O PCP apresenta propostas de medidas de prevenção da toxicodependência,
e avalia a Sessão Extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre
o controlo de drogas
Conferência de Imprensa do PCP
12 de Junho de 1998
No momento em que encerra a Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU
destinada aos problemas da Droga, o PCP entende ser oportuno divulgar uma posição
sobre as suas resoluções e anunciar algumas medidas a adoptar no nosso país
para enfrentar e fazer recuar o flagelo da toxicodependência.
A Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU é uma realização de grande
amplitude, que chama a atenção para a droga como problema mundial de enorme
gravidade, que a partir de uma avaliação global e multidisciplinar adianta orientações
e medidas, define processos, estabelece compromissos e calendários e que, independentemente
de observações críticas a fazer, revela uma maior abrangência e profundidade
na observação e resposta ao fenómeno da droga.
São de destacar, pela abordagem inovadora ou pela prioridade atribuída, aspectos
como: a redução da procura; a atenção particular ao problema dos estimulantes
tipo anfetaminas; os compromissos de controlo dos percursores químicos; o apoio
ao desenvolvimento alternativo; a ideia de que não estão de um lado os países
ditos produtores ou de trânsito e do outro os ditos consumidores; o reforço
da cooperação judicial; a atenção ao combate contra o branqueamento de capitais
e a recomendação para que o segredo bancário não sirva de protecção aos branqueadores.
Há no entanto aspectos decisivos para enfrentar com êxito estes problemas, em
relação aos quais a Assembleia Geral da ONU passou ao lado.
É o caso da identificação das causas sociais que estão na base da explosão do
consumo de drogas nas últimas décadas e do seu alargamento a cada vez mais países.
Nessa identificação encontram-se características essenciais do capitalismo:
a exploração, as injustiças sociais, a miséria, o lucro que cilindra valores
fundamentais, uma sociedade que em muitos aspectos se organiza de forma cada
vez mais nociva para o ser humano. A redução da procura não passa assim apenas
por programas de informação ou controlo das drogas, exige alterações profundas
na própria organização da sociedade.
No mesmo sentido se coloca, para além do anunciado apoio a países produtores
para a substituição de culturas, a necessidade de uma nova ordem mundial, de
travar e inverter orientações dominantes de desregulamentação e liberalização
da actividade económica, de pôr fim às trocas desiguais e à dependência, de
penalizar os capitais especulativos e de privilegiar a actividade produtiva,
de perdoar a dívida externa dos países em vias de desenvolvimento e promover
decididamente as suas produções tradicionais e o seu desenvolvimento global.
A Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU é um contributo para uma
acção mais alargada e mais eficaz. Mas, evitando políticas de ingerência e dominação
de povos e países, é absolutamente vital que as resoluções agora aprovadas tenham
uma efectiva implementação e que, vencendo hipocrisias e cumplicidades, algumas
a alto nível no plano financeiro, económico e político, seja garantida uma intervenção
com real vontade política, para atacar o coração dos interesses da droga, para
confiscar lucros e bens ilegítimos e eliminar o poder dos que beneficiam do
tráfico de droga.
Em Portugal, face à dimensão alarmante da toxicodependência e à insuficiência
de meios e de resultados, é indispensável acompanhar o alerta e a dinâmica da
acção que resulta da Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU, para
definir, aprofundar e concretizar orientações que permitam o salto qualitativo
necessário na resposta à toxicodependência.
O PCP considera que, associada à exigência de orientações políticas globais
que intervenham para alterar os factores de organização e degradação social
que conduzem à toxicodependência, uma das principais prioridades de uma política
integrada é a adopção de orientações e medidas para o substancial alargamento
e reforço da eficácia da prevenção primária, em geral e dirigida a sectores
de risco.
É com este objectivo que o PCP anuncia a próxima apresentação
na Assembleia da República de um projecto de lei sobre a definição dos
princípios gerais da prevenção primária da toxicodependência e a aprovação de
medidas de intervenção em situações de risco e de reinserção social e laboral
de toxicodependentes em recuperação.
Do vasto conjunto de orientações e medidas que o projecto de lei contém destacamos
quatro aspectos:
1 — A generalização, aprofundamento e reforço da prevenção em meio escolar
com: a introdução generalizada, nas actividades curriculares e extra - curriculares
dos ensinos básico e secundário, da temática dos estilos de vida saudáveis e
da perigosidade do consumo de substâncias tóxicas; a criação de equipas de apoio
à prevenção em meio escolar; a designação, em cada escola do 2º e 3º ciclo do
ensino básico e do ensino secundário, de um professor que assuma as funções
de coordenação e dinamização das acções de prevenção da toxicodependência em
articulação com toda a comunidade escolar.
2 — A superação da quase completa ausência de formação em áreas relacionadas
com a toxicodependência no ensino superior preconizando-se a inclusão
de formação específica em matéria de toxicodependência na definição dos conteúdos
curriculares dos cursos superiores, nomeadamente de medicina, enfermagem, psicologia,
ciências sociais e de formação para a docência.
3 — A determinação das áreas, bairros, situações ou grupos de risco de
expansão epidémica da dependência de drogas, medida da maior importância
para dar eficácia à prevenção primária da toxicodependência. Nesse sentido o
PCP propõe não apenas o conceito de "situação, área ou grupo de risco de expansão
da toxicodependência" mas igualmente a adopção de medidas específicas de intervenção:
declaração de risco, tipificação da situação; designação de uma equipa técnica
responsável pela resposta; elaboração do plano de intervenção global e a dotação
dos meios humanos, técnicos e financeiros para uma acção eficaz nesse âmbito.
4 — A criação de um dispositivo nacional de centros de apoio em situações
de risco confirmado de expansão da toxicodependência, baseado em centros
de apoio fixos ou móveis. Medida de grande actualidade e urgência, dado que
certas áreas e bairros se têm vindo a transformar em hipermercados de droga,
e em autênticos guetos onde toxicodependentes se vão aglomerando em condições
infra-humanas, numa situação que exige medidas de excepção no plano da assistência,
do apoio social e médico-sanitário, de redução de riscos, sempre com o objectivo
de encaminhamento para soluções de tratamento e recuperação. A detecção destas
situações de risco confirmado e a adopção de estratégias de intervenção coloca-se
como exigência antes de a situação atingir os níveis dramáticos que atingiu
no Casal Ventoso.
No quadro de uma política integrada e entre outras iniciativas, este é um contributo
que desejamos somar ao de outros, num combate que é essencial travar para enfrentar
e fazer recuar a toxicodependência em Portugal e no mundo.