o sinal evidente de que há razões mais que suficientes para, no plano da Assembleia da República, intervirmos e contribuirmos para travar a crescente e acelerada degradação das relações de trabalho nos Bancos e Companhias de Seguros.

Nos últimos anos, as privatizações e fusões que atravessam o sector têm estimulado os Grupos Financeiros a exercerem fortes do seu poder, uma enorme pressão visando a alteração das relações laborais e procurando estilhaçar os direitos adquiridos pelos trabalhadores e consagrados nas suas Convenções Colectivas de Trabalho. Os exemplos são muitos:

trabalho suplementar não pago levando a que milhares de trabalhadores tenham na prática, um horário de trabalho semanal de 40, 45 e até 50 horas em vez das 35 horas consagradas nos respectivos instrumentos de contratação colectiva. Basta recordar que estimando-se em 70.000 o número de trabalhadores que laboram, em média, diariamente, uma hora a hora e meia a mais, tal representa cerca de 10.000 postos de trabalho. Enquanto isto, a Associação Portuguesa de Bancos acusa a existência de 11.000 trabalhadores excedentários no sector enquanto, no sector segurador, nos últimos anos, saíram 2300 trabalhadores e se perspectiva que, até ao final de 1998, a redução de pessoal atinja mais 3.000. Tirem os senhores deputados as conclusões;

desvio de actividades para as chamadas empresas auxiliares e para os Agrupamentos Complementares de Empresas que, a par do recurso a empresas de aluguer de mão de obra, inundam propositadamente o sector de trabalhadores com diferentes estatutos profissionais, trabalhadores sem direitos e sobre-explorados, trabalhadores com um alto grau de precariedade, funcionando como instrumento de pressão sobre todos os trabalhadores do sector e os direitos consagrados na contratação colectiva e na lei. Empresas ditas auxiliares e ACE's que constituem igualmente peça fundamental para o gigantesco processo de benefícios e de evasão fiscal de que gozam os Grupos Financeiros. Basta lembrar que os 22 mais importantes bancos portugueses, nos exercícios de 1993 a 1995, obtiveram uma diminuição da sua base tributável em 78% passando de um lucro liquido antes do imposto de 557 milhões de contos para um lucro tributável de apenas 404 milhões de conto. Em consequência dos benefícios e da evasão fiscal a taxa de tributação da banca baixou de 36% para 19%. Só naqueles três exercícios, em vez de pagarem 169 milhões de contos de IRC só liquidaram 94 milhões de contos, menos 65 milhões de contos. Um escândalo. Passa por aqui a verdadeira reforma fiscal que o Governo se recusa a fazer, preferindo continuar a centrar o ónus da tributação sobre as pequenas e médias empresas e sobre os trabalhadores por contra de outrém ;

recusa de aplicação dos instrumentos gerais de regulamentação colectiva de trabalho e sua substituição por decisões internas (com a cobertura de organizações fictícias criadas expressamente para esse efeito) que retiram direitos expressos e há muito adquiridos nas convenções colectivas de trabalho;

transferências e substituições compulsivas de trabalhadores de locais de trabalho, sem aviso prévio, com encerramento de balcões;

pressões intoleráveis para as rescisões de contratos de trabalho visando a passagem á situação prematura de pré-reforma de milhares de trabalhadores em plena idade activa e para a assinatura de contratos individuais de cedência a outras entidades, com uma profunda retirada de direitos em relação à contratação colectiva;

manobras com vista à liquidação do sistema de saúde dos trabalhadores bancários (os SAMS).

Os casos práticos são igualmente muitos. O Grupo BCP/BPA tem liderado, e bem, as notícias vindas a público sobre a violação da legislação de trabalho, designadamente em matérias como a imposição de trabalho suplementar não pago, a exigência de uma disponibilidade total dos trabalhadores, a violação do ACTV ou a discriminação entre trabalhadores. A última nota interna de serviço do BCP/BPA é a todos os títulos esclarecedora dos métodos de actuação ilegal e prepotente deste Grupo Financeiro, ao declarar expressamente, entre outras declarações, que em matéria de promoções por antiguidade só as aplicará aos trabalhadores que aceitem vincular-se ao Acordo interno celebrado com uma organização fictícia. O que espera o Governo, nesta como nas restantes matérias, para actuar e publicar uma Portaria de extensão do ACTV ? Mas, infelizmente, o Grupo BCP/BPA não é o único que está fora de lei: na Companhia de Seguros Fidelidade exige-se que os trabalhadores informem por escrito o que fazem fora das horas de trabalho; na MAPFRE celebram-se contratos com violação das 35 horas de trabalho consagradas no CCTV; na Bonança transferiram 65 trabalhadores para uma empresa paralela (a Auto-Gere) com base num contrato de cedência que exclui expressamente toda a antiguidade que o trabalhador tenha no sector, com excepção da que diga respeito ao tempo de trabalho prestado unicamente na própria Bonança; no Banco Fonsecas & Burnay recusa-se a aplicação da lei da contratação colectiva. No Crédito Predial Português, no BESCL, no Banco Borges & Irmão, na Tranquilidade ou na AXA (antiga Aliança UAP) são outros tantos os casos concretos.

Sr. Presidente
Srs. Deputados,

O crescente domínio da actividade económica por parte do sector financeiro e dos seus grupos e a sua crescente influência política explicam a arrogância e o à vontade com que os banqueiros violam as regras mínimas da legislação laboral e dos direitos dos trabalhadores e pretendem impor a flexibilidade e mobilidade extremas no sector, estilhaçar a contratação, desagregar a classe. A limitada e praticamente ineficaz actuação da Inspecção Geral do Trabalho está aí claramente patente. A não actuação do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal na supervisão que deveriam fazer sobre o sector é inaceitável. O silêncio e a passividade do Governo estão aí, por sua vez, a atestar a sua cumplicidade com as actuações ilegais que atravessam o sector financeiro em matéria laboral.

E tudo isto é tanto mais escandaloso quanto Bancos e Seguros acumulam ano após ano milhões e milhões de contos de lucros, sempre numa curva ascendente, à custa dos direitos de quem trabalha, á custa de propostas de aumentos salariais que não atingem os 2% mas também à custa dos milhões de portugueses, clientes forçados, que são constrangidos a pagar crescentes comissões por prestações de serviços que sendo inerentes á própria actividade não têm nada que ser exigidos, a aceitar condições leoninas nos contratos que pretendem estabelecer ou a surpreender-se constantemente com cláusulas que escritas em letra ilegível escondem as excepções que as companhias de seguros asseguram para si mesmas em matéria de coberturas ou de indemnizações. Todos os direitos à Banca e aos Seguros. Nenhuns para os trabalhadores e os clientes é hoje o lema dos Grupos Financeiros. Não é pois de estranhar que entre 1992 e 1996 as Seguradoras tenham registado um crescimento de prémios de 114% e que, só de 1995 para 1996, o resultado bruto total na Banca tenha aumentado de 481 milhões de contos para 546 milhões de contos e os lucros líquidos do exercício tenham passado de 157 milhões de contos para 180 milhões de contos (mais 15%). Razão para a Associação Portuguesa de Bancos vir afirmar que se "manteve em 1996 melhoria dos níveis de produtividade (o número de empregados por balcão voltou a reduzir-se) e de rendibilidade". Mas razão também para se recusar a actuação intolerável de banqueiros e seguradoras.

Sr. Presidente
Srs. Deputados,

O PCP não aceita este estado de coisas. O nosso projecto de lei de agravamento das coimas e das multas para casos de violação da legislação laboral, aprovado na generalidade e por unanimidade na passada semana, é um contributo sério para travar a actuação reiteradamente ilegal que grassa no sector. O que lamentamos e criticamos é que só agora, quando o nosso projecto subiu a plenário, é que o Governo se tenha lembrado também de anunciar que tinha um ante-projecto em preparação atrasando assim o que poderia ser, desde já, uma medida positiva desta Assembleia. É um comportamento que só por si atesta a acusação de passividade e cumplicidade que fizemos ao Governo nesta matéria. Mas é preciso ir mais longe. É preciso, como já afirmámos, criminalizar as condutas mais graves de violação da legislação laboral. È preciso produzir legislação que garanta em todos os casos os direitos adquiridos pelos trabalhadores e que clarifique a obrigatoriedade de aplicação geral dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho desde que mais favoráveis para os trabalhadores. O PCP afirma aqui que vai trabalhar nesse sentido, convicto que os trabalhadores da Banca e dos Seguros, as suas Comissões de Trabalhadores e os seus Sindicatos saberão também, com a luta e a unidade, defender e garantir os seus direitos contra o peso crescente dos Grupos Financeiros e contra a inaceitável visão neo-liberal que sustenta a crescente financeirização da vida económica.

Disse.