Aplicação efectiva dos suplementos, compensações
e outras regalias de risco, penosidade e insalubridade
Intervenção de Jorge Machado
26 de Janeiro de 2006
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:
O Decreto-Lei n.º 53-A/98, de 11 de Março, que veio dar execução ao acordo salarial de 1996 e concretizar o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, estabelece as normas enquadradoras para a atribuição de suplementos e outros tipos de compensações a atribuir aos trabalhadores da Administração Pública em função de algumas particularidades específicas da prestação de trabalho, nomeadamente as condições de risco, penosidade e insalubridade.
O objectivo do diploma e o seu grande mérito eram os de atribuir aos trabalhadores da Administração Pública que exercem a sua actividade profissional em condições susceptíveis de provocar um dano na sua saúde uma mais que justa compensação, que poderia passar, entre outras, pela atribuição de um suplemento pecuniário.
Contudo, o diploma estabelecia que os suplementos e demais compensações deviam ser regulamentados no prazo máximo de 180 dias, sendo que, no caso dos serviços e organismos da administração local, o prazo para a regulamentação era de 150 dias.
A verdade é que, passados que estão mais de sete anos desde a entrada em vigor desse Decreto-Lei, este não foi ainda regulamentado. O mesmo se pode dizer quanto aos Decretos-Leis n. os 184/89 e 353-A/89, que já anteriormente não tinham sido regulamentados nesta mesma matéria.
A situação é ainda mais absurda, uma vez que o processo negocial posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 53-A/98 culminou com a elaboração de um projecto de diploma que, embora tendo merecido o parecer favorável do Conselho Superior de Saúde e Segurança para a Administração Pública em 1999, não foi publicado.
Os trabalhadores da Administração Pública e, particularmente, os trabalhadores da administração local têm de saber que a não existência de regulamentação deste diploma tem responsáveis.
A culpa é da falta de vontade política de sucessivos governos.
Senão, vejamos:
Tudo começa com o governo do PSD, do então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, que aprova, sem regulamentar, os Decretos-Leis n. os 353-A/89 e 184/89; depois surge o Governo do PS, de António Guterres, que aprova o Decreto-Lei n.º 53-A/98, mas não o regulamenta no prazo legal; depois foram os governos do PSD, de Durão Barroso e de Santana Lopes, apoiados por um outro partido, o CDS-PP, que também nada fizeram para resolver o problema; e, por fim, hoje temos novamente um Governo do PS, que, com mais de nove meses de governação, ainda não encontrou tempo e vontade política para resolver o problema.
Na opinião do PCP, a presente, deliberada e ostensiva, omissão legislativa, da responsabilidade do PS e do PSD, com ou sem o CDS-PP, implica sérios prejuízos para vários trabalhadores. Na verdade, estes podem ver-se impedidos de aceder a um suplemento a que têm direito, mas que, por falta de regulamentação, continua incerto.
Este suplemento — não é demais referi-lo — é justo, uma vez que visa compensar os trabalhadores da Administração Pública que, por razões inerentes ao respectivo conteúdo funcional da sua actividade profissional, trabalham em situações que põem em risco a sua saúde.
Mas a inexistência de regulamentação também cria uma outra situação de desigualdade, uma vez que há câmaras municipais que pagam e outras não, câmaras municipais e eleitos condenados e outras não e ainda câmaras municipais que não são investigadas e outras que o são.
A manutenção desta situação não é dignificante e em nada ajuda a credibilidade do Estado, nem, de todo, do bom funcionamento das autarquias locais, da boa relação que estas devem manter com os seus trabalhadores e da consequente prestação de um serviço de qualidade aos munícipes.
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:
Quanto à situação dos cerca de 600 trabalhadores da Câmara Municipal do Porto, a maior parte deles afecta à recolha do lixo, eles vivem uma situação verdadeiramente dramática. Na verdade, estamos a falar de trabalhadores da administração local que ganham muito mal, cerca de 500 euros, e que recebiam um prémio nocturno que rondava os 115 euros.
Tendo a Câmara Municipal do Porto decidido, no passado mês de Novembro, cortar o prémio nocturno, facilmente se percebe a situação de desespero em que caíram estas 600 famílias.
A situação obrigou, face à teimosia da Câmara Municipal do Porto, à realização de duas greves, que, apesar de incómodas, foram recebidas com um enorme apoio popular.
É de referir também que este prémio era pago há mais de 31 anos, pelo que não são os trabalhadores os culpados da omissão ou negligência dos sucessivos governos.
Toda esta situação tem, assim, dois responsáveis: o Governo e a Câmara Municipal do Porto
O actual Governo porque, podendo resolver o problema, parece mais preocupado em fazer um levantamento das situações idênticas existentes, sobretudo no grande Porto, para, depois, encontrar um desfecho nacional, sem, no entanto, avançar em nada para a resolução do problema.
E a Câmara Municipal do Porto também não está isenta de responsabilidades.
É que face ao parecer preliminar da IGAT, que — e não é demais lembrá-lo — não é vinculativo, podia e devia ter reunido esforços para encontrar uma solução política para este problema, mas, em vez disso, decidiu aproveitar-se do problema e cortar o prémio, demonstrando, assim, uma total insen sibilidade face aos problemas sociais que iriam surgir.
O PCP entende que estes trabalhadores não são os culpados pela situação que foi criada, pelo que não podem nem devem ser estes a pagar dos seus bolsos os erros que outros cometeram.
Por isso, estamos totalmente solidários com aqueles trabalhadores que diziam, num cordão humano que ligou a Câmara Municipal ao Governo Civil do Porto: «Sr. Presidente Rui Rio, é favor pagar os direitos».
Quero aqui salientar que todos os grupos parlamentares mostraram vontade em resolver este problema.
O PCP, desde já, reitera essa disponibilidade, mas também salientamos que já demos um contributo significativo ao apresentar o presente projecto de lei e ao propor em Conferência de Líderes o agendamento deste diploma.
Estamos certos de que, se se regulamentar o Decreto-Lei n.º 53-A/89, isso irá ajudar, e muito, a manter o nível remuneratório dos trabalhadores da Câmara Municipal do Porto e, assim, resolver parte dos seus problemas.
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados,
Termino dizendo que o Partido Comunista Português apresentou, no passado dia 8 de Junho de 2005, o projecto de lei que hoje discutimos — aliás, já o tínhamos apresentado na VIII e IX Legislaturas — com objectivos muito claros: por um lado, clarificar um conjunto de conceitos e, por outro, determinar um prazo mais curto, que esperamos que seja rigorosamente cumprido, para a regulamentação do Decreto-Lei n.º 53-A/98, de 11 de Março, e, assim, tornar efectiva a aplicação do regime de atribuição de suplementos e outras compensações devidas aos trabalhadores que trabalham em condições de risco, penosidade ou insalubridade em todas as autarquias locais do País.
Na nossa opinião, não é aceitável que um diploma permaneça há mais de sete anos sem a competente regulamentação. Não é aceitável a manutenção desta omissão legislativa numa questão como esta que afecta um grande número de trabalhadores e põe em causa a gestão de inúmeras câmaras municipais que tentam resolver este problema.
O PCP espera que os diferentes grupos parlamentares e o Governo assumam as suas responsabilidades e ponham termo a esta situação de um diploma que, apesar de existir no papel, tem sérias dificuldades em existir na realidade, devido à ausência de regulamentação.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Sérgio Vieira,
Efectivamente, compete ao Governo regulamentar uma parte do problema.
Não sei se teve, ou não, oportunidade de ler o nosso projecto de lei, mas a verdade é que ele avança com um conjunto de definições, de conceitos, remetendo para a regulamentação posterior, da parte que compete exclusivamente ao Governo. Portanto, é um novo projecto — por isso não corresponde à verdade aquilo que o Sr. Deputado diz — na medida em que avançamos com um conjunto de conceitos.
Depois, acho curioso que o Sr. Deputado tenha tido a coragem — e saliento este aspecto — de dizer, aqui, à frente de um conjunto de trabalhadores da Câmara Municipal do Porto, que a Câmara Municipal do Porto foi obrigada a suspender o pagamento do prémio.
Bem, o mesmo entendimento não teve a Câmara Municipal relativamente, por exemplo, ao «Túnel de Ceuta». E o Sr. Deputado sabe a que estou a referir-me: é porque, no caso de cortar direitos aos trabalhadores das autarquias locais, o PSD e a Câmara Municipal do Porto não tiveram a menor dúvida em cortar, com base no relatório provisório do IGAT, que, em nada vinculava, em nada obrigava a Câmara Municipal do Porto, mas, já quanto ao «Túnel de Ceuta», mesmo com o relatório definitivo do IGAT — um relatório vinculativo —, a Câmara Municipal do Porto não o acatou. Portanto, são dois pesos e duas medidas!!
É, por conseguinte, Sr. Deputado, curioso que o faça à frente dos trabalhadores da Câmara Municipal do Porto.
Depois, diz o Sr. Deputado que o Governo tem insensibilidade, face aos dramas sociais.
Sr. Deputado, então, e a Câmara Municipal do Porto?! A Câmara Municipal do Porto não podia ter, primeiro, tentado encontrar uma solução política para o problema e só, depois, esgotados todos os meios de resolver o problema, sim, suspender?!…
Essa era a última das últimas soluções, se não houvesse outras alternativas.
E elas existem, Sr. Deputado! E o PSD aproveitou-se do facto de existir este problema para cortar o prémio aos trabalhadores. E isso é que é injusto e por isso é que repito que há insensibilidade na resolução do problema, quer da vossa parte, quer da bancada do PS, quer da bancada do CDS-PP, que tem culpa nesta história toda!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Manuel Pizarro,
Gostaria de colocar-lhe um conjunto de interrogações que a sua intervenção me suscitou.
Assim sendo, queria fazer uma primeira apreciação para dizer que considero no mínimo curioso o facto de quer a sua bancada, quer a do PSD, quer a do CDS-PP… — faço justiça: a bancada do CDS-PP não porque assumiu a sua responsabilidade atribuindo-a a todas as bancadas, mas a bancada do PCP não a aceita, porque não tem responsabilidade pela situação que se criou —, terem passado claramente uma esponja pelas suas responsabilidades.
Quanto à falta regulamentação, desde que o problema existe já tivemos três governos do PS! Sr. Deputado, três governos do PS! Como é que se consegue compreender e justificar que o problema não esteja resolvido?
Além disso, o projecto de resolução remete, quanto à regulamentação do Decreto-Lei n.º 52-A/98, para a revisão do regime geral das carreiras e remunerações dos trabalhadores da Administração Pública e isto é atirar para muito longe a resolução deste problema.
Quero saber se o Partido Socialista se compromete, junto do Governo, a estipular um prazo concreto para a regulamentação desta lei, que não existe há mais de sete anos e que tem causado sérios prejuízos a trabalhadores e a câmaras municipais que tentam resolver este problema. É este compromisso que quero saber se existe ou não por parte do Partido Socialista.
Quanto ao prémio nocturno, trata-se, efectivamente, de uma questão diferente. Sr. Deputado, considera justo que sejam os trabalhadores da Câmara Municipal do Porto a pagar dos seus bolsos os sucessivos erros que os consecutivos governos têm cometido?
É evidente que não, Sr. Deputado!!
É preciso que haja vontade política — e o PS tem de se comprometer com essa vontade política — em resolver o problema não só destes mas de todos os trabalhadores. O problema não é só destes trabalhadores, poderão surgir muitas situações idênticas e o Sr. Deputado tem a obrigação de resolver esse problema junto do Governo, e é esse o compromisso que quero.
O que quero é que resolva esse problema, mas não atirando para a revisão geral das carreiras e remuneração!
É já, porque aqueles trabalhadores não podem suportar mais um, dois, três meses sem menos 20% das suas remunerações! É esta a situação de injustiça!
O Governo do PS nada fez até agora! Como é que se compreende que o Governo, face a este problema e à situação dramática destes trabalhadores, nada tenha feito até agora? É esta curiosidade que gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse de uma vez por todas!
(…)
Sr. Presidente, usarei apenas 19 segundos.
Quero referir que, da intervenção do Partido Socialista, o PCP retira claramente uma conclusão o Partido Socialista tem a intenção de chumbar todos os projectos e, com isso, manifesta claramente aos trabalhadores da Câmara Municipal do Porto que não pretende resolver o problema de imediato.
Cá estaremos para ver qual é o vosso comportamento!
Mas quero ainda referir, Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, que é curioso que o projecto de resolução, apresentado pelo PS, fale em resolver, de imediato, o problema e a Sr.ª Deputada diga que é preciso resolvê-lo em tempo útil. O tempo útil, se calhar, será daqui a duas ou três legislaturas!…
Cá estaremos para ver se o problema é ou não resolvido, Sr.ª Deputada.