Debate: “Toxicodependência - Não ao retrocesso na prevenção e tratamento. Reforçar o apoio e a reinserção social”
Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP (Excerto)
24 de Junho de 2003

 

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O fenómeno social da toxicodependência e o conjunto de problemas que lhe estão associados, assumem no nosso país uma dimensão problemática.

Tivemos uma explosão de consumos mais tardia, mas mais profunda que na generalidade dos países europeus.

Durante muitos anos, quase nada se fez para responder ao agravamento da situação.

A política concreta era “esconder a cabeça na areia” como a avestruz para não se ver o desastre. O atraso na resposta a este grave problema foi dramático.

Nos anos noventa, fruto da pressão popular e de iniciativas políticas a que o PCP deu um importante contributo, foram possíveis avanços significativos.

Foi criada uma rede pública de atendimento e tratamento de toxicodependentes, deram-se passos na prevenção de riscos e redução de danos, foi possível a intervenção pioneira e de grande importância no Casal Ventoso, houve avanços no combate ao tráfico e branqueamento de capitais e foi aprovada a nova “lei da droga” que consagrou o princípio de que os toxicodependentes são doentes a quem deve ser garantido tratamento e não criminosos que devam ser julgados e presos.

Foram de facto avanços, apesar das dificuldades e incoerências e de, em matéria de prevenção primária e reinserção social, muito pouco se ter infelizmente concretizado.

Há 15 meses com o Governo PSD/CDS-PP as respostas aos problemas regrediram.

O Governo levou quase um ano para concretizar a operação de fusão que deu origem ao Instituto das Drogas e da Toxicodependência, com uma concepção mais centralista e partidarizada, dirigido não por uma equipa técnica mas por um núcleo de comissários políticos, e mergulhou a área da toxicodependência na desorientação, na paralisia e numa profunda instabilidade.

São já evidentes as linhas de orientação para progressivamente ir deixando cair as responsabilidades do Estado na rede pública de atendimento e tratamento e para privilegiar as “parcerias” e a “complementaridade” com os privados.

A prolongada paralisia do dito Instituto, a ausência de respostas às solicitações e necessidades urgentes e o não cumprimento de compromissos, bem como o desinvestimento e o subfinanciamento e a deliberada hemorragia dos seus preciosos meios humanos, são orientações que visam concretizar a privatização progressiva dos meios do Estado e caminhar para uma mera coordenação dos meios privados, pondo em perigo a universalidade do acesso dos toxicodependentes aos cuidados de saúde.

É aliás particularmente elucidativo que se deixem expirar os contratos, se promova a instabilidade laboral, se empurrem para a porta de saída os técnicos altamente qualificados pondo-se em causa o funcionamento dos serviços na via da sua desarticulação.

E é preocupante a travagem na redução de danos – nomeadamente nos programas de metadona e troca de seringas – e a situação de salários e pagamentos em atraso às equipas de rua e às estruturas de apoio social e sanitário

É grave, por exemplo, que o projecto do Casal Ventoso, que teve um significativo custo financeiro e tem uma grande importância para o presente e o futuro das políticas de prevenção e resposta à toxicodependência no nosso país, esteja quase paralisado há mais dum ano.

Os resultados estão à vista: a urbanização deste bairro começa a degradar-se, há instalações sem funcionar como foi o caso inacreditável da piscina municipal Batista Pereira, quase nove meses encerrada porque a Câmara não licenciava as suas próprias instalações, e há um recrudescimento do tráfico de rua e o regresso aos consumos em larga escala.

E é preocupante a insegurança e a degradação social com a instalação do tráfico e do consumo em massa em conhecidos bairros de muitas cidades do nosso país e noutra zona central da cidade de Lisboa, o Intendente, que carece dum programa imediato de intervenção integrada.

Não há dúvida que, com o PSD de novo no Governo, em matéria de toxicodependência, voltou-se de novo à política da avestruz.

Por isso, em vésperas do Dia Internacional das Nações Unidas contra o abuso e o tráfico ilícito de drogas, é o momento de se exigir do Governo que inverta a sua política e propicie os meios e a acção integrada do Estado na prevenção e tratamento da toxicodependência.

É o momento de se exigir que o Governo não estrangule as intervenções que vinham de trás e promova um plano nacional de prevenção com novas medidas de reforço substancial de prevenção primária, particularmente nas escolas e em áreas e zonas de risco, apostando na formação e no apoio à juventude, na qualidade do ensino, nos tempos livres e no desporto juvenil, nas medidas de apoio às jovens famílias e na criação de emprego qualificado e com direitos.

É o momento de se exigir que o Governo apoie, qualifique e desenvolva a estrutura do Estado de atendimento e tratamento de toxicodependentes, dando estabilidade aos seus profissionais e aos serviços e aposte em novos avanços na reinserção sócio-laboral de toxicodependentes em recuperação.

É o momento de se exigir do Governo que dê toda a atenção à coordenação e interligação do conjunto das políticas para a toxicodependência e às intervenções em áreas de particular complexidade, que promova um plano de intervenção em meio prisional e que invista na coordenação e eficácia do combate ao tráfico e branqueamento de capitais e nas polícias de proximidade, de prevenção da pequena criminalidade e garantia da segurança das populações.

É o momento de se exigir que o Governo não se demita das suas responsabilidades e encare o problema da toxicodependência como uma questão nacional, em todas as suas vertentes que inclui também o firme e sistemático combate aos barões do tráfico e ao branqueamento de capitais.

E é o momento de deixar expresso que, da parte do PCP, continuaremos a intervir e a trabalhar para fazer convergir opiniões e vontades, para travar o agravamento da situação e para conter e fazer regredir os problemas da toxicodependência no nosso país.

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