Intervenção do Deputado
Alexandrino Saldanha

Alteração do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho a Termo,
combatendo a precariedade no emprego

17 de Janeiro de 2001


Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Oito meses depois, estamos de novo a discutir o Projecto de Lei do PCP que tem como objectivo combater a precaridade no emprego, através da alteração do regime jurídico do contrato de trabalho a termo.

Nessa altura, o PS e o PSD votaram, na generalidade, contra tal projecto. Pode assim perguntar-se o porquê da sua reapresentação.

Como se afirma no preâmbulo do nosso Projecto de Lei, n.º 317/VIII, hoje aqui em discussão, o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade veio, no passado mês de Setembro - 4 meses após a votação do anterior - mostrar grande preocupação com a falta de qualidade no emprego e anunciando que o Governo iria "lançar ... uma operação de combate ao trabalho ilegal e aos contratos de trabalho a prazo".

Preocupação também assumida por responsáveis da Inspecção do Trabalho.

Preocupação que será sem dúvida minimizada com a contribuição do nosso Projecto de Lei e a sua aprovação.

Porque, a não ser assim, a apregoada preocupação, que iria levar o Governo a lançar uma operação de combate ao trabalho ilegal e aos contratos a prazo, não passaria de um exercício de demagogia, para tentar amortecer o descontentamento de centenas de milhar de trabalhadores em situação precária.

O que seria tanto mais grave, quanto os últimos dados do INE continuam a mostrar que os contratos a termo ( e as outras formas de trabalho precário) aumentam o seu peso no conjunto dos contratos de trabalho por conta de outrém. Por exemplo, entre o 2.º e o 3.º trimestres de 2000, enquanto a percentagem de trabalhadores com contrato sem termo aumentou 0,2%, a de trabalhadores a termo aumentou 1,5% (mais sete vezes e meia), e a de trabalhadores com outras formas de precaridade aumentou 4% (20 vezes mais).

Reconhecida, voluntária ou involuntariamente, a razão que assistia ao PCP, o que é certo é que o PS se sentiu obrigado a apresentar, ontem, à última hora, um Projecto de Lei sobre a mesma matéria, ainda não submetido a debate público.

Projecto que, embora não tocando na questão dos jovens à procura do 1.º emprego e nos desempregados de longa duração, vai de encontro a algumas das propostas que apresentámos - o que, de algum modo, desmente o que o próprio Ministro Ferro Rodrigues antes afirmara, de que não seria necessária qualquer alteração à legislação.

Pelos vistos, agora, até o PS concorda que é necessária.

Bem vindos, pois, a este combate, independentemente do momento e do carácter limitado das alterações propostas.

O projecto do Bloco de Esquerda tem algumas propostas coincidentes com as nossas e, por isso, será por nós viabilizado.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Para desfazer dúvidas, afirmamos desde já que não se trata aqui de rejeitar a existência de contratos de trabalho a termo, desde que em condições específicas e bem delimitadas. O que nós recusamos é que a excepção seja transformada em regra. O que nós exigimos é que a trabalho permanente corresponda um contrato permanente.

Um dos argumentos antes utilizados para a não aprovação do projecto de lei, foi o de que seria preferível ter um trabalho precário do que estar no desemprego.

Em primeiro lugar, tal raciocínio parte da aceitação da ilegalidade como forma admissível de combater o desemprego. No extremo, levaria a admitir que todos os direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de séculos (salário mínimo, férias, etc.), que hoje constituem um património de valores universalmente aceites, pudessem ser postergados em nome do combate ao desemprego.

Por outro lado, não é avançada qualquer prova de que a obrigação e imposição prática da contratação de um trabalhador com contrato sem termo para um trabalho de carácter permanente leve à sua não contratação e ao aumento do desemprego.

A questão é outra. É que a teoria do fomento do trabalho precário como uma boa política de emprego justifica o apoio à política de uma cada vez maior concentração da riqueza, à custa de uma cada vez maior exploração dos trabalhadores, com o alargamento do fosso entre ricos e pobres. E integra-se numa ofensiva contra a estabilidade no emprego, que também inclui teorizações sobre os "benefícios" da flexibilidade ou dos baixos salários, para reduzir os custos, tudo em nome da sacrossanta concorrência e da produtividade.

E, como na anterior discussão sobre este tema afirmou a minha camarada Odete Santos "Também com os baixos salários se precariza, já que se tornam os trabalhadores disponíveis para aceitarem formas atípicas de trabalho". O que, por exemplo levou ao alargamento das excepções à semana inglesa, através do expediente da declaração de empresas, como as da cadeia Pão de Açúcar, em situação económica difícil. E daí se passou para a desvalorização do descanso ao fim de semana.

Ora, a nosso ver, a produtividade aumentará, com a realização do trabalho em condições socialmente dignificantes.

E o trabalho é por nós entendido também como uma fonte de realização humana, e não uma forma de escravização, com vista à maximização do lucro. Vem a propósito perguntar se, como contraponto à tão apregoada moderação salarial, alguém ouviu falar da moderação dos lucros.

Aliás, se a resposta positiva à concorrência e ao aumento da produtividade resultassem da precarização e dos baixos salários teríamos, como já alguém disse, as empresas mais produtivas e concorrenciais da Europa.

Outro argumento invocado contra o nosso projecto - este como um claro alibi para encobrir o apoio à possibilidade de uma maior exploração da mão de obra - foi o de que "matérias desta natureza deveriam ser objecto de negociação em sede de concertação social".

Se nos lembrarmos que a concertação social serviu para impor tectos salariais e implementar a legislação que interessava ao patronato, retardando ou esquecendo qualquer pequena melhoria para os trabalhadores, que havia sido dada como moeda de troca, logo vemos o valor e os objectivos de quem o utiliza.

Além disso, a Assembleia da República é um órgão de soberania e não deve nem pode ficar prisioneira de consensos que o patronato e o Governo, separadamente ou em conjunto, têm condições para, unilateralmente, inviabilizar.

Na base de que a questão do inadmissível aumento dos contratos a prazo resulta da fraude ao DL 64-A/89, afirmou-se também que o que importava era melhorar o funcionamento e a acção da Inspecção do Trabalho e aumentar as sanções pecuniárias pela sua violação.

Quanto à questão sancionatória, não pode esquecer-se que, fruto da pressão e da apresentação de iniciativa legislativa por parte do PCP, foram publicados 4 diplomas, em Agosto de 1999, que aumentaram fortemente o valor das coimas, que têm de ser periodicamente actualizadas.

Por outro lado, é, de facto, imprescindível que o Governo dê meios técnicos e humanos à Inspecção do Trabalho, no sentido desta poder intervir atempada e eficazmente e dote os Tribunais das condições necessárias para uma justiça célere.

Concordamos pois que se exijam ao Governo condições para que os serviços inspectivos actuem e os Tribunais decidam em devido tempo.

Mas não basta.

É preciso ir à própria legislação, ao DL 64-A/89, que estimula e dá cobertura a tais comportamentos

Não é admissível que os jovens à procura do 1.º emprego ou os desempregados de longa duração, só por esse facto, possam ser contratados a termo mesmo para trabalhos de carácter permanente. Tanto mais que são atribuídos benefícios às empresas que contratam estes trabalhadores, designadamente na redução dos descontos para a Segurança Social.

E a realidade já mostrou que, além de claras injustiças, existem também ambiguidades na interpretação de algumas normas que importa ultrapassar.

Foi por isso que votámos contra o DL 64-A/89, aquando da sua aprovação.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

No nosso Projecto de Lei reafirmamos o princípio de que só por necessidades objectivas da empresa, e não por quaisquer atributos subjectivos, se justifica a celebração de um contrato a termo.

A contratação a termo é pois uma forma excepcional de contratação - a regra é (ou deveria ser) o contrato sem termo.

A nosso ver, a um trabalho permanente deve corresponder um contrato de trabalho permanente (sem termo) - e isto também tem de ser válido para a Administração Pública.

Por isso, discordamos que a alínea e) do nº1 do artigo 41º do DL 64-A/89 permita que o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento possa justificar a contratação a prazo, ainda que o trabalho a executar seja permanente.

E consideramos injustificável a permissão de contratar a termo jovens à procura do 1º emprego e desempregados de longa duração, ipso facto, ainda que vão cumprir actividades ou funções permanentes da empresa. Esta possibilidade, constante da actual alínea h) do mesmo artigo, é uma dupla penalização para os jovens e os desempregados de longa duração e um duplo benefício para as entidades patronais.

Contudo, constatamos que o Projecto de Lei do PS, n.º 342/VIII, não propõe a eliminação desta alínea; pode ser que, tal como aconteceu noutros aspectos, venha a mudar de opinião até (ou na) discussão na especialidade. Esperemos que sim.

Propomos a inversão do ónus da prova relativamente aos factos e às circunstâncias que justificam a celebração do contrato a termo, impendendo tal ónus sobre a entidade patronal.

Em ordem a permitir-se uma maior fiscalização da legalidade dos contratos celebrados, e da sua prorrogação e cessação, propomos também que tais negócios jurídicos sejam comunicados à Comissão de Trabalhadores e à estrutura sindical da empresa, devendo a menção de tal necessidade constar do contrato de trabalho.

E propomos ainda que o contrato de trabalho contenha expressa e claramente uma identificação temporal entre a justificação invocada para a celebração e o termo estipulado - a contratação colectiva poderia, de uma forma mais restrita, tipificar os casos em que pode ser celebrado o contrato a termo.

Para impedir a fuga aos limites às renovações - que colocam os trabalhadores longos anos na precariedade, com breves intervalos, para escamotear a violação da lei - o segundo contrato celebrado seria considerado sem termo, se as funções fossem similares e se destinassem a satisfazer as mesmas necessidades do empregador. Exceptuando, como é óbvio, as situações de trabalho sazonal, e de algumas situações de contratos a prazo incerto.

Também se estabelece que o contrato a termo celebrado depois da aquisição da qualidade de trabalhador permanente possa ser anulado.

E propõe-se que nas cessações por acordo e nas rescisões pelo trabalhadores conste a certificação por duas testemunhas de que a assinatura se processou na sua presença, na data indicada, determinando a falta deste requisito, a possibilidade de anulação do acordo e da rescisão, pelo trabalhador.

No final, tipificam-se as contra-ordenações.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A aprovação do nosso Projecto de Lei permitirá elevar a qualidade do emprego no nosso país, criar e garantir mais estabilidade para os trabalhadores e suas famílias e dar um passo no combate à forma de precaridade que se consubstancia nos contratos a termo abusivos.

O PCP continuará a bater-se pelo trabalho com direitos, pela dignificação do trabalho e pela dignidade dos trabalhadores.

Disse