Sobre os problemas da toxicodependência
Conferência de Imprensa do PCP - Declaração de Francisco Lopes
28 de Janeiro de 1998

 

1 - Há um ano, a 28 de Janeiro, foi assinalado o "Dia D", no âmbito da prevenção da toxicodependência.

Um dia que podia ter contribuído para a sensibilização e mobilização da sociedade e podia ter marcado o arranque de uma real vontade política para enfrentar o flagelo da droga.

Mas, avaliando o que, de então até hoje se passou, verificamos que as enormes expectativas criadas foram infelizmente defraudadas e que, como alguns temiam e já havia sucedido com a declaração pelo Governo da droga como "inimigo público número um", se ficou pela acção mediática.

É certo que foram tomadas algumas medidas em si mesmo não questionáveis, mas que são profundamente insuficientes e de eficácia reduzida face à dimensão do fenómeno da toxicodependência, cuja gravidade se mantém.

2 - Um ano após o "Dia D" a prevenção primária, continua a ser praticamente inexistente e as acções desenvolvidas não têm coordenação e avaliação.

Não se pode fechar os olhos ao facto de que o número de toxicodependentes aumentou, atingindo, segundo estimativas oficiosas, mais de 150.000. Que se desenvolveram o tráfico e consumo de novas drogas e se criaram novos guetos de toxicodependência. Que o número de toxicodependentes com SIDA, hepatites e tuberculose multiresistente aumentou com consequências sérias, para si próprios e para a saúde pública. Que as mortes por overdose e, por outras causas relacionadas com a droga não param de crescer.

Apesar do aspecto positivo da abertura de alguns novos CAT.s (Centro de Atendimento), os toxicodependentes que se querem tratar continuam quatro, seis e mais meses à espera de uma primeira consulta. As comunidades terapêuticas públicas, não atingem as 60 camas e os meios e estruturas para a reinserção social não tem qualquer significado.

Milhares de reclusos nas prisões são toxicodependentes e a oferta de tratamento em meio prisional não excede os 30 lugares.

Os hipermercados da droga continuam a trabalhar à luz do dia. Por falta de meios e vontade política o combate ao branqueamento de capitais é praticamente ineficaz.

Em síntese: a situação da toxicodependência em Portugal não está a ser controlada, constituindo um motivo de grande preocupação para a população.

3 - É neste quadro, após a demissão do Alto-Comissário do Projecto Vida, meses depois da crise se ter instalado nas estruturas da prevenção da toxicodependência, e na véspera da passagem de um ano sobre o "Dia D", que o novo ministro responsável por esta área vem fazer declarações sobre este problema.

A "revolução" que anunciou é no fundamental e objectivamente, mais uma operação de imagem que uma resposta global que a grave situação exige. No plano prático pouco adianta, procurando sim evitar o confronto entre as expectativas criadas há um ano e a realidade do atraso e profunda insuficiência que caracteriza a situação na prevenção e tratamento da toxicodependência.

Exigia-se
uma estratégia coerente, com firme vontade política, meios e quadros, para enfrentar e fazer recuar o flagelo da toxicodependência.

Foi anunciada mais uma reestruturação com a extinção do cargo do Alto-Comissário do Projecto Vida e a criação do Instituto Português da Toxicodependência, uma medida administrativa que, sem que ponhamos em causa a necessidade de aperfeiçoamentos e ajustamentos, faz lembrar as constantes reestruturações, mudanças de nome e de estruturas que ao longo dos anos se têm verificado nesta área em contraste com as carências, os atrasos, a ausência de meios e acções práticas.

Exigia-se um forte investimento público para alargar consideravelmente o número e capacidade dos Centros de Atendimento de Toxicodependentes (além dos já existentes e previstos), uma aposta numa rede de comunidades terapêuticas públicas gratuitas e mecanismos de reinserção social, a par do papel supletivo de instituições privadas devidamente avaliadas e fiscalizadas.

Foi anunciada a intenção de não investir na rede pública, continuando, nomeadamente em comunidades terapêuticas, a desresponsabilização do Estado, e com a revisão do regime de convenções, é aberto um processo de favorecimento de negócios privados à custa dos toxicodependentes, das suas famílias e do Orçamento de Estado. No plano dos CAT.s, ficou-se apenas por uma nova divulgação da abertura de CAT.s e extensões já anteriormente decidida e que não responde às necessidades.

Exigia-se a utilização mais alargada da metadona e de outros produtos de substituição na base do atendimento, acompanhamento e controlo médico e desenvolvimento de programas terapêuticos diversificados com vista a um salto qualitativo na oferta pública de meios de tratamento e reinserção social.

Foi anunciado um possível alargamento indiscriminado do fornecimento de metadona, como medida política e com controlo e acompanhamento médico aligeirado, o que poderá significar o abandono dos toxicodependentes à sua sorte.

Exigia-se a alteração da lei da droga com eliminação de penas de prisão por simples consumo de drogas e o encaminhamento dos toxicodependentes presos por crimes associados ao consumo para soluções de tratamento, com alargamento da rede pública e investimento em comunidades terapêuticas nas prisões.

Foi anunciada a hipótese de melhorar a operacionalidade dos mecanismos legais já existentes para aplicar medidas alternativas à prisão, aspecto sem dúvida necessário mas insuficiente e foi admitida pelo novo ministro a manutenção da lei da droga com penas de prisão por simples consumo que podem ir até 1 ano.

O que foi anunciado é pouco, e pensamos que não responde à gravidade da situação. É preciso andar mais depressa e ir mais fundo nas medidas a tomar.

4 - O PCP no quadro da estratégia integrada de combate à toxicodependência que tem vindo a propor destaca, algumas medidas que considera indispensáveis para fazer frente à grave situação que o país vive nesta matéria.

- A necessidade de conhecer com rigor a situação da toxicodependência em Portugal,
para melhor a poder prevenir e nesse sentido coloca ao ministro que acompanha este sector a seguinte questão: O Governo vai ou não vai apresentar o relatório anual sobre a situação da toxicodependência em Portugal que está obrigado a apresentar à Assembleia da República até 31 de Março, segundo o Artº 70º A da Leia da Droga e que o ano passado não apresentou.

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A necessidade de dotar o novo Instituto Português da Toxicodependência das estruturas qualificadas, dos meios técnicos e humanos indispensáveis para uma estratégia coordenada e avaliada de prevenção primária.

- Um forte investimento na rede pública de atendimento e tratamento, com a criação de novos Centros de Atendimento de Toxicodependentes (CAT.s) e extensões que permitam a eliminação dos tempos de espera para primeiras consultas e a criação de 1000 camas em comunidades terapêuticas públicas, articulando esta estrutura do SPTT com o serviço nacional de saúde, a par de uma exigente fiscalização das instituições particulares.

- A adopção de um plano em meio prisional que permita a criação de oportunidades de tratamento aos milhares de reclusos toxicodependentes.

- A eliminação de penas de prisão por consumo de droga, dado que o toxicodependente é um doente que precisa de ser tratado e não inserido num meio prisional, em geral extremamente degradado. A adopção de medidas especiais para garantir no âmbito do SPTT reserva de capacidade de tratamento em articulação com o Ministério da Justiça e os Tribunais.

- O levantamento dos locais críticos do país e a criação de um dispositivo nacional de centros de apoio.

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Relativamente ao Casal Ventoso, triste símbolo das consequências da droga, com centenas de toxicodependentes depositados dia e noite num autêntico gueto, o PCP considera indispensável: o prosseguimento e aprofundamento do plano de intervenção, com a concretização total da reconversão e regularização urbana; o alargamento das valências humanitárias do centro de apoio; o encaminhamento, designadamente na base de programas de redução de riscos incluindo programas de metadona de baixo limiar, para soluções de tratamento e reinserção social; a criação de centros de acolhimento para desalojados e um mais intenso rastreio e encaminhamento médico da toxicodependência e das doenças associadas.

O PCP reafirma a ideia central, que as medidas a tomar quaisquer que sejam, devem basear-se numa estratégia global, assente na prevenção, no tratamento, na reinserção social e no combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais, devem ter como objectivo enfrentar e fazer recuar a toxicodependência, evitando que mais indivíduos, particularmente jovens, caiam na dependência das drogas, e procurando saídas para aqueles que se deixaram enredar neste percurso dramático.

O PCP, entende que a questão da toxicodependência e da droga devem ter no seu combate o maior apoio das várias forças políticas e sociais, exerce o seu direito de crítica, avança com propostas de solução, valoriza a contribuição de responsáveis e técnicos aos diversos níveis e considera indispensável a mobilização do povo português, para exigir a concretização de medidas reais para enfrentar a toxicodependência.

Mesa da Conferência de Imprensa:
Francisco Lopes, membro da Comissão Política;
Carlos Gonçalves, membro do Comité Central;
António Filipe, membro do Comité Central e deputado na AR e
Ricardo Oliveira, membro do CC e da Comissão Política da JCP