Projecto de Lei 421/VII, do PCP, que amplia a legitimidade de intervenção judicial das Associações Sindicais
Intervenção da deputada Odete Santos
14 de Janeiro de 1998

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A matéria tratada no Projecto de Lei 421/VII poderia constar hoje do texto constitucional.

Tem dignidade constitucional, dado que se trata de consagrar direitos de associações sindicais, na linha do mais moderno entendimento sobre o Direito do Trabalho.

Por isso, constava do último Projecto de revisão Constitucional do P.C.P. uma proposta no sentido de a Constituição conter um inciso enunciando a legitimidade das Associações Sindicais para intervirem em juízo em defesa de interesses colectivos, e também em defesa de interesses individuais sempre que a solução destes pudesse influenciar o estatuto legal do colectivo de trabalhadores.

A Proposta, depois de aceite pelo P.C.P. uma pequena alteração, acabaria por obter a maioria, mas não a maioria suficiente para a sua consagração constitucional. O P.S.D. impediu o acolhimento constitucional da proposta.

o que não é caso para admirar.

De facto, ao longo do seu consulado, o P.S.D. tentou desfigurar a legislação do trabalho, dando-lhe contornos há muito rejeitados para o Direito Laboral. Que sendo um misto de direito Privado e de Direito Público, aqui sempre que se trata das condições de trabalho, é sempre um Direito especial que não é enformado por concepções puramente civilistas. Sendo presidido na sua elaboração pelo princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, reconhecidamente a parte mais fraca na relação laboral.

Este princípio conhece vários entorses durante os governos do P.S.D.

Bastará citar o Decreto-lei 64- A/ 89 sobre a cessação do contrato de trabalho.

Aí poderemos ver como se começa a individualizar os interesses dos trabalhadores, mesmo quando de interesses colectivos se trata. A revogação do regime de despedimentos colectivos constante do Decreto-Lei 372-A/75, deixando cada trabalhador à sua sorte sem o arrimo da intervenção do Ministério do Emprego em defesa dos postos de trabalho, é disso um bom exemplo.

As alterações introduzidas à lei da duração do trabalho no tempo do 1º Ministro Cavaco e Silva são também um bom exemplo do cariz retrógrado que se quis introduzir na legislação de trabalho, e que redundaram em ataques às organizações sindicais.

A possibilidade de, através da contratação colectiva, se obter o horário de trabalho semanal em termos médios, por referência a meses, é bem um exemplo de como também aqui se quis seguir os modelos estrangeiros. A palavra de ordem nas últimas décadas, foi a de que a negociação colectiva servia para diminuir os direitos dos trabalhadores.

Assim se negando um princípio, sempre prosseguido pelos trabalhadores e suas organizações, e transposto para o Direito Laboral: A negociação colectiva tem por objectivo consagrar para os trabalhadores direitos superiores aos constantes da lei.

Os ataques ao Direito à negociação colectiva que podemos reconhecer em vários ordenamentos jurídicos europeus visando a individualização sem limites das relações laborais, o enfraquecimento dos movimentos sindicais, prepararam, nas últimas décadas, o caminho para a Europa de Maastricht, contra a Europa dos Povos.

Aquela bebendo e vivendo da desregulamentação laboral, da flexibilidade, da precarização das relações laborais, da regressão social no seio da negociação colectiva.

Esta, a Europa dos Povos necessitando da solidariedade entre trabalhadores, de um direito laboral nascido dos interesses colectivos firmemente prosseguidos pelas organizações dos trabalhadores.

A regressão social vivida nas últimas décadas fez nascer apressados epitáfios sobre a morte anunciada da luta social, sobre o enfraquecimento das organizações sociais.

A verdade, no entanto, é que os últimos acontecimentos escarnecem desses epitáfios, e provam a vitalidade dos trabalhadores e das suas organizações.

A compreensão do quadro em que se desenvolvem os direitos dos trabalhadores, do quadro em que estes conquistam contornos no seu estatuto legal, ajuda a compreender aquilo que muitos teóricos do direito do trabalho continuam a afirmar.

E veja-se, por todos, Meneses Cordeiro:

" O Direito colectivo do trabalho precede, em termos históricos, científicos e práticos, a temática laboral individual.

O Direito do trabalho deve a sua autonomia às colocações colectivas dos problemas que faculta; nesse nível foram apuradas soluções irredutíveis às propiciadas pelo Direito Civil, assim se alcançando uma dimensão inovatória.

A captação deste estado de coisas e a própria apreensão do Direito do Trabalho no que ele tenha de específico conseguem-se, com mais êxito, no plano laboral colectivo "

E nós parafraseamos:

A captação deste Estado de coisas conduz a que a legitimidade para estar em juízo na área laboral leva a soluções necessariamente diferentes das encontradas para o Direito Civil.

De facto, dos conflitos colectivos nasce um estatuto legal dos trabalhadores. Com muitas normas que são normas de ordem pública, de ordem pública social.

As violações dessas normas põem em causa não apenas o estatuto daquele trabalhador individualmente considerado, mas os interesses colectivos dos trabalhadores protegidos pelas mesmas.

Daí que, se compreenda que mesmo nalguns casos em que aparentemente estão em causa interesses individuais, perigando os interesses colectivos, a legitimidade para estar em juízo deva ser encarada de uma forma diferente da comummente adquirida.

Aliás já nesta legislatura, aprovámos diplomas que reconhecendo o interesse colectivo em conflitos individuais, concederam legitimidade para agir judicialmente às Associações Sindicais. Referimo-nos à lei sobre a igualdade no trabalho e no emprego.

O Projecto de Lei que hoje discutimos parte assim da apreensão do Direito do Trabalho no que ele tem de específico. Por considerarmos muito insuficiente o actual Código do Processo de Trabalho de 1981, que praticamente desconhece a relevância para os interesses colectivos de alguns conflitos individuais, limitando-se a reconhecer-lhe o papel de assistentes.

Bem mais longe ia o Código do Processo de Trabalho de 1979 que não chegou, no entanto, a entrar em vigor, mas onde já reconhecia às Associações Sindicais o direito de acção em substituição dos Associados quando o conflito individual se encontrasse tutelado por normas de interesse e ordem pública, existindo declaração do trabalhador de que não pretendia accionar pessoalmente.

Sendo insuficiente o que actualmente consta do Código do Processo do Trabalho, o P.C.P. propõe que as Associações Sindicais sejam parte legítima como autores nas acções em que estejam em causa interesses cuja tutela lhes pertence.

É manifesto que às associações sindicais cabe tutelar o exercício do direito de greve, o exercício de direitos e liberdades sindicais, o exercício de direitos de representantes eleitos dos trabalhadores, cabe-lhes fiscalizar o cumprimento de legislação laboral, cabe-lhes impedir a diminuição de direitos adquiridos pelos trabalhadores em resultado de novos instrumentos de regulamentação colectiva.

Trata-se de direitos fundamentais dos trabalhadores, estruturantes da democracia económica, social e cultural plasmada no texto constitucional. Pelo que, os interesses em causa são interesses colectivos que conferem, de pleno direito, legitimidade às associações sindicais.

Relativamente aos conflitos individuais, o Projecto do P.C.P. acolhe a formulação do Código do Processo do Trabalho, enumerando, no entanto, a título exemplificativo, as matérias que iniludivelmente são de ordem pública social.

A estabilidade no emprego, consagrada constitucionalmente, é uma dessas matérias.

Assim o são, também, outras matérias relacionadas com o direito ao trabalho - caso da existência e validade do contrato de trabalho - com o horário de trabalho - a história passada e presente demonstra como aqui se jogam os próprios interesses colectivos - a remuneração - imprescindível a uma vida digna - a categoria profissional em que estão em causa também interesses colectivos da profissão.

Todas estas matérias integram o quadro de direitos fundamentais dos trabalhadores e outros de natureza análoga, de acordo com o nosso texto fundamental. São pois tuteladas por normas de ordem pública social.

E se nestes casos estão em causa direitos individuais, a verdade é que foram criados pela luta colectiva, pelo que há um manifesto interesse colectivo na sua defesa por forma a que, tendo-se registado o fluxo, atrás apontado, da luta colectiva para a esfera individual dos direitos criados no exercício de interesses colectivos, não possa dar-se o através da individualização, o refluxo de direitos conquistados colectivamente.

Nesta matéria deverá, no entanto, a associação sindical, obter declaração do trabalhador de que não pretende accionar pessoalmente.

O Projecto mantém o actual nº 3 do artigo 5º do Código do Processo do Trabalho, podendo o trabalhador contar com o apoio da Associação Sindical nas restantes acções, nos mesmos termos já referidos no Código do Processo de Trabalho de 1979.

Tal como se estabelece no diploma em debate, o mesmo aplica-se aos trabalhadores no domicílio e aos trabalhadores com contratos legalmente equiparados.

Por último estabelece-se a legitimidade das Associações Sindicais para a acção penal nos mesmos casos e termos em que lhes é reconhecida legitimidade para a acção cível.

Senhor Presidente
Senhores Deputados:

Trata-se de um Projecto de Lei aberto a alterações, como é óbvio.

Mas trata-se de um Projecto de Lei que consideramos fundamental na área do Direito adjectivo laboral.

Agora, talvez até mais premente do que nunca. Num contexto em que os trabalhadores por toda a Europa, reforçam a luta em defesa de um estatuto em que se foram introduzindo entorses por forma a que ficassem diluídos os interesses colectivos que os tornam solidários.

Novos esquemas organizativos foram tentados para transformar as organizações sociais em pré - legisladores, em parceiros comprometidos com políticas económicas e sociais regressivas.

O modelo, tal como mostram as lutas sociais apoiadas pelos movimentos sociais, conhece, no entanto, sérios revezes.

Devolver ao Direito do Trabalho a modernidade conquistada é objectivo que os trabalhadores reclamam.

Reconhecer às suas organizações o papel fundamental na defesa dos interesses colectivos e dos interesses individuais que integram a ordem pública de um Estado de Direito Democrático é tarefa que adaptará o direito laboral adjectivo àquela modernidade.

E é isso que vos propomos.

Disse.