1 - Há um ano, a 28 de Janeiro, foi assinalado
o "Dia D", no âmbito da prevenção da toxicodependência.
Um dia que podia ter contribuído para a sensibilização e mobilização da sociedade
e podia ter marcado o arranque de uma real vontade política para enfrentar o
flagelo da droga.
Mas, avaliando o que, de então até hoje se passou, verificamos que as enormes
expectativas criadas foram infelizmente defraudadas e que, como alguns temiam
e já havia sucedido com a declaração pelo Governo da droga como "inimigo
público número um", se ficou pela acção mediática.
É certo que foram tomadas algumas medidas em si mesmo não questionáveis, mas
que são profundamente insuficientes e de eficácia reduzida face à dimensão do
fenómeno da toxicodependência, cuja gravidade se mantém.
2 - Um ano após o "Dia D" a
prevenção primária, continua a ser praticamente inexistente e as acções desenvolvidas
não têm coordenação e avaliação.
Não se pode fechar os olhos ao facto de que o número de toxicodependentes aumentou,
atingindo, segundo estimativas oficiosas, mais de 150.000. Que se desenvolveram
o tráfico e consumo de novas drogas e se criaram novos guetos de toxicodependência.
Que o número de toxicodependentes com SIDA, hepatites e tuberculose multiresistente
aumentou com consequências sérias, para si próprios e para a saúde pública.
Que as mortes por overdose e, por outras causas relacionadas com a droga não
param de crescer.
Apesar do aspecto positivo da abertura de alguns novos CAT.s (Centro de Atendimento),
os toxicodependentes que se querem tratar continuam quatro, seis e mais meses
à espera de uma primeira consulta. As comunidades terapêuticas públicas, não
atingem as 60 camas e os meios e estruturas para a reinserção social não tem
qualquer significado.
Milhares de reclusos nas prisões são toxicodependentes e a oferta de tratamento
em meio prisional não excede os 30 lugares.
Os hipermercados da droga continuam a trabalhar à luz do dia. Por falta de meios
e vontade política o combate ao branqueamento de capitais é praticamente ineficaz.
Em síntese: a situação da toxicodependência em Portugal não está a ser controlada,
constituindo um motivo de grande preocupação para a população.
3 - É neste quadro, após a demissão do
Alto-Comissário do Projecto Vida, meses depois da crise se ter instalado nas
estruturas da prevenção da toxicodependência, e na véspera da passagem de um
ano sobre o "Dia D", que o novo ministro responsável por esta área
vem fazer declarações sobre este problema.
A "revolução" que anunciou é no fundamental e objectivamente, mais
uma operação de imagem que uma resposta global que a grave situação exige. No
plano prático pouco adianta, procurando sim evitar o confronto entre as expectativas
criadas há um ano e a realidade do atraso e profunda insuficiência que caracteriza
a situação na prevenção e tratamento da toxicodependência.
Exigia-se uma estratégia coerente, com firme vontade política, meios e quadros,
para enfrentar e fazer recuar o flagelo da toxicodependência.
Foi anunciada mais uma reestruturação com a extinção do cargo do Alto-Comissário
do Projecto Vida e a criação do Instituto Português da Toxicodependência, uma
medida administrativa que, sem que ponhamos em causa a necessidade de aperfeiçoamentos
e ajustamentos, faz lembrar as constantes reestruturações, mudanças de nome
e de estruturas que ao longo dos anos se têm verificado nesta área em contraste
com as carências, os atrasos, a ausência de meios e acções práticas.
Exigia-se um forte investimento público para alargar consideravelmente
o número e capacidade dos Centros de Atendimento de Toxicodependentes (além
dos já existentes e previstos), uma aposta numa rede de comunidades terapêuticas
públicas gratuitas e mecanismos de reinserção social, a par do papel supletivo
de instituições privadas devidamente avaliadas e fiscalizadas.
Foi anunciada a intenção de não investir na rede pública, continuando,
nomeadamente em comunidades terapêuticas, a desresponsabilização do Estado,
e com a revisão do regime de convenções, é aberto um processo de favorecimento
de negócios privados à custa dos toxicodependentes, das suas famílias e do Orçamento
de Estado. No plano dos CAT.s, ficou-se apenas por uma nova divulgação da abertura
de CAT.s e extensões já anteriormente decidida e que não responde às necessidades.
Exigia-se a utilização mais alargada da metadona e de outros produtos
de substituição na base do atendimento, acompanhamento e controlo médico e desenvolvimento
de programas terapêuticos diversificados com vista a um salto qualitativo na
oferta pública de meios de tratamento e reinserção social.
Foi anunciado um possível alargamento indiscriminado do fornecimento
de metadona, como medida política e com controlo e acompanhamento médico aligeirado,
o que poderá significar o abandono dos toxicodependentes à sua sorte.
Exigia-se a alteração da lei da droga com eliminação de penas de prisão
por simples consumo de drogas e o encaminhamento dos toxicodependentes presos
por crimes associados ao consumo para soluções de tratamento, com alargamento
da rede pública e investimento em comunidades terapêuticas nas prisões.
Foi anunciada a hipótese de melhorar a operacionalidade dos mecanismos
legais já existentes para aplicar medidas alternativas à prisão, aspecto sem
dúvida necessário mas insuficiente e foi admitida pelo novo ministro a manutenção
da lei da droga com penas de prisão por simples consumo que podem ir até 1 ano.
O que foi anunciado é pouco, e pensamos que não responde à gravidade da situação.
É preciso andar mais depressa e ir mais fundo nas medidas a tomar.
4 - O PCP no quadro da estratégia integrada
de combate à toxicodependência que tem vindo a propor destaca, algumas medidas
que considera indispensáveis para fazer frente à grave situação que o país vive
nesta matéria.
- A necessidade de conhecer com rigor a situação da toxicodependência em Portugal,
para melhor a poder prevenir e nesse sentido coloca ao ministro que acompanha
este sector a seguinte questão: O Governo vai ou não vai apresentar o relatório
anual sobre a situação da toxicodependência em Portugal que está obrigado a
apresentar à Assembleia da República até 31 de Março, segundo o Artº 70º A da
Leia da Droga e que o ano passado não apresentou.
- A necessidade de dotar o novo Instituto Português da Toxicodependência
das estruturas qualificadas, dos meios técnicos e humanos indispensáveis
para uma estratégia coordenada e avaliada de prevenção primária.
- Um forte investimento na rede pública de atendimento e tratamento,
com a criação de novos Centros de Atendimento de Toxicodependentes (CAT.s)
e extensões que permitam a eliminação dos tempos de espera para primeiras
consultas e a criação de 1000 camas em comunidades terapêuticas públicas,
articulando esta estrutura do SPTT com o serviço nacional de saúde, a par de
uma exigente fiscalização das instituições particulares.
- A adopção de um plano em meio prisional que permita a criação
de oportunidades de tratamento aos milhares de reclusos toxicodependentes.
- A eliminação de penas de prisão por consumo de droga, dado que
o toxicodependente é um doente que precisa de ser tratado e não inserido num
meio prisional, em geral extremamente degradado. A adopção de medidas especiais
para garantir no âmbito do SPTT reserva de capacidade de tratamento em articulação
com o Ministério da Justiça e os Tribunais.
- O levantamento dos locais críticos do país e a criação de um
dispositivo nacional de centros de apoio.
- Relativamente ao Casal Ventoso, triste símbolo das consequências
da droga, com centenas de toxicodependentes depositados dia e noite num autêntico
gueto, o PCP considera indispensável: o prosseguimento e aprofundamento do
plano de intervenção, com a concretização total da reconversão e regularização
urbana; o alargamento das valências humanitárias do centro de apoio;
o encaminhamento, designadamente na base de programas de redução de riscos
incluindo programas de metadona de baixo limiar, para soluções de tratamento
e reinserção social; a criação de centros de acolhimento para desalojados
e um mais intenso rastreio e encaminhamento médico da toxicodependência e das
doenças associadas.
O PCP reafirma a ideia central, que as medidas a tomar quaisquer que sejam,
devem basear-se numa estratégia global, assente na prevenção, no tratamento,
na reinserção social e no combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais,
devem ter como objectivo enfrentar e fazer recuar a toxicodependência, evitando
que mais indivíduos, particularmente jovens, caiam na dependência das drogas,
e procurando saídas para aqueles que se deixaram enredar neste percurso dramático.
O PCP, entende que a questão da toxicodependência e da droga devem ter no
seu combate o maior apoio das várias forças políticas e sociais, exerce o seu
direito de crítica, avança com propostas de solução, valoriza a contribuição
de responsáveis e técnicos aos diversos níveis e considera indispensável
a mobilização do povo português, para exigir a concretização de medidas reais
para enfrentar a toxicodependência.
Mesa da Conferência de Imprensa:
Francisco Lopes, membro da Comissão Política;
Carlos Gonçalves, membro do Comité Central;
António Filipe, membro do Comité Central e deputado na AR e
Ricardo Oliveira, membro do CC e da Comissão Política da JCP