Senhor Presidente
Senhores Deputados
A matéria tratada no Projecto de Lei 421/VII poderia constar hoje do texto constitucional.
Tem dignidade constitucional, dado que se trata de consagrar direitos de associações
sindicais, na linha do mais moderno entendimento sobre o Direito do Trabalho.
Por isso, constava do último Projecto de revisão Constitucional do P.C.P. uma
proposta no sentido de a Constituição conter um inciso enunciando a legitimidade
das Associações Sindicais para intervirem em juízo em defesa de interesses colectivos,
e também em defesa de interesses individuais sempre que a solução destes pudesse
influenciar o estatuto legal do colectivo de trabalhadores.
A Proposta, depois de aceite pelo P.C.P. uma pequena alteração, acabaria por
obter a maioria, mas não a maioria suficiente para a sua consagração constitucional.
O P.S.D. impediu o acolhimento constitucional da proposta.
o que não é caso para admirar.
De facto, ao longo do seu consulado, o P.S.D. tentou desfigurar a legislação
do trabalho, dando-lhe contornos há muito rejeitados para o Direito Laboral.
Que sendo um misto de direito Privado e de Direito Público, aqui sempre que
se trata das condições de trabalho, é sempre um Direito especial que não é enformado
por concepções puramente civilistas. Sendo presidido na sua elaboração pelo
princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, reconhecidamente a parte
mais fraca na relação laboral.
Este princípio conhece vários entorses durante os governos do P.S.D.
Bastará citar o Decreto-lei 64- A/ 89 sobre a cessação do contrato de trabalho.
Aí poderemos ver como se começa a individualizar os interesses dos trabalhadores,
mesmo quando de interesses colectivos se trata. A revogação do regime de despedimentos
colectivos constante do Decreto-Lei 372-A/75, deixando cada trabalhador à sua
sorte sem o arrimo da intervenção do Ministério do Emprego em defesa dos postos
de trabalho, é disso um bom exemplo.
As alterações introduzidas à lei da duração do trabalho no tempo do 1º Ministro
Cavaco e Silva são também um bom exemplo do cariz retrógrado que se quis introduzir
na legislação de trabalho, e que redundaram em ataques às organizações sindicais.
A possibilidade de, através da contratação colectiva, se obter o horário de
trabalho semanal em termos médios, por referência a meses, é bem um exemplo
de como também aqui se quis seguir os modelos estrangeiros. A palavra de ordem
nas últimas décadas, foi a de que a negociação colectiva servia para diminuir
os direitos dos trabalhadores.
Assim se negando um princípio, sempre prosseguido pelos trabalhadores e suas
organizações, e transposto para o Direito Laboral: A negociação colectiva tem
por objectivo consagrar para os trabalhadores direitos superiores aos constantes
da lei.
Os ataques ao Direito à negociação colectiva que podemos reconhecer em vários
ordenamentos jurídicos europeus visando a individualização sem limites das relações
laborais, o enfraquecimento dos movimentos sindicais, prepararam, nas últimas
décadas, o caminho para a Europa de Maastricht, contra a Europa dos Povos.
Aquela bebendo e vivendo da desregulamentação laboral, da flexibilidade, da
precarização das relações laborais, da regressão social no seio da negociação
colectiva.
Esta, a Europa dos Povos necessitando da solidariedade entre trabalhadores,
de um direito laboral nascido dos interesses colectivos firmemente prosseguidos
pelas organizações dos trabalhadores.
A regressão social vivida nas últimas décadas fez nascer apressados epitáfios
sobre a morte anunciada da luta social, sobre o enfraquecimento das organizações
sociais.
A verdade, no entanto, é que os últimos acontecimentos escarnecem desses epitáfios,
e provam a vitalidade dos trabalhadores e das suas organizações.
A compreensão do quadro em que se desenvolvem os direitos dos trabalhadores,
do quadro em que estes conquistam contornos no seu estatuto legal, ajuda a compreender
aquilo que muitos teóricos do direito do trabalho continuam a afirmar.
E veja-se, por todos, Meneses Cordeiro:
" O Direito colectivo do trabalho precede, em termos históricos, científicos
e práticos, a temática laboral individual.
O Direito do trabalho deve a sua autonomia às colocações colectivas dos problemas
que faculta; nesse nível foram apuradas soluções irredutíveis às propiciadas
pelo Direito Civil, assim se alcançando uma dimensão inovatória.
A captação deste estado de coisas e a própria apreensão do Direito do Trabalho
no que ele tenha de específico conseguem-se, com mais êxito, no plano laboral
colectivo "
E nós parafraseamos:
A captação deste Estado de coisas conduz a que a legitimidade para estar em
juízo na área laboral leva a soluções necessariamente diferentes das encontradas
para o Direito Civil.
De facto, dos conflitos colectivos nasce um estatuto legal dos trabalhadores.
Com muitas normas que são normas de ordem pública, de ordem pública social.
As violações dessas normas põem em causa não apenas o estatuto daquele trabalhador
individualmente considerado, mas os interesses colectivos dos trabalhadores
protegidos pelas mesmas.
Daí que, se compreenda que mesmo nalguns casos em que aparentemente estão em
causa interesses individuais, perigando os interesses colectivos, a legitimidade
para estar em juízo deva ser encarada de uma forma diferente da comummente adquirida.
Aliás já nesta legislatura, aprovámos diplomas que reconhecendo o interesse
colectivo em conflitos individuais, concederam legitimidade para agir judicialmente
às Associações Sindicais. Referimo-nos à lei sobre a igualdade no trabalho e
no emprego.
O Projecto de Lei que hoje discutimos parte assim da apreensão do Direito do
Trabalho no que ele tem de específico. Por considerarmos muito insuficiente
o actual Código do Processo de Trabalho de 1981, que praticamente desconhece
a relevância para os interesses colectivos de alguns conflitos individuais,
limitando-se a reconhecer-lhe o papel de assistentes.
Bem mais longe ia o Código do Processo de Trabalho de 1979 que não chegou, no
entanto, a entrar em vigor, mas onde já reconhecia às Associações Sindicais
o direito de acção em substituição dos Associados quando o conflito individual
se encontrasse tutelado por normas de interesse e ordem pública, existindo declaração
do trabalhador de que não pretendia accionar pessoalmente.
Sendo insuficiente o que actualmente consta do Código do Processo do Trabalho,
o P.C.P. propõe que as Associações Sindicais sejam parte legítima como autores
nas acções em que estejam em causa interesses cuja tutela lhes pertence.
É manifesto que às associações sindicais cabe tutelar o exercício do direito
de greve, o exercício de direitos e liberdades sindicais, o exercício de direitos
de representantes eleitos dos trabalhadores, cabe-lhes fiscalizar o cumprimento
de legislação laboral, cabe-lhes impedir a diminuição de direitos adquiridos
pelos trabalhadores em resultado de novos instrumentos de regulamentação colectiva.
Trata-se de direitos fundamentais dos trabalhadores, estruturantes da democracia
económica, social e cultural plasmada no texto constitucional. Pelo que, os
interesses em causa são interesses colectivos que conferem, de pleno direito,
legitimidade às associações sindicais.
Relativamente aos conflitos individuais, o Projecto do P.C.P. acolhe a formulação
do Código do Processo do Trabalho, enumerando, no entanto, a título exemplificativo,
as matérias que iniludivelmente são de ordem pública social.
A estabilidade no emprego, consagrada constitucionalmente, é uma dessas matérias.
Assim o são, também, outras matérias relacionadas com o direito ao trabalho
- caso da existência e validade do contrato de trabalho - com o horário de trabalho
- a história passada e presente demonstra como aqui se jogam os próprios interesses
colectivos - a remuneração - imprescindível a uma vida digna - a categoria profissional
em que estão em causa também interesses colectivos da profissão.
Todas estas matérias integram o quadro de direitos fundamentais dos trabalhadores
e outros de natureza análoga, de acordo com o nosso texto fundamental. São pois
tuteladas por normas de ordem pública social.
E se nestes casos estão em causa direitos individuais, a verdade é que foram
criados pela luta colectiva, pelo que há um manifesto interesse colectivo na
sua defesa por forma a que, tendo-se registado o fluxo, atrás apontado, da luta
colectiva para a esfera individual dos direitos criados no exercício de interesses
colectivos, não possa dar-se o através da individualização, o refluxo de direitos
conquistados colectivamente.
Nesta matéria deverá, no entanto, a associação sindical, obter declaração do
trabalhador de que não pretende accionar pessoalmente.
O Projecto mantém o actual nº 3 do artigo 5º do Código do Processo do Trabalho,
podendo o trabalhador contar com o apoio da Associação Sindical nas restantes
acções, nos mesmos termos já referidos no Código do Processo de Trabalho de
1979.
Tal como se estabelece no diploma em debate, o mesmo aplica-se aos trabalhadores
no domicílio e aos trabalhadores com contratos legalmente equiparados.
Por último estabelece-se a legitimidade das Associações Sindicais para a acção
penal nos mesmos casos e termos em que lhes é reconhecida legitimidade para
a acção cível.
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
Trata-se de um Projecto de Lei aberto a alterações, como é óbvio.
Mas trata-se de um Projecto de Lei que consideramos fundamental na área do Direito
adjectivo laboral.
Agora, talvez até mais premente do que nunca. Num contexto em que os trabalhadores
por toda a Europa, reforçam a luta em defesa de um estatuto em que se foram
introduzindo entorses por forma a que ficassem diluídos os interesses colectivos
que os tornam solidários.
Novos esquemas organizativos foram tentados para transformar as organizações
sociais em pré - legisladores, em parceiros comprometidos com políticas económicas
e sociais regressivas.
O modelo, tal como mostram as lutas sociais apoiadas pelos movimentos sociais,
conhece, no entanto, sérios revezes.
Devolver ao Direito do Trabalho a modernidade conquistada é objectivo que os
trabalhadores reclamam.
Reconhecer às suas organizações o papel fundamental na defesa dos interesses
colectivos e dos interesses individuais que integram a ordem pública de um Estado
de Direito Democrático é tarefa que adaptará o direito laboral adjectivo àquela
modernidade.
E é isso que vos propomos.
Disse.